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Na semana passada, causou perplexidade a campanha de cancelamento realizada nas redes sociais por pessoas e patrocinadores, a Fiat e a Gerdau, contra Maurício Souza, até então jogador de vôlei do Minas Tênis Clube, após o atleta expressar sua opinião sobre o uso da linguagem neutra em novelas; sobre a transformação de um personagem da DC Comics, o filho do Super-Homem, em bissexual; bem como sua discordância com a atuação de um jogador transexual em uma equipe feminina de basquete dos Estados Unidos. Maurício teve seu contrato rescindido pelo Minas Tênis Clube, e está sem time. Casagrande e Felipe Andreoli, na SporTV e no Globo Esporte, chamaram o jogador de vôlei de “homofóbico”, “preconceituoso”, “mau-caráter” e “covarde”. De acordo com o advogado do atleta, a TV Globo e seus dois funcionários devem ser processados por danos morais, calúnia, injúria e difamação.
Como o Instituto Brasileiro de Direito e Religião manifestou em nota, “é extremamente preocupante o crescente cerco em desfavor das liberdades de expressão e religiosa, sobretudo em situações que envolvem questões ideológicas de gênero”. Os cristãos são chamados a lembrar seu compromisso com a Sagrada Escritura, o “único testemunho de revelação real e competente de Deus”, como escreveu Karl Barth, e com o ensino revelado nela no campo ético.
O testemunho luterano
Em julho desse ano, publiquei o documento presbiteriano de 1994 intitulado “Uma declaração de fé e vida”, que oferece o ensino bíblico sobre a ética sexual, testemunhando como a Escritura veda relacionamentos sexuais fora do casamento, bem como proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo.
Neste momento em que acabamos de celebrar os 504 anos da Reforma Protestante, compartilho o “Documento de estudo sobre Relações Homoafetivas”, disponibilizado pela Comissão de Teologia e Relações Eclesiais, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). A IELB é fruto do trabalho missionário da Igreja Luterana – Sínodo de Missouri, a segunda maior denominação luterana dos Estados Unidos. Em 2016 esta denominação contava com pouco mais de 2 milhões de membros batizados nos Estados Unidos. A IELB computava no Brasil 245.631 membros batizados em 2018.
A Escritura veda relacionamentos sexuais fora do casamento, bem como proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo
Este documento, publicado em 2 de novembro de 2016, condena qualquer tipo de discriminação contra os homossexuais. Mas, seguindo as Escrituras, se opõe vigorosamente à aceitação de qualquer relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, não aceitando a união homoafetiva como casamento válido perante Deus, por se opor aos ensinos da Escritura. Assim, a IELB se alinha à posição de todas as igrejas do Concílio Luterano Internacional (ILC), que representa aproximadamente 7,15 milhões de membros.
Questões introdutórias
O documento da IELB tem cinco partes e uma conclusão, as considerações finais. Na primeira parte, “conceitos”, busca deixar claro o que se quer dizer por “homoafetividade”, que “engloba indivíduos que se sentem atraídas por pessoas do mesmo sexo. A criação do termo passou a ser utilizada na versão do ‘politicamente correto’ a todos os relacionamentos homossexuais com o objetivo de evitar o sentido pejorativo, com caráter discriminatório, imposto pela terminologia corrente”. Na segunda parte, aborda os fatores e causas das tendências homoafetivas. E, na terceira parte, a situação jurídica gerada por decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. O documento afirma que “é importante que se tenha clareza que a liberdade de opção sexual não pode cercear a liberdade religiosa. Logo, a criminalização da homofobia não pode incluir as manifestações de reprovação à homossexualidade e a negativa de conceder a bênção matrimonial ou celebrar o casamento de acordo com a fundamentação doutrinária da igreja”.
Na quarta parte, o documento trata do conceito de matrimônio, destacando que o “papa Francisco manifestou [...], em coerência com a doutrina oficial da Igreja Católica, a não concordância com o matrimônio religioso de casais do mesmo sexo. Ele reiterou que a família é composta por um homem e uma mulher, e esse foi o propósito de Deus na criação”. E afirma que, “conforme a Carta da IELB sobre a união de pessoas do mesmo sexo, publicada no dia 1.º de julho de 2015, a IELB continua defendendo e praticando o matrimônio entre um homem e uma mulher.
A manifestação da IELB coincide com a posição oficial do Sínodo Missouri, que “ratifica o matrimônio como instituição divina e, como tal, está submetido a requisitos divinos vigentes até o fim dos tempos, independentemente dos costumes, das leis e dos rituais eclesiásticos. Quando Deus o instituiu e o considerou bom, isto significa que o destinou para o bem da humanidade”. E continua: “Faz-se necessário enfatizar que o casamento, como instituição divina, não depende de requisitos legais e nem de rituais eclesiásticos [...]. Qualquer outra forma de explicitá-lo significaria abandonar os preceitos bíblicos e submetê-lo meramente a um ritual social”. E, “embora ordenado por Deus, nada impede que seja contraído legitimamente na forma civil e os casais manifestarem seu voto público de adoração”. E conclui lembrando que “a Bíblia veda relações sexuais fora do casamento e, como tal, devem ser condenadas pela igreja [...], mesmo sendo práticas comuns na sociedade. Logo, quando não há um compromisso de compartilhar a vida em matrimônio de forma definitiva, as relações sexuais são contrárias à vontade de Deus”.
Passo agora a citar, praticamente na íntegra, a parte principal do documento da IELB, nas seções “o que diz a Bíblia” e “considerações finais”, que são extremamente relevantes para a consideração de todos os cristãos, por sua fidelidade ao ensino das Escrituras Sagradas.
O que diz a Bíblia
“Se os cristãos e, particularmente, nós, luteranos, pautamos nosso comportamento moral nos ensinamentos da Escritura Sagrada, e ela mantém o seu conteúdo, nosso parâmetro de avaliação e julgamento manter-se-á fiel ao texto bíblico. Não será uma mudança de valores (ou a eliminação deles) que modificará o ponto de vista no qual acreditamos, de acordo com o que ensina o Livro Sagrado.
Na carta da IELB de 1.º de julho de 2015, ela manifesta sua contrariedade à homofobia, à heterofobia e a todo tipo de preconceito. Porém, defende e pratica o matrimônio entre um homem e uma mulher, conforme nos diz Gênesis 2,24: ‘Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne’. Em Mateus 19,1-9 e Marcos 10,1-12 Jesus mesmo repete e reforça as palavras escritas em Gênesis.
Segue a carta de 2015: A IELB não aprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo [...] porque Deus os fez homem e mulher, e assim os criou para se completarem e realizarem o plano divino da criação. Agir de forma diferente é ir contra a criação perfeita de Deus, é ignorar os desígnios de Deus, é desprezar o seu conhecimento, conforme ele afirma em Romanos 1,18-32: ‘as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro, contrário à natureza; semelhantemente, os homens têm deixado o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sexualidade, cometendo torpeza, homem com homem’. Em 1Coríntios 6,9,10, fala claramente que as pessoas que tais coisas praticam não herdarão o reino de Deus. Por isso, quando perguntados a respeito, apenas respondemos: ‘Não aceitamos o casamento entre pessoas do mesmo sexo porque é contrário à vontade de Deus’.
A IELB condena a homofobia, a heterofobia e todo tipo de preconceito. Porém, defende e pratica o matrimônio entre um homem e uma mulher, conforme nos diz Gênesis 2,24
De acordo com a carta de Paulo a Timóteo (1Tm 4,1-5), a tarefa da igreja continua sendo pregar a Palavra, instar, corrigir, repreender e exortar com base na doutrina, cientes de que o mundo não aceita mais a sã doutrina. Recomenda, também, ser sóbrio, suportar a aflição, manter o trabalho evangelístico e cumprir o compromisso do ministério.
Tendo como referência os ensinamentos bíblicos, não cabe ao cristão condenar a pessoa homossexual, do mesmo modo como não se admite a conduta preconceituosa em relação a ela.
O cristão precisa ter convicções firmes em relação a esses princípios, pois todo o trabalho visando o controle ou a modificação da conduta homossexual pode ter resistência dentro da sociedade, especialmente de algumas organizações profissionais, científicas e de direitos, (...) que veem a homossexualidade como manifestação normal da sexualidade humana. Os ensinamentos bíblicos situam a homoafetividade no contexto de problemas espirituais, morais e de desenvolvimento.
O apóstolo Paulo classifica o homossexualismo como vício (Rm 1,26-32) e, como todo vício, gera dependência, dificulta e prolonga o tratamento. Logo, a mudança desse comportamento dificilmente trará resultados imediatos e depende da intervenção do Espírito Santo, pois a pessoa precisa tomar consciência do pecado e procurar corrigir sua vida, o que significa lutar contra os desejos íntimos. O pastor não pode esperar resultados imediatos nestes casos.
(...) Ser humano é simplesmente existir numa dualidade macho-fêmea. Deus não criou duas classes de seres humanos – homens e mulheres –, mas Deus criou os seres humanos para conviver, e a polaridade masculino-feminino é a forma básica de companheirismo – “homem e mulher os criou” (Gn 1,27). Eles foram criados para realizar-se não por si mesmos, mas em compartilhamento, como uma união harmoniosa daqueles que são diferentes, vendo o homem e a mulher como criaturas com um corpo.
A Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, proíbe categoricamente a homossexualidade (Lv 18,22-24; 20,13; 1Co 6,9-10; 1Tm 1,9-10). Compreende-se que a comunhão desejada por Deus, da qual a polaridade masculino-feminino é um indicativo, não é a fusão de iguais em uma unidade indiferenciada. O modelo de relação compartilhada definida na criação envolve uma dualidade macho-fêmea. Qualquer outra forma de relacionamento sexual abandona a fidelidade de identidade sexual, isto é, ser do sexo masculino ou feminino. E, se um dos objetivos da união sexual é a procriação, temos mais um argumento forte para excluir as uniões homoafetivas das relações agradáveis a Deus. Por mais que se entenda que pode haver afeto genuíno nessas relações, não encontramos justificativas bíblicas para abençoar tais uniões.
O livre arbítrio, neste caso, não inclui a possibilidade ao homem e à mulher escolher o que querem ser. Quando escolhemos esse caminho estamos contrariando a vontade do Criador (Rm 1,26-32). “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (Gn 1,31). A conduta homossexual constitui um dos 21 vícios apontados pelo apóstolo Paulo e que representam, em comum, atos de rebeldia ao Criador.
Quando o apóstolo condena quem pratica tais atos, isto não significa que a igreja não deva ajudar as pessoas que procuram vencer as tentações e que, sinceramente, querem agradar a Deus, apesar de sua orientação homossexual, já que não desejam relacionar-se com o sexo oposto. A predisposição para a homossexualidade, como qualquer outro vício, pode ser interpretada como um efeito da queda no pecado. Mesmo que se entenda os fatores que influenciam as tendências homoafetivas, estes não podem ser usados como justificativa para a persistência desse comportamento. Como qualquer pecador, o homossexual responde diante de Deus por seus atos e pensamentos. Cabe à igreja chamar essa pessoa ao arrependimento, ajudá-la a suportar a carga imposta pela sua condição, a confiar na promessa de libertação e a submeter sua vida ao ordenamento estabelecido por Deus na criação.
O cristão deve pautar seu comportamento moral nos ensinamentos bíblicos. O conteúdo da Palavra não pode ser reinterpretado à luz das novas concepções humanas em relação ao comportamento sexual
A Bíblia reitera a vontade de Deus em relação ao casamento em muitos outros textos, seja no Antigo Testamento ou no Novo Testamento: Gn 2,24; Pv 5,18-19; Mt 19,1-9; Mc 10,1-12; Gl 5,19-21; Cl 3,5; 1Co 6,18.
Especial destaque, porém, precisa ser dado ao cuidado pastoral na condução do processo de aconselhamento a pessoas envolvidas em relações homoafetivas. A postura acolhedora deve pautar esse cuidado, conforme o próprio Cristo nos ensina na parábola do filho pródigo. O apóstolo Paulo (1Tm 1,15-16) aponta o caminho a ser trilhado para ser pastor no mundo, enfatiza que a missão de Cristo é salvar os pecadores, e que o cuidado pastoral seja regulado pela longanimidade. É inaceitável qualquer conduta discriminatória em relação ao pecador. Acreditamos que a mudança no comportamento do homossexual não seja obra pessoal, mas é obra do Espírito Santo. A atitude esperada da pessoa envolvida em conduta homoafetiva é a de não resistir a Cristo. Ela também precisa saber que está perdoada. O apóstolo Paulo (Gl 2,16-21) deixa bem claro que todos são aceitos por Deus pela fé em Jesus Cristo e nunca por fazerem o que a Lei manda.
A IELB enfatiza que ‘A nós compete testemunhar e viver o amor de Jesus a todos os seres humanos, seja heterossexual, homossexual, travesti, etc.; todos nós humilhados pelo pecado que nossos pais Adão e Eva nos legaram...e Somente o Evangelho tem o poder transformador de curar os pecados e somente Cristo atende perfeitamente as principais demandas de cada pecador: a remissão dos pecados e a Vida Eterna (Rm 1,16; Jo 3,16)’.”
Considerações finais
“A IELB manifestou abertamente sua posição contrária à homofobia, à heterofobia e a todo tipo de preconceito, mas reconhece o pecado em todos os comportamentos de orientações homoafetivas. E ensina que Deus ama o pecador e o ama de tal maneira que, por causa dele, enviou o seu Filho Jesus Cristo ao mundo, para que, se arrependendo dos pecados e crendo nele, tenha a sua vida restaurada e seja salvo” (Carta de 2015).
“As Escrituras proclamam que todos os pecadores, incluindo os envolvidos em práticas homoafetivas, contrariam a vontade de Deus e, como tais, são merecedores do castigo eterno. O cristão deve pautar seu comportamento moral nos ensinamentos bíblicos. O conteúdo da Palavra não pode ser reinterpretado à luz das novas concepções humanas em relação ao comportamento sexual.
O cristão que reconhece seus pecados encontra consolo na mensagem vivificadora do amor e do perdão oferecido por Deus através do sacrifício de Cristo. ‘Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça’ (1Jo 1,9).
É importante garantir ao homossexual arrependido a graça do perdão em Cristo, bem como a inclusão na Igreja de Cristo
O papel do cristão, no contexto do relacionamento homoafetivo, consiste em advertir o homossexual para o arrependimento e, ao mesmo tempo, trazer o consolo da promessa de perdão e libertação que a Palavra traz. ‘Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais’ (Jo 8,11).
A família do homossexual também precisa de apoio e orientação em relação aos desafios impostos pela aplicação da Lei e do Evangelho. A intervenção amorosa exige do cristão convicção nos ensinamentos bíblicos, paciência, compaixão e constância na tarefa de apoiar a luta contra esse comportamento. É importante garantir ao homossexual arrependido a graça do perdão em Cristo, bem como a inclusão na Igreja de Cristo.
Somente a ação do Espírito Santo, mediante a pregação da igreja, poderá amparar o homossexual na sua luta para subjugar o desejo homossexual. O uso regular dos meios da graça será o refrigério dos que se arrependem e buscam o fortalecimento de sua fé e perdão de seus pecados.
Cabe à igreja resistir à idolatria sexual e proclamar a mensagem redentora de Cristo a todos as pessoas que agem de forma contrária à vontade de Deus
Destaque especial deve ser dado ao cuidado pastoral na condução do processo de aconselhamento de pessoas envolvidas em relações homoafetivas. Este precisa ser pautado na longanimidade, ser despido de qualquer atitude discriminatória em relação ao pecador e apontar para o perdão conquistado por Cristo.
Num momento em que a sociedade inclui as relações homoafetivas no conjunto de comportamentos aprovados socialmente, cabe à igreja resistir à idolatria sexual e proclamar a mensagem redentora de Cristo a todos as pessoas que agem de forma contrária à vontade de Deus.”
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos