Constantemente tenho refletido acerca da minha prática pedagógica. Em outras palavras, reflito a respeito do que significa ser um bom professor. Quando digo “bom”, refiro-me evidentemente ao ideal da prática em sala de aula, que obviamente não se encastela em abstrações vazias. O professor ideal, nesse sentido, só existe mesmo dando aula, ou seja, no confronto diário das demandas pedagógicas impostas pelos seus alunos. Não usarei o termo “dialética” para evitar o pedantismo.
Na época da licenciatura, não gostava das aulas de didáticas. Eram horríveis. Minha impressão é a de que havia muita receita pronta para pouca experiência efetiva. Um bom professor se constrói no dia a dia. Não que não haja uma ciência do ensino. Se essa ciência existe, ela precisa ser compreendida na perspectiva mais ampla de “ciência prática” – e não puramente teórica. Não há teoria a priori, fora da experiência da sala da aula, para ser um bom professor.
Comecei a dar aula com 21 anos. Pisei numa sala de aula como professor pela primeira vez em 1999. Era uma turminha do 6.º ano do ensino fundamental. Fiquei nervoso, confesso. Porém, trata-se de experiência inesquecível: literalmente eu não sabia o que fazer. Não digo em relação ao conteúdo, mas ao que fazer no sentido de chamar a atenção daquela molecada mais preocupada em – na época – alimentar o Tamagotchi.
A gente aprende o que ama ou a gente ama o que aprende?
Nesse período, dei aula de Educação Artística, e minha primeira e inesquecível turma foi de Desenho Geométrico – eu realmente amava o assunto. O problema era fazer os alunos amarem também. Amarem ou aprenderem? Eu acreditava que, se eles amassem, aprenderiam da melhor forma possível. Sempre considerei essa relação entre amar e saber um tema fundamental da minha prática de ensino, como já ensinava Platão. A gente aprende o que a gente ama ou a gente ama o que aprende?
Decidi investir nesse problema. Muitas vezes me frustrei, porque acreditei ter encontrado a pedra filosofal do ensino.
Em 2003 entrei para faculdade de Filosofia. Dediquei-me integralmente a estudar e deixei de lado, provisoriamente, o sonho de ser professor. Descobri uma contradição em quem faz Filosofia. Já pararam para pensar que uma faculdade de Filosofia não forma filósofos, mas... professores de Filosofia? É isso, não cheguei a perder no “Jogo da Vida”.
Ao terminar minha graduação em Filosofia, fiz o que a maioria dos graduados em Filosofia faz: dar aulas de Filosofia. A outra parte vira corretor de imóveis. Estou nessa até hoje. Digo, dando aula. Fiz mestrado. Habilitei-me para dar aulas de Sociologia. E continuo professor. De 1999 até hoje, quando deixei a sala de aula, eu penso comigo: como fazer os alunos amarem o assunto? A gente aprende o que ama ou a gente ama o que aprende?
Arrisco esboçar o que considero três valores inegociáveis para um bom professor em sala de aula. Não estão dispostos em hierarquia. O primeiro não será mais importante que o terceiro. Os três formam um conjunto coerente daquilo que hoje aperfeiçoei fazendo, todos os dias, há mais de 20 anos.
Primeiro: sala de aula deve ser consagrada como espaço de reflexão. Isso significa que não se deve depositar conteúdo para cumprir tabela. Cada conceito precisa ser pensado e não meramente informado. Se o aluno não pensar junto com o professor, ele não amará esse conhecimento e, se não amar, não aprenderá. Amar, neste contexto pedagógico, tem sentido aristotélico: o homem, por natureza, deseja o conhecimento. Por qual razão? Por amor, por interesse desinteressado. Porque é legal demais saber certas coisas e superar a ignorância.
Se o aluno não pensar junto com o professor, ele não amará esse conhecimento e, se não amar, não aprenderá
Segundo: o aluno precisa ser respeitado em sua dignidade pessoal. É uma pessoa diante de um professor. Não um objeto qualquer. Um número. Sei que parece assunto batido. Contudo, tratar um aluno pelo nome, dispor-se a ouvi-lo, faz toda a diferença. Meu sonho era ser maestro. Um maestro, quando está regendo, não toca um instrumento. Ele se põe à escuta. Conduz. Imprime ritmo. Para isso, respeita a dignidade – o timbre – de cada instrumento. Penso a sala de aula como uma orquestra, nesse sentido de que cada um tem uma voz própria.
Por fim, o terceiro princípio é o ambiente afetivo. Não se trata de pedagogia do afeto pelo afeto. Sem moralismo sentimentalista. Sem fórmulas mágicas. Digo apenas que um bom professor precisa reconhecer uma dimensão subjetiva, portanto afetiva, do ato didático. Não há robozinhos dispostos a fazer download do que ele fala. É necessário despertar o interesse pela gentileza, pelo bom humor. Um bom professor não deve usar o conteúdo de sua matéria como uma ameaça. A prova não deveria ser jamais punição.
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