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Sala de aula.
Imagem ilustrativa.| Foto: Gerson Klaina/Tribuna do Paraná

No debate público, a gente sempre procura um lugar para chamar de “meu”. O autoritarismo identitário nos ensinou que nosso lugar de vítima importa mais, politicamente falando, do que a verdade dos fatos. Chegou a minha vez, portanto. Não que eu me sinta vítima ou algoz. Se eu fosse de fato vítima ou algoz, recorro ao meu sacrossanto direito de sigilo.

Meu “lugar de fala” tem outra natureza: minha experiência profissional. Sou professor de ensino médio desde 1999. Comecei cedo quando, pela primeira vez na vida, pisei no solo sagrado de uma sala de aula para ensinar. Minhas disciplinas sempre foram, vamos dizer, “heterodoxas”. Para não dizer “menos importantes no currículo” –, eu sei, parece que já estou tentando me fazer de vítima.

Ensinei Educação Artística até 2002 em uma escola particular em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. Depois de um período dedicado à faculdade de Filosofia, de 2007 até hoje, trabalho como professor das apaixonantes e quase irrelevantes disciplinas de ciências humanas: Filosofia e Sociologia. Entre 2007 e 2013, fui professor da rede pública no estado de São Paulo. Entre 2009 e 2021, dei aulas para curso pré-vestibular. Hoje, trabalho em um grande colégio particular na cidade de São Paulo. Ou seja: tenho experiência nas duas realidades socioeconômicas do ensino.

O problema do ensino no Brasil não tem a ver com o que se aprende, mas com o propósito de aprender. Muitos alunos vão à escola sem propósito. Como a escola poderia resolver isso?

Como eu disse, o ensino médio é o “meu lugar de fala”. E, como todo “lugar de fala”, limitado à minha experiência. Por isso, o que vou defender aqui é justamente o que a minha experiência vivenciou. Ouso dizer: nada além disso e nada mais do que isso. Claro que tenho algum palpite razoável acerca do que penso ser o melhor para o ensino do país. Entretanto, para fins de argumentação, neste momento, não interessa. Farei uma defesa moderadamente apaixonada do Novo Ensino Médio. Sem, obviamente, me preocupar com os custos econômicos dessa empreitada.

Para isso, peço gentilmente ao leitor que saiba que o país adotou, a partir do governo Temer, uma nova forma de estruturar o ensino médio. Copio e colo do próprio site do MEC:

A Lei nº 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até 2022) e definindo uma nova organização curricular, mais flexível, que contemple uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. 

Na prática, o que mudou? Esse tópico aqui: “a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento”. Essa “oferta” está diretamente relacionada a “uma nova organização curricular, mais flexível”.

Os detalhes aqui dizem tudo. Na minha época de estudante, ou seja, bem antes da proposta do Novo Ensino Médio, o currículo era o que a escola oferecia. Tinha Português (Gramática e Literatura), Matemática, Física, Química, Biologia, Geografia, História, Artes e Educação Física. Tudo estava fixo e pré-determinado. Para vocês terem uma ideia, até as provas que os professores aplicam eram exatamente as mesmas – como a ocasião faz o ladrão, criamos um comércio ilegal de “colas” –, visto que o conteúdo era exatamente o mesmo todos os anos, tintim por tintim.

Há vantagens? Sim, claro. O aluno deve se adequar aos caprichos do professor, do diretor, do MEC... Ele aprendia mais? Sinceramente não sei. Na verdade, não acho que o problema do ensino no Brasil tem a ver com “aprender mais ou deixar de aprender”. Antes, tem a ver com perspectiva existencial, coisa que nenhuma escola deveria ser capaz de satisfazer. Em outras palavras, o problema do ensino no Brasil não tem a ver com o que se aprende, mas com o propósito de aprender. Muitos alunos vão à escola sem propósito. Como a escola poderia resolver isso?

Acredito que o Novo Ensino Médio, por mais problemas que possa gerar em termos de administração escolar, traz uma preocupação relevante com a flexibilização do currículo ofertada segundo os itinerários formativos: dar um pouquinho de significado para o aprendizado. Resolve o problema da perspectiva existencial? De forma alguma. Porém, tem como proposta tornar a escola um pouco menos hostil à realidade dos estudantes.

Semana que vem falarei das vantagens de pensar a grade curricular a partir dos itinerários formativos.

Conteúdo editado por:Deise Campos
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