O marxismo se engajou para libertar a classe trabalhadora de um reino de opressão ideológica promovido pela classe burguesa. Depois do banho de sangue e do fracasso das revoluções socialistas, o progressismo revolucionário mudou o eixo de suas preocupações. Há vários vertentes e movimentos. Um deles é o feminismo radical. Nem tudo é meramente feminismo. Liberais como John Stuart Mill defendem a belíssima noção de igualdade de oportunidades e direitos para mulheres, baseado nos princípios do liberalismo clássico.
Em A sujeição das mulheres, livro publicado em 1869, Stuart Mill argumentava que as mulheres, assim como os homens, dispõem das mesmas capacidades intelectuais e morais e, portanto, devem ter a liberdade de desenvolver seus talentos e perseguir seus objetivos individuais. Como liberal progressista, Mill defendia a necessidade de reformas legais e sociais para garantir direitos iguais para as mulheres, incluindo o direito ao voto, acesso à educação e igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Aqui, a igualdade de gênero era essencial para a realização do potencial humano e para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e progressista.
No entanto, em algum momento da história do feminismo, houve uma ruptura com o liberalismo clássico. E há uma feminista que merece ser investigada para a compreensão do que hoje poderíamos chamar de feminismo radical: Shulamith Firestone.
Se a revolução comunista acontecerá mediante o protagonismo da classe trabalhador ao tomar os meios de produção, para Firestone, a libertação das mulheres só será possível quando houver o pleno controle dos meios de reprodução sexual.
Shulamith Firestone, que nasceu em 1945 no Canadá, foi uma teórica feminista, escritora e ativista. Firestone foi co-fundadora do grupo de ativismo feminista conhecido como Redstockings. Em 1970, ela publica sua a principal obra: A Dialética do Sexo: Um Ensaio Sobre a Libertação das Mulheres.
Nesta obra, Firestone analisa como o patriarcado e a divisão de gênero são mantidos pelas estruturas econômicas e sociais da sociedade capitalista, e como a libertação das mulheres requer uma revolução feminista radical que vá além da luta por direitos iguais dentro do sistema existente. Há aqui uma ruptura com o liberalismo e uma clara aproximação das categorias marxistas.
Firestone sustenta que a opressão das mulheres está enraizada nas diferenças biológicas entre os sexos, especialmente na capacidade das mulheres de engravidar e dar à luz. Ela critica a forma como a biologia tem sido usada para justificar a subordinação das mulheres ao longo da história. Se a revolução acontecerá mediante o protagonismo da classe trabalhador ao tomar os meios de produção, para Firestone, a libertação das mulheres só será possível quando houver o pleno controle dos meios de reprodução sexual.
Em tom quase profético, como é tipo dos grandes ideólogos, ela escreve:
“assim como assegurar a eliminação das classes econômicas requer a revolução da classe submetida, mediante uma ditadura temporal e a conquista dos meios de produção, do mesmo modo, para garantir a eliminação das classes submetidas (as mulheres) e o seu controle dos meios de reprodução, é preciso devolver a elas a propriedade do seu próprio corpo, assim como o controle feminino da fertilidade, incluindo a nova tecnologia como todas as instituições sociais relativas ao parto e à educação das crianças. Assim como o objetivo final das revoluções socialistas não era somente a eliminação do privilégio da classe econômica, mas também a eliminação da própria distinção de classe, da mesma maneira o objetivo final da revolução feminista terá de ser, distinguindo-se do primeiro objetivo feminista, não só a eliminação do privilégio masculino, mas também [a eliminação] da própria distinção sexual: as diferenças genitais entre os seres humanos não têm qualquer valor cultural”.
Notem que a luta de classes foi interpretada como luta entre homens e mulheres. Em última instância, Firestone propõe o desenvolvimento de tecnologias reprodutivas, como úteros artificiais, para permitir que as mulheres controlem sua própria reprodução e se libertem do ônus biológico da gravidez e do parto. Ou seja, libertem-se dos homens. Nesse sentido, a estrutura tradicional da família nuclear não passa de uma instituição opressiva que perpetua desigualdade. Logo, a eliminação da família é o ato revolucionário decisivo para a sociedade alcançar a verdadeira liberdade.
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