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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Tem um nazista na sua garagem

Raça não existe. Com relação à raça, existe estupidez e canalhice. Os mitos racialistas messiânicos, que acreditam na supremacia histórica de uma raça em detrimento de outra, têm origem em pseudociências. E, por serem pseudociência, não descrevem a realidade e muito menos compreendem a natureza humana. Foram deformações da modernidade. Para ser mais preciso, substituem a natureza do homem por fantasias que categorizam o mundo a partir da canalhice de alguns. É o racionalismo cego produzindo seus monstros. Por isso, uma falsa razão, para ser honesto. Noutros termos, tem origem na ignorância. Os efeitos sociais da ignorância sempre são devastadores.

Hoje, surge um novo dispositivo de controle: Quando você fala, quem fala? Trata-se do tema do “lugar de fala”. A lógica informal já resolveu isso faz tempo. As atuais ciências das relações humanas, infelizmente, não lidam com lógica. Infelizmente, optaram pelas flutuações performativas da experiência social. E grande questão política do combate ao racismo consiste na pergunta: “quem pode falar pelos outros?” Eu não posso. Ninguém mais pode. Só há solidariedade se existir vínculos identitários. Nada de comunhão de pessoas. O sentido do sofrimento humano só tem um significado social: ser parte de uma minoria discriminada.

A teórica indina Gayatri C. Spivak responde: “Essa tradição [de estudo] defende que há diferentes ‘efeitos de verdade’ a depender de quem enuncia um discurso. […] um homem branco rico e mais velho é ouvido com mais atenção e seus argumentos são mais considerados dos que aqueles de uma mulher jovem, negra e pobre […] há uma espécie de contradição performativa, ou seja, embora um homem branco possa estar denunciando o racismo e o machismo, a sua própria enunciação reafirma a hierarquia social”.

Invalidar uma crença, opinião ou argumento porque não somos simpáticos com a fonte se chama falácia genética

Resumindo: não importa o conteúdo do que você fala, não importa se você denuncia o racismo; a única coisa importante é saber qual lugar você ocupa na hierarquia social quando fala – mesmo contra o racismo. Uma forma de reabilitar pseudociências.

Da minha parte, penso o seguinte: ou somos guiados pela força da violência ou pela força tênue da razão. Não há ambiguidades entre o uso da violência e o uso da razão. Ao contrário do que muitos pós-modernos podem julgar, violência e razão são substâncias que não se misturam. Em vez de falar em “verdades e seus efeitos pragmáticos”, por que não falar primeiro em “validade de uma argumentação”? Por que simplesmente abandonar aquilo que fundamente um discurso? O que determina o valor da fala de alguém a não ser um conteúdo objetivo de que ele está sendo, de fato, racista? A vocação humana para a verdade não pode ser vencida pela deformação da alma de alguns pelo poder.

Uma epistemologia das relações sociais não pode querer dispensar a força da razão por puro capricho. Não há “uma espécie de contradição performativa” no exemplo de Spivak. Há uma falácia que demonstra a invalidade objetiva de quem argumenta olhando apenas para o status social de quem fala. Se um branco rico e mais velho é ouvido com mais atenção e seus argumentos são considerados válidos e verdadeiros por ele ser rico e branco, o problema não é performativo, é lógico. Para ser mais preciso, ilógico.

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Racismo se combate com a verdade e não com performances pós-modernas da desconstrução. Invalidar uma crença, opinião ou argumento porque não somos simpáticos com a fonte se chama falácia genética. O erro desse tipo de jogada está em presumir que a fonte de uma determinada argumentação afeta necessariamente a validade do argumento e da conclusão. Se certas figuras históricas são detestáveis para o senso comum, faça de tudo para vincular o argumento a essas figuras. Nada como ser branco, rico e homem para ser detestável. Há figuras históricas cujo efeito psicológico é devastador.

Nada como denunciar no oponente o fato de ele repetir argumentos propostos por um ditador sanguinário, por exemplo. Não andem de Volkswagen. A origem nazista dessa marca depõe contra a qualidade dos carros. Resumindo a falácia genética: “X é originário de Y, portanto X, agora, deve ter alguns traços em comum com Y”. Se tem um Volkswagen, tem um nazista na garagem.

Negligenciar a verdade em nome do poder é se tornar suscetível aos infernos da subjetividade e do relativismo político. O subproduto do relativismo é o niilismo. E aqui vale tudo. No fim, ganhará o mais forte. E nós voltaremos ao desafio de Trasímaco (personagem importante da República de Platão): “justiça não é outra coisa, e em toda parte, senão a conveniência do mais forte”. Respondendo a primeira pergunta: quando você fala, quem fala? Se não há mais uma força substantiva da razão amparando nossos vínculos sociais, quem fala é convenientemente o mais forte.

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