O Estado moderno tem uma finalidade: garantir a segurança. Delimita um território e protege os seus membros contra ameaças externas e, principalmente, ameaças internas. Ao longo da história moderna, o Estado assumiu muitas funções. Promoveu justiça social, regulou a economia, monitorou a informação, garante saúde, educação, transporte e uma montanha de ações para promover um reino de paz entre os homens. O Estado moderno tem uma narrativa: promover bem-estar. Garantir que todos os cidadãos tenham uma boa vida.
Tudo isso, caro leitor, obviamente, é teoria. A teoria pura do Estado. Por “pura” quero dizer que o Estado cumpre uma função enquanto “ideia”. Ele encarna a obrigação normativa em sua forma institucional. Desculpe o filosofês. Embora o Estado seja uma realidade política historicamente construída, ele tem uma forma ideal legitimada pelo discurso. Ele se encarna em uma Constituição, seu DNA.
Por exemplo, a mais famosa definição do Estado no mundo moderno foi oferecida por Max Weber. Segundo Weber, o Estado se encarna como uma entidade detentora do monopólio da violência legítima dentro de um território. Este monopólio é essencial para a manutenção da ordem e para o exercício da autoridade. O Estado, nesse contexto, é definido por sua capacidade única de criar e aplicar leis, e de usar a força, se necessário, para impor essas leis. Qual outra função teria?
É fácil demonstrar o que acontece quando o Estado entra em colapso. O Rio de Janeiro é a demonstração empírica mais consistente.
Essa ideia do Estado tem raízes históricas lá em Hobbes, que descreve o Estado como uma criação artificial. Ele alega que o Estado é necessário para evitar a anarquia e a violência do estado de natureza, a condição do ser humano onde a vida é “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”. Hobbes batizou o Estado de Leviatã a partir da referência bíblica a uma criatura marinha temível descrita no Livro de Jó. Esse nome simboliza o poder soberano do Estado enquanto instituição política humana. Nada divina. Cujo poder centralizado é necessário para garantir a paz e a segurança mediante o contrato social pelo qual os indivíduos cedem a liberdade em troca de paz e proteção.
Uma das mais interessantes definições do Estado foi apresentada pelo filósofo alemão Hegel. Para ele, o Estado é a realização do espírito ético e representa a racionalidade e a liberdade. Nesse sentido, o Estado é visto como a manifestação do objetivo moral da sociedade e um meio de realização da liberdade individual, dentro de uma ordem racional. Não haveria a possibilidade de sermos livres sem as leis que o Estado encarna. Noutros termos, o Estado não é apenas um aparato administrativo ou coercitivo, mas um organismo ético que incorpora a vontade coletiva e a moralidade. Ou seja, é a culminação de um árduo processo histórico em que a liberdade e a ética alcançam sua expressão máxima.
O que eu quero discutir é o seguinte: o Estado tem uma função. Só uma. Garantir a segurança. Quando ele não o faz, o que acontece? Bom, violência. Durante algum tempo da minha jornada de formação, eu flertei com o anarquismo individualista. Um anarquismo cristianizado, confesso. Eu ainda defendo que só o Reino de Deus salva o homem de sua condição decadente. No entanto, não consigo mais pensar como a vida social é possível sem um reino humano garantido pelo Estado.
É fácil demonstrar o que acontece quando o Estado entra em colapso. O Rio de Janeiro é a demonstração empírica mais consistente.
Por isso, os justiceiros de Copacabana não são a causa do problema do Rio. Pessoalmente, e por tudo o que apresentei aqui, sou contra a ação dos “justiceiros”. Eles são sintomas da ausência do poder do Estado e nascem de um imaginário deformado de heroísmo que combate o crime. É uma coisa precisa ser dita: de repente, parece que o empenho do Estado em combatê-los é desproporcional ao empenho do Estado em combater a ação da bandidagem que domina as cidades do Rio. Assim que as notícias dos “justiceiros” circularam na imprensa, o Ministério Público foi enérgico para conter tais ações. Curioso, porque eles nunca demonstraram o mesmo empenho para combater a ação dos ladrões. Se tivessem, não haveria necessidade de ação dos justiceiros.
Mas o mais impressionante de tudo isso foi o ministro dos Direitos Humanos fazer pronunciamento em rede nacional. A anomia social foi instalada pela inanição do Estado brasileiro e o ministro foi falar de “empatia” e “cuidado”. Claro que tudo isso não passa de retórica e narrativa ideológica para calar os críticos do atual governo. Afinal, quem criticará um político que fala de empatia e amor? Ora, aquele que criticar o governo agirá contra a empatia. O discurso do ministro é às mentes cativas. É cativeiro ideológico. O resto não passa de extremistas. Esse é um governo que se apropria do aparato do Estado e age não como uma instituição de poder político, mas como uma máquina de propaganda. Não se trata de garantir a cidadania e a justiça, mas a submissão e o servilismo.
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