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Durante a Vigília Pascal deste último sábado, uma ideia para uma série de artigos me veio à mente: escrever sobre a Doutrina Social da Igreja. Obviamente não sou teólogo e meu objetivo é refletir com vocês como a Igreja Católica se posiciona em relação aos nossos inúmeros desafios sociais.
Havia um tempinho que eu estava interessado em me debruçar na leitura mais atenta do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, o documento publicado em 2004 pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” – que desde 2017 foi abolido para a criação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral – e sintetiza todo o ensinamento da Igreja a respeito do assunto. Então, para cada artigo, gostaria de pensar um aspecto desse documento.
Contudo, no texto de hoje, eu gostaria de começar essa série exatamente do começo, o que significa responder, primeiro, o que é a Doutrina Social da Igreja.
A doutrina social reflete a compreensão da Igreja sobre questões de justiça, paz, dignidade humana, economia e cuidado com a criação
A Doutrina Social da Igreja representa o conjunto de ideias que busca responder às questões mais urgentes da sociedade, como justiça social, direitos humanos, equidade econômica e sustentabilidade ambiental. Ela é uma doutrina da Igreja, o que significa que possui uma dimensão eclesial como um todo; isto é, reflete como a Igreja Católica compreende sua missão evangelizadora enquanto agente social, não se restringindo a uma ordem espiritual separada do mundo. Isso se coloca, obviamente, na contramão das doutrinas liberais e progressistas, que insistem na ideia de que a fé é uma questão de foro íntimo. Vamos dar uma olhada no que diz o parágrafo 79 do Compêndio:
“A doutrina social é da Igreja porque a Igreja é o sujeito que a elabora, difunde e ensina. Essa não é prerrogativa de uma componente do corpo eclesial, mas da comunidade inteira: expressão do modo como a Igreja compreende a sociedade e se coloca em relação às suas estruturas e às suas mudanças. Toda a comunidade eclesial – sacerdotes, religiosos e leigos – concorre para constituir a doutrina social, segundo a diversidade, no seu interior, de tarefas, carismas e ministérios.”
Este trecho do documento destaca a natureza e a origem da doutrina social: ela é intrinsecamente ligada à vida e missão da Igreja Católica em seu todo. A afirmação de que a doutrina social pertence a toda a comunidade eclesial, e não a apenas uma parte dela, demonstra o chamado à responsabilidade coletiva de todos os membros da Igreja – sacerdotes, religiosos e leigos – na sua elaboração, difusão e ensino.
A doutrina social não é apenas um corpo de conhecimento teórico ou um conjunto de diretrizes éticas destinadas a especialistas ou à hierarquia da Igreja; é, antes, a expressão de como a Igreja, como um todo, entende e interage com o mundo. A doutrina social reflete a compreensão da Igreja sobre questões de justiça, paz, dignidade humana, economia e cuidado com a criação. Em última instância, a Doutrina Social da Igreja responde aos vários desafios da vida social, política e econômica.
Este convite à participação universal na vida social reflete a visão da Igreja de uma fé encarnada, que não se retira do mundo, mas se engaja ativamente nele para promover a transformação segundo os valores do Evangelho. A doutrina social, assim, se torna um caminho pelo qual a Igreja cumpre sua missão de ser “sal da terra” e “luz do mundo”, testemunhando o amor de Deus por toda a humanidade e por toda a criação.
Os primeiros documentos que marcaram o surgimento da Doutrina Social da Igreja centraram-se na resposta da Igreja aos problemas sociais e econômicos do fim do século 19. O primeiro grande documento da Igreja Católica que contém uma “doutrina social” é a Rerum Novarum (“sobre a condição dos trabalhadores”), encíclica publicada em 1891 pelo papa Leão XIII. Ela abordou as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, criticou o abuso do capitalismo e do socialismo, e defendeu o direito à propriedade privada, ao mesmo tempo em que sublinhava a importância dos sindicatos e do papel do Estado na regulação das relações de trabalho para proteger os trabalhadores.
Os princípios de cuidado pelos pobres e vulneráveis, justiça para os oprimidos, e a busca pela paz e pelo bem comum têm orientado a ação social da Igreja ao longo dos séculos
Em 1931, o papa Pio XI publicou a encíclica Quadragesimo Anno. Seu nome se refere ao 40.º aniversário da Rerum Novarum. Pio XI reiterou muitos dos temas da Rerum Novarum, e focou na reconstrução da ordem social com base na solidariedade e na subsidiariedade. Além disso, criticou tanto o capitalismo desenfreado quanto o comunismo totalitário e enfatizou a necessidade de uma ordem social que respeitasse os princípios cristãos.
O papa João Paulo II se referiu e expandiu os ensinamentos da Rerum Novarum em várias ocasiões durante seu pontificado, mas um de seus textos mais significativos sobre o assunto é a encíclica Centesimus Annus, publicada em 1991. Esta encíclica foi escrita no centésimo aniversário da Rerum Novarum e serve tanto como uma homenagem quanto como uma atualização dos seus princípios à luz dos desafios sociais e econômicos contemporâneos.
Embora esses documentos sejam considerados os pilares fundacionais, a doutrina tem raízes ainda mais profundas nos ensinamentos de Jesus Cristo e nas obras de misericórdia corporal e espiritual, que são centrais para o Evangelho. Os princípios de cuidado pelos pobres e vulneráveis, justiça para os oprimidos, e a busca pela paz e pelo bem comum têm orientado a ação social da Igreja ao longo dos séculos. No entanto, foi com a Rerum Novarum que a Igreja começou a articular uma resposta mais sistemática e detalhada, sobretudo em relação ao mundo moderno.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos