Imagem: Divulgação/Tate Gallery| Foto:

Nossa visão de mundo é definida pela forma como acreditamos na relação entre Deus, mundo e homem. Constatamos o mundo e os homens. Não constamos Deus, imediatamente. Uma visão de mundo fornece as bases para interpretar o mundo e a vida humana no sentido da totalidade mais abrangente. Sua origem e seu destino, o início e o fim. São problemas filosóficos fascinantes e, mesmo que os seres humanos não pensem neles o tempo todo, o tempo todo há uma visão de mundo subjacente à maneira como os seres humanos pensam, vivem e sentem.

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Embora tenha tido origem na religião, a pergunta por Deus não se reduz à religião. Vamos dizer que a religião expressa uma relação mais espontânea com Deus, uma experiência mais íntima com sua existência, presença, indiferença ou negação. A filosofia, pelo contrário, suspende provisoriamente essa crença espontânea a fim de interpretar algumas possibilidades acerca do mundo e do homem. Busca a verdade, mas evita, a princípio, o salto de fé. Sem exageros, há só três formas de relacionar Deus com o mundo e os homens: teísmo, panteísmo ou ateísmo. Obviamente, há variáveis dentro de cada uma dessas visões de mundo, mas o lugar comum de todas as crenças ou descrenças é esse.

O teísmo interpreta a realidade a partir da ideia de que Deus, o mundo e os homens são distintos. Deus é o único Deus, e está para além do mundo. Está separado e é superior. Deus é transcendente. Para Deus existir, ele não mantém relação de dependência com o mundo, mas o mundo e os homens mantêm relação de dependência com Deus. Deus é Deus sem a existência do mundo e dos homens, mas o mundo e os homens não seriam o que são sem Deus. Como Deus não precisa do mundo e dos homens para ser o que é, então Deus criou o mundo e os homens por amor e vontade livre. Por qual outra razão os teria criado? Nesse sentido, a noção mais importante para o teísmo é a de ser criatura e viver uma relação de dependência com um criador.

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No panteísmo, Deus e o mundo são idênticos. A relação entre Deus e mundo é de fundamental dependência: Deus depende do mundo para ser Deus e o mundo depende de Deus para ser o mundo. Não há relação de criatura, mas tudo é parte de um mesmo processo cósmico: a unidade singular da substância de Deus. Carl Sagan expressou essa visão de mundo em Cosmos, sua aclamada série para televisão de 1980. Ele abre o primeiro episódio, Os limites do oceano cósmico, com a seguinte sentença: “o cosmo é tudo o que é, foi e será”. O mundo é eterno e não há nada para além dos limites do cosmos. Deus é imanente. Em outras palavras, nada transcende o mundo. Tudo é causa necessária de si mesmo. Nessa perspectiva, não faz sentido falar em “criação”, pois não faz sentido a ideia de que Deus foi livre para criar o mundo segundo seu amor e vontade.

Nesse quadro geral, a última visão de mundo é o ateísmo: o mundo e o homem bastam em si mesmos. A matéria é fruto não de um processo cósmico necessário, mas fruto do puro acaso. O processo é cego. Não faz sentido falar em Deus. Só há o mundo e os homens. O homem vive neste mundo e deve obedecer às mesmas forças e leis que as outras coisas. Nada é determinado. Se no panteísmo cada ser humano é parte fundamental de um processo necessário em que o cosmo conhece a si mesmo mediante o desenvolvimento da consciência, no ateísmo não há qualquer processo necessário. O homem está “solto aí”. Qualquer pergunta pelo sentido de sua existência é pergunta sem sentido, porque tudo é opaco. Por isso as duas possibilidades lógicas do ateísmo são ou humanismo ou niilismo. No humanismo, o homem é Deus; no niilismo, nada.

Todas essas visões de mundo concebem o homem de diferentes maneiras e é preciso atentar para o fato de que não existe nenhuma possibilidade de amenizar os dilemas filosóficos e os conflitos sociais gerados por elas. Isso para não falar dos conflitos internos em cada uma dessas visões. Não se pode falar em teísmo, panteísmo e ateísmo, mas só se pode discutir no plural: teísmos, panteísmos e ateísmos. A pluralidade de visões de mundo é uma das características mais importantes do mundo atual. Não há um paradigma, mas uma variedade deles. Dito de outra maneira, é preciso tomar cuidado para não transformar o diálogo inter-religioso numa nova forma de religião.

Por isso, a maneira como o homem pretende realizar sua vida também está em conflito. O que traz felicidade? Como viver a vida? Qualquer coisa serve? Cada uma dessas visões de mundo fornece um horizonte de significados para o homem, seja moral ou político. Mesmo o niilismo, que não vê significado em nada, é um tipo de resposta — ainda que negativa.

No teísmo, a resposta será dada com base na relação de aproximação e distanciamento de Deus. Há liberdade, mas Deus exige reconhecimento. Deus busca os desgraçados e só em Deus o homem encontra redenção. Para Deus, cada ser humano é um ser singular e único. De qualquer modo, o homem é um ser insuficiente e imperfeito, mas encontra conforto no amor incondicional de Deus por sua criação. Para o teísmo, o humanismo é uma falsa religião, já que “o mais puro ouro é esterco sem Deus”.

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No panteísmo, o homem, mesmo um mero fragmento cósmico, encontra seu destino: a tomada de consciência do próprio cosmo mediante a consciência do homem. Não há liberdade, só o conhecimento profundo de uma ordem necessária. Nessa ordem, o despertar da autoconsciência humana, que coincide com a autoconsciência cósmica, desempenha uma finalidade fundamental. É uma proposta esteticamente tentadora. Como o conhecimento está contido todo em Deus, pois tudo é tão necessário como o próprio Deus, o sofrimento humano não passa de fantasia. A redenção, autodescoberta. Descobrir essa verdade é esvaziar o coração de pretensões tolas e paixões mesquinhas.

No ateísmo tudo é contingente. Homem é liberdade absoluta. Como diz Sartre: “queremos dizer somente que Deus não existe, e que é preciso tirar, até o fim, todas as consequências disso”. No ateísmo, o homem não tem uma natureza pré-condicionada ou determinada. Cada um de nós molda a própria vida como bem entende. O homem pode ser Deus e Nada, porque é o único senhor de sua própria realização. A redenção está toda no homem, e na coragem de saber lidar com essa imagem aterrorizante do nada em si mesmo.