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Todos os meus inimigos são nazistas

Wikimedia Commons (Foto: )

Bolsonaro deve ser o primeiro nazista da história desprovido do conjunto coeso de ideias fixas e obsessões políticas que poderia ser chamado de “nazista”. Não tem uma clara visão universal do mundo, uma filosofia abrangente a respeito da natureza, da cultura, da história, da sociedade e do homem, e, para completar, carece daquela típica e sempre frequente capacidade retórica das lideranças totalitárias. Com relação a sua capacidade discursiva, convenhamos que está bem mais próximo de Dilma.

Ao se estabelecer algumas exigências científicas um pouco mais precisas sobre quem é ou não nazista, nota-se que não faz o menor sentido qualificar alguém de nazista quando esta mesma pessoa é desprovida de fortes convicções sobre a história enquanto sacrossanta luta racial, não defende o antissemitismo, o aperfeiçoamento do homem mediante eugenia e não traz a convicção inabalável de que o futuro da nova nação e do novo homem só será garantido pela conquista do “espaço vital” a partir da total destruição do inimigo mediante expurgo.

Um político nazista que se preze, nazista com “N” maiúsculo, era obcecado pela luta de vida ou morte contra a decadência moderna por meio da “guerra total” — uma guerra que mobiliza a nação inteira a fim de consagrar a autodeterminação do “triunfo da vontade” da raça superior. Nesse sentido, podemos dormir tranquilos: Jair Messias Bolsonaro não é nazista.

Por outro lado — e me interesso mundo pelo processo mental —, quando se acusa adversários políticos de serem “nazistas” comete-se um verdadeiro empobrecimento e deformação da linguagem política; e fazer política a partir do empobrecimento e da deformação da linguagem — que reduz virtudes e vícios aos absolutos-abstratos “bem” e “mal” —, sinceramente, não é fazer política, mas demonologia. Mais do que considerar adversários em inimigos, é considerá-los verdadeiros agentes do mal no mundo.

Como sabemos, o Nazismo de Hitler deve ser considerado o símbolo do mal absoluto na história. Por isso, nada há de mais conveniente do que acusar o adversário da pior coisa do mundo. Xingue a mãe, mas não chame de “nazista”. Nazismo é a marca da besta, muito mais do que uma mera deformação do caráter. Só que fazer isso inspirado numa recente histeria coletiva significa desrespeitar a memória de milhões de pessoas literalmente mortas em campos de extermínio.

Quando em maio de 2006, o Papa Bento XVI visitou Auschwitz, a primeira coisa que ele lembrou foi: “Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado, um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante”. É desse silêncio que nós mais precisamos.

Seja como for, se há o genuíno desejo de saber “como Hitler foi possível” e como a Europa mergulhou no “coração das trevas” para não repetir a barbárie entre nós, um dos primeiros passos é conseguir frear os impulsos ideológicos que buscam identificar no adversário a imagem do horror e da selvageria a ser combatida em nome da civilização. Ou a gente se esquece que nazistas também falaram em nome da civilização e tinham horror da decadência?

Portanto, se foi irresponsável tentar associar Bolsonaro ao nazismo na época das eleições, é igualmente irresponsável da parte do Bolsonaro, e de qualquer outro membro do governo, como o Ministro Ernesto Araújo, entrar na celeuma de nazismo ser de “esquerda”. Quem diz que o nazismo é de esquerda não faz por razões teóricas, faz pensando numa única coisa: acusar o adversário ideológico de encarnar o mal absoluto.

O conceito de “direita” não é monopólio do atual “liberalismo conservador brasileiro”. Não existe “direita” e “esquerda” fora de contextos históricos políticos específicos e bem demarcados. Por exemplo, há registro histórico de que existiu um fenômeno chamado de “socialismo de direita”, por isso não adianta pegar o nome “Partido Nacional-Socialismo” para afirmar que Nazismo era de esquerda só por causa do “socialismo” no nome.

A querela do nazismo ser de direita ou de esquerda revela um detalhe curioso sobre quem participa desse tipo triste de debate: não querer assumir que também é capaz de praticar o “mal”, considerar que só o adversário é capaz de praticar injustiças. Como se fosse a nossa ideologia que, magicamente, nos privasse da possibilidade de praticar o mal. E não a nossa força de vontade interior, nosso bom senso… Ninguém que se diz de direita hoje no Brasil precisa ter medo do fato de que o nazismo foi um fenômeno de extrema-direita. O fato é que nenhuma crença política, por mais que indique os caminhos do paraíso, será capaz de tornar o homem imune a praticar atrocidades.

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