Woody Harrelson e Matthew McConaughey em ‘True Detective’| Foto: Foto: Divulgação
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Com o lançamento da nova temporada de True Detective, aclamada série para TV da HBO, resolvi conversar com meu amigo Dionisius Amendola, que já esteve em outras ocasiões aqui com a gente. Além de um grande amigo, Dionisius faz excelentes comentários sobre arte e cultura no Canal Bunker do Dio, do YouTube e sócio-fundador da Livraria Trabalhar Cansa.

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Não sei se lembra, mas foi você quem me indicou True Detective. Na ocasião, tínhamos apenas a primeira temporada. Hoje, considero uma das minhas séries favoritas. Pensei em você para responder essas perguntas, pelo teu repertório, que transita bem entre literatura, filosofia e a cultura popular. 

Pois é, True Detective é uma dessas séries que parece ter marcado muita gente – ao ponto de as pessoas lembrarem quem recomendou pra quem e onde estavam quando a primeira temporada terminou com aquele clima de assombro e pesadelo, esperança e um tantinho de fé. Pena que, a meu ver, as duas temporadas seguintes não conseguiram manter a tensão narrativa da primeira, não que sejam arcos narrativos ruins, mas falta algo.

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Enfim, a aguardada quarta temporada de True Detective foi lançada. Embora não esteja mais sob o comando de Nic Pizzolatto, mas de Issa López, há boas relações entre a história do Alasca e a primeira temporada, no Louisiana. Como é construída e como você interpreta essa relação das duas temporadas?

Pizzolatto inclusive estava resmungando, em uma dessas redes sociais por aí, sobre alguns desenvolvimentos narrativos dessa nova temporada. Como ainda estamos no terceiro episódio, é um tanto cedo para arriscar se a nova temporada vai elevar novamente a barra qualitativa da série. Até o momento tenho achado realmente excelente esta temporada, e até aqui é a que me parece espelhar melhor o que foi a primeira: a relação conflituosa entre os protagonistas, visões de mundo que entram em conflito, um clima de suspense e horror permanente, ambientação que se passa em um território liminal, onde a realidade parece se retorcer, e por aí vai. Destaque pra mim são as atuações de Jodie Foster (no papel de Liz Danvers) e de Kali Reis (no papel de Evangeline Navarro), as protagonistas desta temporada.

A primeira temporada de 'True Detective' é repleta de referências filosóficas, especialmente o problema do mal e o niilismo. Qual sua leitura desses problemas a partir da tensão vivida entre os dois personagens, Rust Cohle e Marty Hart?

Eis algo interessante e muito rico no universo da série – mesmo nas suas temporadas mais fracas: há sempre elementos existenciais, filosóficos, metafísicos até que sustentam a jornada dos personagens ao longo da história que nos é contada. Nunca é apenas uma “história de detetives”, não é apenas descobrir quem é o vilão, o assassino da trama.

Todas as temporadas mostram que a jornada mais importante para os personagens é a jornada interior, é a “expansão para dentro” da alma

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E a jornada desses personagens é sempre cheia de percalços, conflitos, desavenças, erros, mas está sempre lá, no fim de tudo, o silêncio de Deus, e se você souber ouvir esse silêncio, sentirá uma presença que nos sustenta mesmo nos momentos de maior escuridão. Um ponto interessantíssimo dessa nova temporada é que me parece que a personagem de Kali Reis, a detetive Navarro, é aquela que vai trilhar o caminho mais denso.

Pode comentar sobre as influências literárias presentes na primeira temporada, como as obras de Robert W. Chambers e o conceito do “Rei de Amarelo” e H.P. Lovecraft?

Entramos aqui na seara do “horror cósmico”, tema que está presente na literatura de horror desde suas origens, e que Nic Pizzolatto matreiramente trouxe para a série e assim diferenciar seu universo de outras séries de detetives por aí. Só para relembrar o leitor, na primeira temporada temos os dois detetives perseguindo um assassino serial que matava e torturava mulheres e crianças. Nas investigações, Rust Cohle encontra evidências ligando os assassinatos ao Rei Amarelo, personagem de ficção criado por Robert W. Chambers. O Rei Amarelo é uma dessas entidades cósmicas idolatradas por cultos bizarros e cuja presença enlouquece e perturba as pessoas. Chambers seria uma influência importante na obra de Lovecraft, autor que elevaria a outro patamar nossa ideia do horror.

Fale um pouco do estilo visual e a direção de Cary Joji Fukunaga e como foram decisivos para a atmosfera única da série e a diferença de estilo com Issa López. 

Fukunaga nunca dirigiu nada tão maravilhoso, assombroso e perturbador quanto essa primeira temporada de True Detective! Visualmente e narrativamente a série é um deslumbre, um magistral trabalho de direção e ambientação que consegue expressar toda a ambiguidade de uma trama onde não sabemos o que é real ou alucinação. Muito aí se deve ao trabalho do diretor de fotografia Adam Arkapaw – ele que constrói esse visual tão peculiar da série, e que tem menos a ver com o já batido visual noir tão replicado por aí, as influências de Arkapaw remetem à pintura clássica da Renascença. Me parece que Issa López e seu diretor de fotografia, Florian Hoffmeister, retomam essas influências cinemáticas originais, e parece-me que há muitos elementos de séries como The Horror (que se passa em uma região polar também) e...Solaris, de Tarkovski, onde o sobrenatural se mescla com a realidade.

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Qual você acredita ser o legado da primeira temporada de 'True Detective' para o gênero de séries policiais e de suspense?

Para mim é simples: tramas que não temem trazer à tona questões realmente importantes sobre a natureza humana disfarçadas de tramas policiais. Não que seja algo inovador, visto que há toda uma tradição cinematográfica embutida aí, mas na televisão isso era – e é – algo surpreendente.