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Francisco Razzo

Francisco Razzo

Francisco Razzo é professor de filosofia, autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária", ambos pela editora Record. Mestre em Filosofia pela PUC-SP e Graduado em Filosofia pela Faculdade de São Bento-SP.

Cultura democrática

Um fascista para os inimigos

(Foto: Patricio Hurtado/Pixabay)

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No texto “Contra a militância política”, escrevi a respeito das minhas suspeitas contra toda militância política. Pessoalmente, sempre resisti à ideia de “entrar na política” pela porta da frente, participando de um partido, levantando uma bandeira, defendendo uma agenda ideológica. Claro, pelas coisas que escrevo e defendo, estou mais para um “conservador” do que um progressista. Não sou liberal e muito menos socialista. Sou católico e republicano. Defendo a vida desde a concepção. Sou contra cotas raciais em universidades. Minha noção de liberdade de expressão certamente incomodará os identitários. Por falar em identitários, acredito que as políticas identitárias mais escravizam do que liberam. Enfim, devo ser um fascista para os inimigos. Mas quem não é fascista para os inimigos? Todos os que não são amigos.

Recebi uma série bem interessante de comentários dos meus leitores. Eu gostaria de respondê-los de maneira muito direta. Não responderei a todos, mas os que considero mais relevantes para discussão da minha crítica à militância política.

Antes de responder, gostaria de deixar claro o seguinte: criticar a militância não significa negar a atividade política. Não sou um “politicida”, isto é, alguém que acredita na morte de toda atividade política e, por isso, se abstém de participar da construção e manutenção da comunidade política. Acredito que as formas mais extravagantes de liberalismo – autonomia absoluta do sujeito, hedonismo moral e destruição de toda forma de bem comum em nome do individualismo etc. – podem levar à apatia e, consequentemente, à erosão do espaço público. Como defensor do republicanismo, defendo a manutenção do espaço público como “locus” fundamental da vida política. Sem renunciar aos valores da vida privada. Meu ponto, portanto, é saber separar política de tudo o que não é da política. Não seria o fascista justamente aquele que destrói todos os espaços sociais e íntimos a fim de politizá-los?

Negar e criticar toda forma de militância não implica em negar e criticar toda forma de vida política. Diante do entusiasmo afirmativo do militante, um balde de água fria pode ser uma boa forma de exigir prudência, como virtude cívica

Dito isso, vamos ao primeiro comentário:

Concordo com o seu ponto de vista antimilitante. Minha dúvida é como fazer para me defender de quem não concorda... Ao optar por não militar, mesmo tendo ao meu redor centenas de militantes prontos para a qualquer momento me ferir, não estaria facilitando o caminho desses extremistas? Como reagir sem militar?

Primeiro, negar e criticar toda forma de militância não implica em negar e criticar toda forma de vida política. A opção por “não militar” é, também, uma opção política. Uma opção no sentido de que, diante do entusiasmo afirmativo do militante, um balde de água fria pode ser uma boa forma de exigir prudência, como virtude cívica. Para Aristóteles, prudência se contrapõe à ação desmedida. Logo, trata-se da capacidade de deliberar acerca do que promove a boa vida. Em linhas gerais, a prudência é a virtude prática por excelência, no sentido de fazermos o uso da razão para boas tomadas de decisões. Portanto, contra o entusiasmo militante, prudência. Pois não se trata de reação pela reação, mas de deliberar com sabedoria prática.

O segundo comentário que merece ser destacado:

Não concordo na comparação da militância de esquerda com a direita. Essa coisa de ficar querendo equiparar acaba desviando o foco nas coisas absurdas que a esquerda está querendo enfiar goela abaixo da sociedade brasileira, e enfiou nos regimes que optaram por ela no último século. Me desculpe, mas não dá para fazer esse tipo de comparação.

Militante é militante, seja de direita como de esquerda. O termo da comparação é o proselitismo do militante. Não o conteúdo, mas a forma mental que motiva e significa o agir. A direita tem coisas tão absurdas quanto a esquerda. Se são mais absurdas ou não, isso é irrelevante para a discussão que estou propondo. Minhas reflexões dizem respeito ao problema pré-ideológico, ou seja, tem a ver com a reflexão a respeito do exercício político como um todo. Acreditar que a direita não pode tomar decisões equivocadas só por ser “direita” é um tipo de compromisso que jamais deveríamos ter com a política.

O último comentário que eu selecionei foi este:

Eu até entendo o seu ponto, mas está salpicado de utopia. Eu não aceito colocar na balança a desfiguração da democracia, do direito de propriedade, da liberdade de expressão e de imprensa, a liberdade religiosa...

Meu texto é uma crítica a toda forma de utopia política. No meu livro A imaginação totalitária, apresentei os riscos de uma imaginação utópica para o exercício político. Quando o autor do comentário diz que “não aceita colocar na balança” todos os princípios que regem a democracia, eu respondo o seguinte: tais princípios não são políticos, são a condição para a vida democrática. Quando eu digo que a política democrática é a arte de formar consensos por negociação, não significa que devemos abrir mão de tais princípios, mas de colocá-los como centro da vida social.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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