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Clotilde, rainha dos francos (ao centro), e seus filhos. Iluminura das Grandes Chroniques de Saint-Denis.
Clotilde, rainha dos francos (ao centro), e seus filhos. Iluminura das Grandes Chroniques de Saint-Denis.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Nas férias, uma das minhas maiores alegrias é poder ler coisas que não fazem parte da minha leitura profissional. Em filosofia, também lemos por obrigação. A propósito, ler consiste em trabalho. Sou tão sistemático com o horário da leitura que encaro essa atividade como se batesse o ponto nos horários programados, ou seja, como um operário. Não faço leitura e não me sinto à vontade em ler como um louco. Leio para compreender bem o que está dito pelo autor. E certos autores dão muito trabalho.

De qualquer forma, não quero discutir trabalho, mas férias. Para ser preciso, leitura de férias. Aquela que a gente lê na “poltrona do papai” a fim de saborear o texto. Habitualmente, uso minhas férias para ler literatura. Ler sem o esforço de tomar notas ou ter de lutar demais com o texto. No entanto, neste ano, ganhei da editora Quadrante a nova edição de A mulher no tempo das catedrais, da historiadora francesa Régine Pernoud. Eu já tinha lido alguns trechos em francês há alguns anos, quando escrevi alguns textos para o meu falecido blog Fides et Ratio. Noutras palavras, era leitura de trabalho, porque na época eu estava bem empenhado em apologética católica.

Régine Pernoud nasceu 1909 em Château-Chinon, França, e se dedicou extensivamente ao estudo da Idade Média. É o que se chama tecnicamente de “medievalista”. Ela se formou na Universidade de Paris e começou sua carreira como bibliotecária antes de se tornar uma historiadora prolífica. Pernoud ficou conhecida por seu estilo acessível de escrita, que atraiu um amplo público interessado em aprender sobre a Idade Média para além das tolices de que o período representava a “idade das trevas”. Pernoud desfez tais mitos e trouxe luz à compreensão do período.

Pernoud desafia a ideia de que as mulheres eram meras figuras passivas e submissas na Idade Média, destacando seu papel ativo e influente em diversos aspectos da sociedade medieval

Em 1964, Pernoud escreveu uma bela e conhecida biografia de Joana d’Arc: Joana d’Arc: uma biografia. o livro oferece uma biografia detalhada de Joana d’Arc, explorando sua vida, suas motivações e suas realizações. Baseada em fontes históricas, Pernoud examina registros contemporâneos, como documentos oficiais, cartas, depoimentos e testemunhos oculares, para traçar a vida de Joana d’Arc com precisão. Seu objetivo é desmistificar a figura de Joana e apresentá-la como uma pessoa real, com uma personalidade complexa e uma missão que desempenhou um papel crucial na história francesa.

Em A mulher no tempo das catedrais, Pernoud estuda a vida das mulheres durante o período medieval. Ela explora a posição social, os papéis e as experiências das mulheres nesse período contrastando-as com a visão estereotipada e muitas vezes distorcida que prevaleceu ao longo dos séculos. Nesse sentido, Pernoud desafia a ideia de que as mulheres eram meras figuras passivas e submissas na Idade Média, destacando seu papel ativo e influente em diversos aspectos da sociedade medieval.

Interessante notar que Pernoud se interessou pela mulher na Idade Média em contraste com a vida da mulher no período moderno burguês: “A ideia de estudar a história da mulher surgiu-me [...] quando trabalhava em meu livro sobre a burguesia na França; uma observação foi se impondo pouco a pouco: o lugar da mulher no seio da sociedade parecia diminuir lentamente na proporção em que o poderio do burguês se afirmava, se fortalecia, em que o poder político se associava ao poder econômico e administrativo”. Ou seja, quanto mais a burguesia moderna crescia, menor era o papel da mulher no centro das decisões políticas e econômicas.

Pernoud se utiliza de uma imagem muito medieval para abordar a ascensão e queda da imagem da mulher na história: a roda da fortuna. “No conjunto, a sua evolução faz pensar nas rodas da fortuna, onde se vê um personagem que sobe, triunfa durante algum tempo, mas depois começa a descer e recai no fundo. De acordo com esta imagem tão familiar à iconografia medieval, o apogeu corresponderia à idade feudal: do século 10 ao fim do século 13”. No apogeu da Idade Média, isto é, os séculos das catedrais, as mulheres exerceram uma influência que, infelizmente, os livros escolares de História não fizeram muito esforço para nos contar. Mas nada como ir aos fatos e descobrir que

os fatos e os personagens reunidos nesta obra parecerão, penso, tão convincentes ao leitor como a mim própria; as mulheres exercem então, incontestavelmente, uma influência que não tiveram nem as belas mulheres da Fronda do século 17, nem as severas do 19. Essa influência decresce manifestamente durante os dois séculos seguintes, para os quais reservo a designação de tempos medievais. Os séculos 14 e 15 apresentam, com efeito, uma idade ‘média’, no decurso da qual a mentalidade muda, especialmente no que diz respeito à mulher. E a roda da fortuna não tarda a arrastá-la para um eclipse, de que apenas emerge de novo no século 20.”

O livro de Pernoud está dividido em três partes. Na primeira parte, aborda o tema “Antes do tempo das catedrais”. Estuda a figura de Clotilde, rainha dos francos. Depois abordará “Um novo tipo de mulher: a religiosa” e a relação entre “as mulheres e a educação”. Na segunda parte, apresenta a mulher na Idade Feudal. Investiga o “clima cultural” e ideia de “dona de casa”, “feminilidade”, o amor como “invenção do século 12”, o casamento e a relação das mulheres com o poder político. Na terceira e última parte, Pernoud estuda depois do “tempo das catedrais: da corte do amor à universidade” e duas grandes mulheres: Joana d’Arc e Catarina de Siena.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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