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O livro A Bíblia e a prática homossexual: textos e hermenêutica, publicado em 2021 por Edições Vida Nova, se tornou obra de referência na área – talvez o livro acadêmico recente mais importante sobre o tema. Foi escrito por Robert A. J. Gagnon, que recebeu seu Ph.D. pelo Seminário Teológico de Princeton e, depois de lecionar por duas décadas no Seminário Teológico de Pittsburgh, atualmente é professor na Universidade Batista de Houston. Ele foi coeditor da Horizons in Biblical Theology e publicou no Journal of Biblical Literature, na Novum Testamentum, e no Catholic Biblical Quarterly. Nesse livro, publicado originalmente em 2001 nos Estados Unidos, o autor trabalha com base nas culturas do mundo antigo e na exegese dos textos bíblicos do Antigo e Novo Testamento para mostrar que tanto a ética bíblica quanto das culturas antigas que orbitaram em torno do mundo bíblico condenam a prática homossexual.
Segundo dados compilados em 2019, num levantamento inédito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 94,8% dos entrevistados se afirmaram heterossexuais. Outros 1,2% disseram ser homossexuais e 0,7% bissexuais. Já 1,1% não sabia responder e 0,1% mencionou outra orientação sexual, como assexual ou pansexual. Além disso, 2,3% não quiseram identificar por qual gênero ou sexo se sentiam atraídas. E a fatia da população que se identifica como homossexual ou bissexual também é maior conforme o aumento da escolaridade e da renda. No período analisado, o Brasil tinha 159,2 milhões de cidadãos maiores de idade. Diante desses números, a obra indicada se torna ainda mais relevante para os cristãos brasileiros.
O testemunho do Antigo Testamento
Dividida em cinco partes, a obra começa analisando como as diversas sociedades e culturas no período do Antigo Testamento entendiam a questão homossexual. Sua análise cobre a Mesopotâmia, o Egito e o império hitita. Gagnon chega à conclusão de que o intercurso homossexual acontecia em algumas situações, das quais se destacam: em primeiro lugar, tendo por objetivo a dominação, ou seja, o homem tinha o papel ativo na relação, e geralmente o fazia como símbolo de humilhação e subjugação do outro; em segundo, em relações homoeróticas no contexto do serviço dos prostitutos cultuais, que aconteciam como forma de adoração aos deuses pagãos.
Outro ponto destacado pelo autor é o fato de as leis mesoassírias considerarem que um homem se deitar com outro homem era um ato intrinsecamente degradante para aquele que era penetrado. Nesse sentido, ele mostra que o estupro homossexual tinha como penalidade a castração, ou seja, eles enxergavam o intercurso homossexual de forma tão degradante que aquele que cometeu o estupro era castrado como punição. Por outro lado, seria possível que tais leis permitissem o estupro homossexual de um homem de condição social inferior ou de um homem que não pertencesse ao clã ou à aldeia do estuprador, o que faz com que a penalidade aplicada ao estupro homossexual se destinasse somente aos casos em que o estuprado fosse do mesmo clã ou aldeia, ou fosse de uma posição social igual à do estuprador. Tudo isso demonstrava que as relações homossexuais não eram tidas como normais, ou como uma das maneiras de expressar sexualidade – muito pelo contrário.
Quando Deus diz que “não é bom que o homem esteja só”, Ele não soluciona a questão considerando os animais adequados para o papel, nem criando outro homem, uma réplica do primeiro, mas criando um ser complementar de uma parte do próprio corpo de Adão
Além da questão contextual e cultural, Gagnon passa a analisar o texto bíblico do Antigo Testamento. Uma das primeiras passagens bíblicas abordadas é a história de Sodoma e Gomorra, registrada em Gênesis 19,4-11. Ele demonstra que uma das características da pecaminosidade de Sodoma e Gomorra era a prática homossexual, evidenciada no desejo dos homens daquela região de abusarem dos visitantes na casa de Ló. O autor desmonta o argumento de que o pecado que levou à destruição das cidades foi o fato de deixarem de proporcionar justiça social ou falta de hospitalidade, mostrando que vários textos, tanto pseudepígrafos quanto Judas 7 e 2Pedro 2,6-10, ligam o pecado de Sodoma a desejos ávidos de imoralidade sexual. Além de Sodoma e Gomorra, o autor também analisa as passagens de Gênesis 9,20-27, Juízes 19,22-25, Levítico 18,22 e 20,13.
O cerne da análise dos textos do Antigo Testamento está no trecho em que o autor esmiuça o texto de Gênesis 1–3, que fala da criação, mostrando que Deus cria homem e mulher como seres complementares. Segundo ele, quando Deus diz que “não é bom que o homem esteja só”, Ele não soluciona a questão considerando os animais adequados para o papel, nem criando outro homem, uma réplica do primeiro, mas criando um ser complementar de uma parte do próprio corpo de Adão. E ele afirma: “Somente um ser feito a partir do homem deve se tornar alguém com quem o homem anseia se unir em intercurso sexual e casamento, uma união que não somente proporciona companheirismo, mas restaura o homem a sua totalidade original”.
O intercurso homossexual como prática “contrária à natureza” no judaísmo primitivo
A segunda parte é uma introdução histórico-cultural para a análise dos textos do Novo Testamento. Aqui o autor se detém no judaísmo e na cultura greco-romana, cobrindo o período entre 200 a.C. e 200 d.C. As obras mais relevantes do período, que o autor analisa, são as de Filo e Josefo. Filo foi um filósofo judeu de Alexandria, no Egito, que viveu entre cerca de 10 a.C. e 45 d.C.; Josefo foi um sacerdote judeu, general e historiador, que viveu entre cerca de 37 e 100 d.C. De acordo com esses escritos, o judaísmo primitivo foi unânime em sua rejeição da conduta homossexual. Não se tem conhecimento de nenhuma voz dissonante.
Gagnon aponta que os judeus, à semelhança dos críticos gregos e romanos do intercurso homossexual, rejeitavam a conduta homossexual com base no fato de que era “contrária à natureza”. Além do fato óbvio e central de que a lei proibia o intercurso homossexual, havia quatro motivos pelos quais somente o intercurso entre homem e mulher era considerado “de acordo com a natureza” ou “natural”: Em primeiro lugar, o intercurso homossexual é incapaz de levar à procriação; em segundo, o intercurso homossexual, ao unir dois seres sexuais não complementares, representaria uma afronta à identidade sexual que Deus deu a homens e mulheres; em terceiro, o desejo homoerótico constituiria um excesso da paixão; e em quarto, o intercurso homossexual não seria praticado nem mesmo por animais. Expandindo o conceito citado no segundo motivo, sobre a descomplementaridade de gênero, o autor afirma: “Na prática, o homem penetrado voluntariamente está se queixando da natureza por não lhe ter proporcionado uma vagina. Na cultura imperial helenística e romana, ‘o parceiro passivo’ em um relacionamento homoerótico, seja por sua própria iniciativa, seja por incentivo ou coação do ‘parceiro ativo’, levava o processo de feminização um passo adiante, fazendo tranças no cabelo, enfeitando-o ou deixando-o crescer, maquiando-se e perfumando-se, adotando maneirismos femininos, usando roupas femininas, arrancando pelos faciais e do corpo ou (em casos extremos) submetendo-se à castração”.
O testemunho de Jesus
Na terceira parte, o autor analisa o argumento de que, pelo fato de Jesus não ter feito nenhum comentário em relação à prática homossexual, haveria aí um indício de que ele aprovava tais relações. E alguns reforçam esse argumento com base na ênfase que Jesus dava ao amor, concluindo que Cristo não teria criticado expressões responsáveis e amorosas da conduta homossexual.
O autor mostra que, ao contrário de tal argumento, o silêncio de Jesus sobre o assunto, unido com outros fatores, faz com que a oposição de Jesus ao intercurso homossexual seja historicamente admissível. Gagnon segue argumentando que Jesus não fez nenhum comentário direto ou explícito sobre o intercurso homossexual, como também não fez comentário direto sobre muitos outros assuntos importantes. Mas, em sentido mais amplo, Jesus não se calou sobre o intercurso homossexual, uma vez que os dados inferenciais falam alto e com clareza sobre a perspectiva de Jesus. Algumas constatações deixam isso claro: em primeiro lugar, levando-se em conta o contexto do judaísmo do primeiro século, é muito improvável que Jesus tivesse adotado uma posição diferente quanto ao intercurso homossexual, ainda mais levando em conta a consideração que Jesus tinha pela lei mosaica; em segundo, Jesus apelou a Gênesis 1,27 e 2,24 acerca do divórcio, e isso confirma sua aceitação de um modelo exclusivamente heterossexual de relacionamento; em terceiro, as posições de Jesus sobre outras questões relacionadas à ética sexual eram em geral mais – e não menos – rigorosas que as da cultura ao seu redor; em quarto, as formas como Jesus integrou a seu ensino e ministério as exigências de misericórdia e conduta justa não dão respaldo à ideia de que ele talvez tivesse adotado uma abordagem positiva ou neutra em relação ao intercurso homossexual.
A ideia de que Jesus era ou poderia ter sido neutro na questão da conduta homossexual, ou que poderia até mesmo ter aprovado essa conduta, é história revisionista da pior espécie, de acordo com Gagnon
O autor conclui afirmando que “não há nenhuma boa evidência de que Jesus tivesse permitido que os seguidores cometessem adultério, se divorciassem e voltassem a se casar, se prostituíssem, tivessem relações sexuais com animais ou com membros do mesmo sexo [...]. As evidências de que dispomos sugerem firmemente que Jesus acreditava que as pessoas que não se arrependessem de imoralidade sexual [...] não teriam um lugar no reino vindouro de Deus”. A ideia de que Jesus era ou poderia ter sido neutro na questão da conduta homossexual, ou que poderia até mesmo ter aprovado essa conduta, é história revisionista da pior espécie, de acordo com Gagnon.
O testemunho de Paulo
A quarta parte é a seção mais técnica de todo o livro. Aqui o autor faz uma extensa exegese dos textos de Romanos 1,18.24-27; 2,1-3.20; 1Coríntios 6,9; 1Timóteo 1,10, considerando com atenção e erudição os termos gregos malakoi, arsenokoitai e arsenokoitais.
Segundo Gagnon, no contexto de 1Coríntios 6,9-10, malakoi, que significa “os macios”, pode ser traduzido como “machos afeminados que desempenham o papel sexual de fêmeas”. E arsenokoitai, que significa “os que põem machos na cama”, pode ser traduzido como “machos que levam outros machos para a cama”. Esses textos são de suma importância, pois Paulo coloca essas falhas morais em uma lista de ofensas que levam à exclusão do reino de Deus. Sobre o texto de Romanos 1,27, o autor afirma que, quando Paulo fala do intercurso sexual de homens com homens, é evidente que ele tem arsenokoitai em mente: “No entendimento de Paulo, o ‘desonrarem o seu corpo entre si’ mencionado em 1,24 ocorria sempre que uma mulher tinha intercurso sexual com outra mulher e não com um homem, e sempre que um homem tinha intercurso sexual com outro homem e não com uma mulher. Homens trocaram o ‘uso natural’, em que pessoas do sexo oposto são parceiros complementares apropriados no intercurso sexual, por um ‘uso antinatural’ em que pessoas do mesmo sexo são parceiros sexuais”.
O autor conclui mostrando que, em 1Coríntios 6,9, o termo malakoi tem mais em vista homens que buscam ativamente transformar sua masculinidade em feminilidade a fim de se tornarem mais atraentes como parceiros sexuais receptivos ou passivos de homens; arsenokoitai tem mais em vista homens que servem de parceiros sexuais ativos dos malakoi. As listas de falhas morais apresentadas nos textos citados mostram que, na opinião de Paulo, as pessoas que não desistem de participar de intercurso homossexual estão entre aqueles que serão excluídos do reino vindouro de Deus.
A relevância hermenêutica do testemunho bíblico
Uma vez que o autor já deixou claro que as Escrituras condenam veementemente a prática homossexual, na quinta e última parte ele passa à aplicabilidade dos conceitos bíblicos sobre o intercurso homossexual atualmente, e derruba diversos argumentos utilizados hoje em dia para invalidar o testemunho bíblico a esse respeito. Desbancando os principais argumentos, ele defende que as Escrituras não rejeitam o intercurso homossexual pelo fato de haver no mundo antigo relações abusadoras, como alguns tentam argumentar. As Escrituras tampouco rejeitam a prática pelo fato de, no mundo antigo, a homossexualidade estar relacionada à idolatria, ou por alguma necessidade de afirmar o domínio dos homens sobre as mulheres. Em vez disso, as Escrituras rejeitam o comportamento homossexual porque, dentre outros, é uma violação da ordem de Deus, estabelecida no contexto da Criação, para que homens e mulheres existam diferenciados por gênero.
O autor resume em quatro as razões pelas quais “aqueles que se envolvem em intercurso homossexual agem de modo contrário às intenções de Deus para as relações sexuais humanas”. Essas razões são: “1. O intercurso homossexual é veemente e inequivocamente rejeitado pela revelação das Escrituras. [...]; 2. O intercurso homossexual representa uma supressão das evidências visíveis na natureza em relação à complementaridade anatômica e procriadora do homem e da mulher. [...] 3. O endosso social do comportamento homossexual só acelerará os muitos efeitos sociais negativos decorrentes desse comportamento, pelo fato de, em primeiro lugar, solapar os esforços para impedir aqueles já envolvidos em intercurso homossexual de continuar com esse comportamento e, em segundo lugar, aumentar substancialmente o número de pessoas que tanto participam de intercurso homossexual quanto se consideram homossexuais, bissexuais ou transgêneros; [...]. 4. O relacionamento dos próprios homossexuais praticantes com o Criador será posto em risco”.
Gagnon prestou um grande serviço à igreja cristã ao escrever este livro, escrito de forma clara e fluida, e com insights que são importantíssimos para a compreensão da homossexualidade a partir de uma cosmovisão bíblica
Oferecendo conselhos para a igreja, Gagnon afirma que homossexuais praticantes e assumidos devem ser tratados como quaisquer outras pessoas envolvidas em atos persistentes e impenitentes de comportamento sexual imoral. E devem receber acolhimento por parte da igreja: “A igreja precisa lutar lado a lado com eles [...] Eles também devem ser chamados para um padrão mais elevado de comportamento [...] No entanto, aquilo com que a igreja precisa se preocupar é o fato de permitir que membros tenham liberdade de envolver-se em comportamento terrivelmente imoral, recusando-se a se arrepender e substituindo os padrões morais de comportamento apresentados nas Escrituras pelos seus próprios padrões”.
A relevância da obra
Alguns dos mais importantes eruditos cristãos da área bíblica endossam essa obra. Alguns exemplos podem ser citados. Brevard S. Childs, que foi professor de Teologia (Bíblia Hebraica) na Yale Divinity School, nos Estados Unidos, afirma: “Gagnon oferece um exame bem fundamentado, criterioso e abrangente do testemunho bíblico. Seu livro é justo e compassivo e deve ser considerado uma fonte importante para quem deseja levar a sério o testemunho das Escrituras”. Max L. Stackhouse, que foi professor de Ética Cristã no Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos, diz: “Não tenho conhecimento de nenhum estudo equivalente sobre os textos e debates interpretativos em torno do comportamento homossexual. A abordagem do assunto por Gagnon capta a complexidade do debate e o faz com muita compaixão. Embora a obra não tenha tom polêmico, também fica claro que algumas autoridades reconhecidas sobre o assunto e amplamente citadas, bem como defensores contemporâneos da liberação sexual nessa área, têm interpretado equivocadamente informações históricas e textuais e usado de maneira equivocada dados científicos contemporâneos, argumentos clássicos e evidências pastorais”. C. E. B. Cranfield, que foi professor de Teologia (Novo Testamento) na Universidade de Durham, na Inglaterra, acrescenta: “O livro de Gagnon é uma contribuição extremamente valiosa para o debate atual e merece ser lido amplamente. A exegese bíblica distingue-se pela erudição rigorosa, ao passo que a análise de como os textos bíblicos falam à igreja contemporânea e à sociedade secular caracteriza-se por uma avaliação equilibrada e sóbria e por uma atitude compreensiva com a situação presente. Recomendo esse livro de todo o coração”.
Gagnon fornece uma defesa exaustiva da proibição bíblica do sexo homossexual. Seu estudo dos textos do Antigo Testamento e do Novo Testamento destrói as várias tentativas de silenciar as advertências das Escrituras contra o sexo homossexual. Ele também rejeita as tentativas populares de justificar o sexo homossexual pelas igrejas a partir do fato de muitas delas tolerarem o divórcio. Ele mostra claramente que o sexo homossexual nunca é permitido na Bíblia, sob nenhuma circunstância, mas o divórcio é permitido em algumas circunstâncias. Além disso, o autor mostra as consequências para a saúde das pessoas e da sociedade, especialmente para os homens homossexuais: depressão, Aids e pensamentos suicidas são os riscos associados aos homossexuais. Ainda que originalmente escrito em 2001, o autor foi presciente em relação à normalização do transgenerismo. Ele também antecipou a rotulação daqueles que assumem uma oposição moral às relações homossexuais como intolerantes – que seriam semelhantes a racistas – e as ameaças à carreira e mesmo à integridade daqueles que se opõem à agenda homossexual. Em síntese, Gagnon prestou um grande serviço à igreja cristã ao escrever este livro, escrito de forma clara e fluida, e com insights que são importantíssimos para a compreensão da homossexualidade a partir de uma cosmovisão bíblica. Assim, esta obra, que pode ser considerada o melhor livro cristão sobre o tema, é altamente recomendada não apenas para os clérigos, mas para todos os cristãos católicos, protestantes e pentecostais.
(Esta resenha foi escrita com a ajuda de Willy Robert Henriques, que é graduado em Teologia pelo Seminário Martin Bucer, mestrando em Divindade pelo Seminário Martin Bucer, aluno de Relações Internacionais e participante do programa Mastership da Stand With Us Brasil.)
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos