Os ditadores da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, durante cúpula dos Brics em Kazan.| Foto: Maxim Shemetov/Pool/EFE/EPA/Reuters
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Os cristãos enxergam os eventos e movimentos globais através de uma visão de mundo ancorada em valores absolutos. A fé cristã confessa que o Deus uno e trino, criador e redentor, revela a Si mesmo na Escritura Sagrada. E revela por meio da Escritura princípios morais inegociáveis, tais como a liberdade individual, a dignidade humana, a preservação de certa ordem política e a importância e os limites do Estado. Assim, a partir de tais crenças e valores, é possível explorar os fenômenos políticos do globalismo, do islamismo, do nacionalismo russo e do comunismo chinês, analisando seus impactos sobre a civilização ocidental e a ameaça que representam para seus pilares fundamentais – e, sobretudo, para o rebanho de Cristo Jesus.

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O globalismo

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Do ponto de vista cristão, o globalismo representa uma ameaça à soberania nacional e aos valores tradicionais. O globalismo propõe uma visão de mundo em que as fronteiras nacionais e culturais são vistas como barreiras obsoletas e, portanto, passíveis de serem anuladas em favor de um governo centralizado, muitas vezes regulado por burocratas supranacionais, com influência de grandes organizações e corporações internacionais.

Esse projeto globalista é frequentemente associado a uma agenda progressista, que promove a erosão dos valores religiosos e culturais tradicionais, como a família, a moralidade cristã e a identidade nacional. Ele busca transformar o mundo em uma “aldeia global”, onde uma elite, muitas vezes composta por tecnocratas, decide sobre os rumos econômicos, culturais e até éticos das sociedades. Para os cristãos, esse projeto representa uma forma de totalitarismo suave, pois sufoca a liberdade de expressão, impõe uma nova moralidade secular e dificulta a prática pública de princípios cristãos.

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O islamismo

O islamismo refere-se ao conjunto de ideologias políticas que buscam implementar um governo baseado na lei islâmica (sharia) e na expansão da religião islâmica como um sistema político completo. Embora o Islã seja uma religião e, em sua essência, compartilhe com o cristianismo o conceito de transcendência, o islamismo como movimento político é visto com receio por cristãos ao redor do mundo devido à sua natureza expansionista e intolerante em relação a outras religiões. Seu principal representante hoje seria Ali Khamenei, líder supremo do Irã, parte do “novo eixo do mal”, junto com Rússia e China.

Historicamente, o islamismo busca submeter todas as áreas da vida, desde a política até a cultura, à doutrina islâmica. Para um cristão, a expansão do islamismo representa uma ameaça ao cristianismo e às liberdades que o Ocidente oferece. Em várias nações onde o islamismo predomina, a prática do cristianismo é restringida e até punida. Assim, vê-se o islamismo como uma forma de totalitarismo religioso que tenta se impor pela força e pela pressão cultural, desafiando a liberdade religiosa e os direitos humanos ocidentais.

A democracia ocidental, apesar de suas falhas e fraquezas, ainda é a estrutura política que mais respeita a dignidade humana e a liberdade religiosa

O nacionalismo russo

O nacionalismo russo, sob o governo de Vladimir Putin, é um fenômeno complexo que mistura elementos de imperialismo e totalitarismo, sustentado por uma narrativa que enfatiza o papel messiânico da Rússia como defensora da “moralidade tradicional” e da soberania nacional contra o Ocidente “decadente e globalista”. Putin defende que a Rússia tem uma missão histórica de salvar o mundo de um suposto declínio moral e espiritual, promovido pelo Ocidente liberal.

No entanto, essa retórica esconde uma realidade que, para os cristãos, é preocupante. O nacionalismo russo, em sua prática, utiliza uma combinação de poder militar, repressão interna e controle estatal para silenciar qualquer oposição e consolidar a autoridade czarista de Putin. Esse modelo, embora afirme defender a “tradição”, na verdade se afasta de valores ocidentais importantes como a liberdade de expressão, o pluralismo político e o respeito aos direitos individuais. A Rússia, sob Putin, se tornou um Estado policial, onde a oposição política é suprimida, e a moralidade pública é regulada de acordo com os interesses do governo, não da fé cristã.

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O comunismo chinês

O comunismo chinês, liderado por Xi Jinping, se manifesta como um totalitarismo sofisticado, que usa tecnologia de vigilância, censura digital e repressão ideológica para consolidar o poder do Partido Comunista Chinês (PCC). Para os cristãos, o comunismo chinês é uma ameaça direta não apenas à liberdade individual, mas também à própria prática da fé. Sob o regime comunista, cristãos chineses são perseguidos, igrejas são destruídas, e o ensino da religião cristã é controlado pelo governo.

Diferente de outros regimes totalitários, o comunismo chinês não busca apenas o poder político, mas também o controle social absoluto. Ele usa uma combinação de propaganda, reeducação e repressão para moldar a sociedade de acordo com a ideologia comunista. Isso está em claro antagonismo aos valores cristãos, uma vez que o cristianismo não é tolerado como uma fé independente na China, mas sim controlado pelo Estado.

O mundo multipolar de Putin

A proposta de um mundo multipolar apresentada por Putin, que inclui a China e o Irã como outros dois polos de poder, não visa a criação de uma ordem mais justa ou democrática, mas sim a divisão do mundo em esferas de influência totalitárias. Esse modelo busca enfraquecer a hegemonia ocidental, especialmente americana, para garantir que Rússia, China e Irã possam exercer seu poder sobre áreas estratégicas sem interferência externa.

Para o cristão, a democracia ocidental, apesar de suas falhas e fraquezas, ainda é a estrutura política que mais respeita a dignidade humana e a liberdade religiosa. A proposta multipolar, ao contrário, substitui o ideal de liberdade e democracia por uma rede de regimes totalitários controlados por partidos, oligarquias e ditadores. Ao enfraquecer a influência do Ocidente, Putin, Xi e Khamenei visam a destruição do modelo democrático liberal e a sua substituição por um sistema onde a soberania dos povos é subordinada aos interesses dos grandes Estados totalitários.

Portanto, o mundo multipolar deve ser visto pelos cristãos como uma ameaça direta ao ideal ocidental de liberdade individual e aos direitos humanos. Sob esse sistema, nações menores perderiam sua autonomia e poderiam ser forçadas a seguir os ditames de Moscou, Pequim ou Teerã, assim como hoje ocorre com países da Europa Central e Ásia Central e com os que caem sob a influência chinesa na África. Essa proposta seria a antítese dos valores cristãos e ocidentais, pois desconsidera a liberdade e a dignidade das nações e dos indivíduos.

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O mundo multipolar contra o globalismo

A luta da Rússia, da China e do islamismo contra o globalismo ocidental é uma questão complexa para os cristãos. O globalismo, em sua essência, representa uma ameaça direta à tradição cristã, aos valores ocidentais, à liberdade religiosa e à soberania nacional. No entanto, isso não significa que em um eventual conflito entre o Ocidente globalista e seus adversários totalitários, os cristãos estariam dispostos a “dar sua vida” em prol da agenda globalista – temos um cenário bem diferente daquele dos soldados-cidadãos de Estados Unidos e Reino Unido que serviram na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia. Se os cristãos eventualmente fossem chamados à luta, eles não serviriam para a manutenção do globalismo, mas pela defesa de valores que estão sendo ameaçados por esses novos inimigos externos, como a liberdade, a fé cristã e a dignidade humana.

Em um cenário de confronto, o cristão estaria mais inclinado a defender aquilo que acredita ser justo e moral, e não os interesses de uma elite globalista. No entanto, ele também entenderia que a alternativa oferecida pelo “mundo multipolar” é ainda mais destrutiva para a civilização ocidental e para a liberdade religiosa. O eventual engajamento de cristãos numa luta contra a Rússia, a China e o islamismo, portanto, não se daria em defesa do globalismo, mas pela preservação da ordem ocidental que, mesmo ameaçada internamente pelos globalistas, ainda oferece um ambiente onde a fé e a liberdade podem coexistir.

A ameaça interna do globalismo e o “imperialismo americano”

Para os cristãos, o suposto “imperialismo americano” é uma preocupação menor quando comparado às ameaças reais representadas por Putin, Xi e Khamenei. Embora os Estados Unidos exerçam uma influência global, especialmente por meio de sua cultura e política externa, essa influência é, em grande parte, um reflexo dos valores da democracia liberal, que oferece um certo grau de liberdade, prosperidade, segurança e defesa dos direitos humanos. Mesmo os críticos da política externa americana reconhecem que os Estados Unidos oferecem uma alternativa mais justa e livre em comparação aos regimes totalitários russo, chinês e iraniano, que têm invadido, intimidado e cooptado países na Europa Central, na Ásia e Oriente Médio em sua sanha expansionista. O que está acontecendo nesse momento na Ucrânia, Geórgia, Síria, Líbano, Faixa de Gaza, Iêmen, Filipinas e Taiwan é um sombrio aviso do que pode acontecer em maior escala num futuro próximo.

Sob a bandeira do “progresso”, a esquerda globalista promove uma série de mudanças que enfraquecem as estruturas que sustentam a civilização ocidental

A maior ameaça ao Ocidente, no entanto, não é externa, mas interna: o globalismo totalitário promovido pela esquerda ocidental. Esse movimento não apenas promove a erosão dos valores tradicionais, mas também busca reestruturar a sociedade de acordo com uma nova moralidade, muitas vezes em oposição direta aos ensinamentos cristãos. Sob a bandeira do “progresso”, a esquerda globalista promove uma série de mudanças que enfraquecem as estruturas que sustentam a civilização ocidental – como a família, a religião e o conceito de liberdade individual – e enfraquecem os países ocidentais que seriam as barreiras de contenção naturais ao projeto hegemônico totalitário do “novo eixo do mal”.

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O cristianismo e seus inimigos

Cada um desses grupos – globalistas, comunistas chineses, islamitas e nacionalistas russos – vê os cristãos de maneira distinta, influenciada por sua visão de mundo e interesses.

Os globalistas, que buscam a uniformidade cultural e a promoção de valores progressistas e seculares, frequentemente marginalizam a fé cristã. Muitas vezes, valores tradicionais, especialmente em temas como família e ética sexual, entram em conflito com agendas progressistas. Para os cristãos, isso representa um desafio à liberdade de expressão e da prática religiosa, especialmente em países ocidentais onde o cristianismo tem perdido influência e, por vezes, enfrenta hostilidade e perseguição. Leis e políticas progressistas têm restringido a expressão de crenças cristãs em público, considerando-as “excludentes” ou “intolerantes”.

Os nacionalistas russos, sob a liderança de Putin, veem a Igreja Ortodoxa Russa como parte crucial da identidade russa. A Rússia, historicamente cristã ortodoxa, usa a religião para reforçar o sentimento nacionalista e proteger-se contra influências ocidentais, que geralmente são associadas ao cristianismo protestante. Nesse sentido, os cristãos ortodoxos são valorizados, enquanto outras tradições cristãs, especialmente as denominações protestantes, são identificadas com o Ocidente, vistas com desconfiança e restringidas em sua expressão de fé na esfera pública.

A relação entre a fé cristã e o Partido Comunista Chinês (PCC) é complexa e marcada por tensões. O governo chinês busca controlar as expressões religiosas, incluindo o cristianismo, para assegurar sua autoridade ideológica. Igrejas oficiais devem ser registradas e supervisionadas pelo Estado, que limita práticas e ensinos religiosos que possam desafiar o socialismo. Ao mesmo tempo, igrejas subterrâneas ou “domésticas” operam à margem da sociedade, resistindo à regulamentação estatal e, muitas vezes, enfrentando repressão. Embora a fé cristã cresça na China, os cristãos lidam com restrições e vigilância, resultando em uma coexistência conflituosa entre suas crenças e as políticas do partido.

Os islamitas veem os cristãos como infiéis ou como ameaças à expansão do Islã, principalmente em regiões onde o cristianismo já foi a religião majoritária ou é percebido como um rival político. Por isso, em várias regiões onde o Islã predomina, o cristianismo enfrenta perseguição severa, expulsão e martírios. Na África, por exemplo, militantes muçulmanos assassinaram 16.769 cristãos na Nigéria só entre 2019 e 2023. Na atualidade, os cristãos estão desaparecendo na Nigéria, onde antes representavam mais da metade da população do país. Mas, como bem colocou Raymond Ibrahim, “para a grande mídia e para os políticos [ocidentais], cristãos mortos por muçulmanos não têm a menor importância”.

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Desafios para os cristãos

Diante de um mundo multipolar repleto de riscos, os cristãos e as igrejas precisam fortalecer sua fé e resiliência enquanto se preparam para os desafios globais que ameaçam seus valores, suas liberdades e, em alguns casos, até mesmo sua existência. Ofereço algumas sugestões para os cristãos navegarem com prudência e determinação nesses tempos sombrios e incertos:

A primeira defesa dos cristãos contra um mundo hostil é a profundidade espiritual e o compromisso com a verdade bíblica e a tradição cristã. Igrejas devem investir em discipulado, ensinando as doutrinas fundamentais do cristianismo e reforçando a importância da fé em momentos de adversidade. Em um cenário onde a cultura e a política podem ser hostis, é crucial que os cristãos tenham uma compreensão clara do evangelho e da moral cristã, que os ajudará a resistir à pressão para se conformarem com ideologias que se opõem à fé.

A comunhão entre os cristãos se torna ainda mais essencial diante das ameaças externas. As igrejas devem criar redes de apoio mútuo, onde os cristãos possam compartilhar recursos, conselhos e conforto espiritual. Esse suporte deve se estender para além das fronteiras da igreja local, estabelecendo conexões com igrejas de outras regiões ou países. Em tempos de perseguição ou opressão, uma rede sólida e unida de apoio ajuda a proteger e encorajar aqueles que sofrem, promovendo a solidariedade entre os cristãos.

Em um mundo onde os valores cristãos estão sendo constantemente questionados e marginalizados, é importante que os cristãos estejam preparados para engajar-se intelectualmente. As igrejas e os líderes cristãos devem incentivar seus membros a se informar sobre os problemas contemporâneos, a fim de entenderem as ameaças culturais e políticas que enfrentam. Incentivar o estudo da apologética cristã permite que os cristãos articulem e defendam sua fé de forma clara e convincente, influenciando positivamente a cultura ao seu redor.

A proposta multipolar de Putin, Xi e Khamenei deve ser encarada como um modelo totalitário disfarçado de alternativa “justa” ao Ocidente

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A história da igreja mostra que a perseguição, embora dolorosa, pode fortalecer a fé e a unidade dos cristãos. É prudente que as igrejas ensinem a seus membros sobre a realidade da perseguição, tanto histórica quanto contemporânea, preparando-os espiritualmente e emocionalmente para a possibilidade de perseguição. Isso inclui o fortalecimento da fé pessoal, a oração constante, e a coragem para resistir, sem concessões, a qualquer força que busque enfraquecer ou corromper a prática da fé.

Por fim, em meio a um mundo repleto de incertezas, a oração é a arma mais poderosa que os cristãos possuem. A oração fortalece a confiança e direciona o coração e a mente para Deus, que é o verdadeiro refúgio da fé. A igreja deve estar constantemente em oração pelos cristãos que enfrentam perseguição ao redor do mundo, pelas lideranças cristãs, e pela preservação dos valores cristãos.

A partir desses princípios, os cristãos podem se posicionar com firmeza e fé no mundo atual, sendo sal e luz em um mundo cada vez mais fragmentado e adverso.

“Discernindo os tempos”

Os cristãos precisam ver o cenário global atual como um campo de batalha entre forças que ameaçam a integridade dos valores tradicionais e a liberdade religiosa. O globalismo, o islamismo, o nacionalismo russo e o comunismo chinês são vistos como tentativas de minar a liberdade individual e substituir a ordem ocidental fundada sob bases judaico-cristãs por uma estrutura onde a liberdade e a dignidade humana são desconsideradas e descartadas.

A proposta multipolar de Putin, Xi e Khamenei deve ser encarada como um modelo totalitário disfarçado de alternativa “justa” ao Ocidente. Embora o globalismo ocidental tenha suas graves falhas, ele ainda oferece um espaço onde a liberdade religiosa e os valores cristãos podem subsistir. Portanto, os cristãos precisam compreender que a maior ameaça na atualidade não vem necessariamente apenas dos inimigos externos, mas da influência interna do globalismo totalitário, que está minando a sociedade mais próspera e livre que já existiu.

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Que oremos como Bernardo de Claraval: “Ó Deus, fonte de toda força, ajuda a tua Igreja, protege-a contra aqueles que desejam seu mal e contra as tempestades que a cercam. Fortalece-a com tua sabedoria, ampara-a com tua graça e concede-nos coragem para permanecer fiéis a ti. Que ela seja sempre o refúgio dos que buscam a verdade e a paz. Amém.”

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]