O Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil é cheio de iniciativas para combater a paciência do cidadão brasileiro. Aquele infeliz que trabalha o ano inteiro para financiar, por um lado, as regalias do Estado e, por outro, a ação criminosa da bandidagem.
Vejam só que ação impecável por parte do governo. O mais novo passo de combate ao crime é nada mais do que um aplicativo para celular: o Celular Seguro. Depois disso, já comecei a me sentir mais confiante em poder fazer umas selfies pelas ruas da cidade de São Paulo.
Segundo os mais otimistas, o lançamento do aplicativo representa um passo significativo na luta contra os crescentes roubos e furtos de celulares no país. Só quem já andou por uma grande metrópole sabe como estão as coisas. Minto. Todo o país vive a desgraça da insegurança. Não há um cantinho nessas terras que traga o senso de segurança e conforto. Desculpem o pessimismo. Mas cá entre nós, como permitir o bloqueio rápido de um celular roubado pode ser bom para combater o crime?
Não há qualquer preocupação em investigar as causas sociais do crime, combater a ação dos criminosos em si. Nada
Para o leitor ter uma ideia, o aplicativo promete ser tão eficiente que com apenas alguns cliques você transformará um iPhone 14 em um objeto sem qualquer valor para os criminosos – e, claro, para você.
Segundo Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, “o bloqueio inibe a receptação daqueles que compram o celular de origem duvidosa. Não vai mais ocorrer, o que desestimula o roubo. A pessoa não vai ter coragem de vender se não tiver acesso às informações, dados bancários, nada. Esse aplicativo transforma o celular em um pedaço de metal inútil”.
Essa explicação me faz lembrar daquela famosa frase de Ronald Reagan a respeito da boa intenção de todo governo: “As nove palavras mais terríveis no idioma inglês são: ‘Eu sou do governo e estou aqui para ajudar’”. Sinceramente, não sei o que é pior: o governo estar aqui para me ajudar ou o bandido todo solícito que me aborda e diz: “eu sou o bandido e estou aqui para te matar”.
O comentário do secretário-executivo tem uma invejável capacidade para simplificar problemas complexos. Há tantos equívocos quem nem sei por onde começar.
O primeiro, obviamente, é negligenciar todas as condições motivadoras do crime. Não há qualquer preocupação em investigar as causas sociais do crime, combater a ação dos criminosos em si. Nada. Ao contrário, ele presume duas coisas bastante fáceis de serem questionadas. A primeira é que o aplicativo inibirá a recepção de celulares roubados, já que a ideia é que criminosos são motivados exclusivamente pelo valor de revenda dos aparelhos e pelo acesso a dados bancários das vítimas. E, segundo – para mim a mais ingênua –, a confiança nesse tipo de tecnologia como solução para o crime. Nesse caso, ignora a possibilidade de criminosos usarem a tecnologia para contornar o bloqueio. A tecnologia do governo é tão eficiente quanto a de criminosos. A propósito, tecnologia é moralmente neutra.
Agora, o patrimônio em si, ou seja, o próprio roubo do aparelho, que é o crime que deveria ser punido, não tem relevância para esse governo. Para que combater o crime se o governo pode colaborar para destruir o patrimônio roubado?
O próprio roubo do aparelho, que é o crime que deveria ser punido, não tem relevância para esse governo
Isso não implica desestímulo ao crime, mas uma espécie de coparticipação. Desse governo do amor, que faz de criminosos “vítimas da sociedade”, não me surpreende. O foco dado ao aplicativo expõe a falta de uma abordagem mais integrada de políticas de segurança pública a fim de combater a criminalidade na raiz do problema, que é justamente a ação de criminosos. E expõe também a falta de vergonha na cara desse governo.
Em vez disso, o que o governo sugere? Que a gente instale um aplicativo do governo no celular. Aqui é preciso levantar uma pergunta importante: a implementação de um aplicativo do governo não poderia gerar outros riscos para nossa privacidade? Não estaríamos, de certa forma, suscetíveis a uma forma de vigilância por parte do Estado? Nesse caso, como garantir que o aplicativo não permita acesso indevido aos nossos dados pessoais? Aí entramos naquela zona cinzenta acerca dos limites da ação do Estado: mais proteção, menos privacidade. Mais privacidade, menos proteção. Odeio esse tipo de coincidência, mas tudo isso vem logo depois de Lula comemorar Flávio Dino como o primeiro “ministro comunista” do STF.
Vamos sugerir uma hipótese de trabalho aqui, sem qualquer teoria conspiratória. A eficácia do aplicativo dependerá da colaboração do governo com operadoras de telefonia e instituições financeiras. Noutros termos, o cidadão está nas mãos do governo, dos bancos, das grandes corporações e da bandidagem.
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