Com o advento dos movimentos como o Escola Sem Partido, em meados da primeira década dos anos 2000, surgiu uma prática entre alguns ativistas de direita que questionam o processo de doutrinação ideológica de esquerda em sala de aula: filmar a aula e expor o conteúdo nas redes sociais. No início, o proselitismo era uma preocupação para pais de alunos da educação básica. No entanto, a discussão passou a ser direcionada à raiz do problema: a universidade.
Confesso que tenho sentimentos ambíguos em relação a tudo isso. Como professor de Humanas, conheço o perfil ideológico de muitos dos meus colegas. Pessoalmente, por vocação ética e científica, defendo uma abordagem das ciências humanas pautada na neutralidade axiológica, na investigação cuidadosa dos fenômenos sociais e no uso de métodos quantitativos e qualitativos. Não sou neutro, mas reconheço a responsabilidade da vocação de ensinar e fazer ciência.
Há, por outro lado, abordagens da teoria crítica, e não se pode negar o caráter emancipatório inerente a esse tipo de teoria. Teóricos críticos não defendem a neutralidade axiológica, mas a revolução, pois partem do fato de que a sociedade se estrutura entre opressores e oprimidos.
A prática de filmar aulas não surgiu de um mero capricho; trata-se de uma reação da sociedade civil aos excessos cometidos em muitas cátedras da área de Humanas
No entanto, há uma diferença profunda entre teóricos críticos cientificamente comprometidos e o proselitismo ideológico de muitos professores em sala de aula. A prática de filmar aulas não surgiu de um mero capricho; trata-se de uma reação da sociedade civil aos excessos cometidos em muitas cátedras da área de Humanas. É um bom caminho? Tenho minhas dúvidas. De qualquer forma, tem mobilizado um olhar diferente para a universidade.
Embora, a princípio, não haja problemas em usar esse recurso para questionar professores – que, acostumados com sua autoridade de cátedra, geralmente não são questionados –, muitas vezes o objetivo real é só promover o denuncismo de professores ideologicamente comprometidos com uma agenda progressista ou simplesmente buscar engajamento nas redes sociais. Tal prática, no fundo, não visa um questionamento respeitando métodos científicos. Pior do que isso, trata-se de uma espécie de exibição pública que carrega um caráter de vigilância, em detrimento de uma intenção genuinamente científica ou pedagógica.
Esse tipo de ação coloca o professor em uma posição de defesa; promove um ambiente de suspeita e embate, adverso ao diálogo acadêmico. Professores devem, sim, estar preparados para lidar com críticas. O ambiente universitário pressupõe um debate estruturado, que não pode ser substituído por táticas de exposição ou acusação. Contudo, convenhamos que muitos desses professores se submeteram ao próprio prestígio e jamais são questionados por seus alunos. Tornaram-se especialistas em suas próprias crenças e promovem uma agenda ideológica, não a análise cuidadosa de um tema social.
A universidade é o templo da liberdade de pensamento e da reflexão crítica. Cada instituição possui regras e rituais que, ao serem respeitados, garantem o propósito de sua existência. O respeito aos métodos científicos na universidade não é uma mera formalidade; é a condição para que a instituição cumpra sua função social e histórica. Usar a universidade para qualquer outra coisa que não a produção de pesquisa é matar o próprio espírito da universidade. E pesquisa se faz com discussão genuína. Existem formas e estruturas que sustentam o debate e o progresso do conhecimento. Respeitar esses processos não é um ato de submissão bajulador.
Pense na igreja como um templo. O respeito aos rituais litúrgicos é fundamental para a experiência religiosa. O templo religioso é o espaço do sacrifício expiatório, centrado no ato litúrgico. Um militante pode filmar a celebração, mas não pode interromper o sacerdote durante a liturgia. Isso não impede a crítica ou a discussão sobre o que ali é realizado. É preciso reconhecer o lugar e o momento próprios para o debate.
Eu estudei em duas instituições de ensino superior que são confessionais. Hoje, trabalho em outra. Na época, eu era ateu e fui extremamente respeitado por isso. Meus questionamentos eram respondidos com zelo e cuidado. Tive aula com vários sacerdotes e religiosos. Curiosamente, nenhum deles pregava em sala de aula ou tentava impedir minhas perguntas. Não digo que é coincidência, mas a universidade, uma instituição criada em plena Idade Média pela cristandade, é o templo do questionamento.
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