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Sede do STF, em Brasília
Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF) com estátua A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, em primeiro plano.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Marcus Ferreira, graduado e licenciado em História e graduando em Gestão Pública, autor de Uma estátua para Tiradentes (Senso Comum, 2024), compartilha conosco nesta semana suas percepções sobre o I Seminário Internacional “O futuro do Estado brasileiro: o ativismo judicial e o Brasil do século 21”, ocorrido nos dias 23 e 24 de agosto de 2024, na Academia Brasileira de Filosofia, no Rio de Janeiro.

“Foi pro Supremo!”

“A gente vai sair daqui! Vai todo mundo embora! Foi pro Supremo! Estamos livres!” Essas palavras, pronunciadas com alívio e euforia, foram imortalizadas no episódio 5 da série O Mecanismo, da Netflix, transmitida em 2018. Naquela cena, atores que representavam o diretor da fictícia Petrobrasil e doleiros presos pela Operação Lava Jato comemoram o envio de seu processo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Até então, a suprema corte brasileira, uma instituição discreta para a maioria da população, era percebida por muitos como uma espécie de escritório de defesa para poucos privilegiados.

O STF, composto por ministros indicados por políticos e com cargo vitalício, deveria atuar com independência e imparcialidade na proteção da Constituição. Entretanto, fora do campo da ficção, a realidade revelou uma visão diferente. Em 2016, Luiz Inácio Lula da Silva expressou seu descontentamento de forma contundente em um telefonema: “Temos uma suprema corte acovardada, uma Justiça totalmente acovardada, um parlamento totalmente acovardado, principalmente agora quando o PT e o PSDB começaram a acordar e a brigar. Temos um presidente da Câmara f*dido, um presidente do Senado f*dido, não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar. Eu estou assustado com a República de Curitiba,” afirmou Lula, na tentativa de incitar uma reação contra a Lava Jato.

Lula acreditava que a falta de ação de seus indicados e aliados foi responsável por sua prisão e pela subsequente ascensão de um novo presidente no fim daquele ano. Com a mudança no Executivo, pareceu que uma nova dinâmica se instaurava: o STF começou a trabalhar para a soltura de Lula, o que provocou a ira de uma parte significativa da população, além de políticos e jornalistas. Poucos anos depois, com Lula em liberdade e o PT formando uma aliança com dissidentes do PSDB para barrar a reeleição do “estranho no ninho”, começou uma estratégia de silenciamento contra aliados do presidente em exercício para impedir sua reeleição. Essa estratégia incluiu bloqueios ao acesso aos meios de comunicação digital e, em alguns casos, prisões baseadas em processos judiciais controversos, gerando uma nova onda de críticas e descontentamento.

A quem recorrer contra um desmando do STF?

A reação à crescente insatisfação com a postura dos ministros do STF foi lenta e, na maioria dos casos, mal direcionada. A forte crítica à corte culminou em eventos de grande tumulto, como o quebra-quebra de 8 de janeiro de 2023, quando grupos contrários ao STF expressaram seu descontentamento de maneira violenta. Milhares foram presos, em um evento que lembrou em muito os anos terríveis do regime militar.

A situação gerou uma pergunta fundamental: a quem recorrer contra um desmando do STF? O presidente do Senado se recusou a abrir qualquer um dos inúmeros processos de impeachment contra ministros do Judiciário, que seria o único meio institucional de conter o que muitos viam como uma perseguição a pessoas e até a redes sociais, com o objetivo de silenciar a oposição ao Supremo.

Durante esse período conturbado, as vozes mais críticas foram silenciadas de forma eficaz. No entanto, nos últimos meses, a resistência democrática começou a se reorganizar. O enfoque mudou para a busca de meios legais e jurídicos para enfrentar possíveis abusos da suprema corte, sinalizando uma batalha que promete ser travada no campo jurídico.

Críticas ao STF

Nesse contexto, ocorreu o I Seminário Internacional “O futuro do Estado brasileiro: o ativismo judicial em debate”. Este evento representou um marco significativo. Promovido pelo Instituto Arrecife, um think tank dedicado à pesquisa e desenvolvimento de políticas públicas, soluções tecnológicas e projetos socioculturais, com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) – órgão vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro (SECTI-RJ), comandada pelo secretário Anderson Moraes – e do Instituto de Formação de Líderes (IFL), trouxe à tona discussões profundas sobre o impacto do ativismo judicial na sociedade brasileira. Especialistas e participantes analisaram suas implicações para o futuro do Estado brasileiro, buscando soluções e estratégias para assegurar a conformidade de todos com a Constituição e garantir um equilíbrio saudável entre os poderes.

As principais críticas feitas por juristas e leigos aos membros atuais do Supremo se concentram em vários aspectos relacionados à sua atuação, decisões e comportamento. A acusação mais séria é a prática do chamado “ativismo judicial”, ou seja, de tomar decisões que ultrapassam o papel tradicional de interpretação da lei e se envolver em questões políticas e administrativas que deveriam ser responsabilidade dos outros poderes. Isso ocorre quando o STF toma decisões que têm implicações profundas sobre políticas públicas e áreas que tradicionalmente não estariam sob sua jurisdição, como a gestão de políticas sociais e econômicas.

Há também acusações de interferência indevida em outras esferas de governo. Em alguns casos, a suprema corte brasileira é acusada de usurpar funções que tradicionalmente pertencem ao Executivo ou ao Legislativo, supostamente sob pressão de partidos de esquerda minoritários. Isso é visto como um desequilíbrio na separação dos poderes. Exemplos incluem decisões sobre reformas políticas e econômicas, a administração de recursos públicos e a interferência em indicações políticas para cargos. Um exemplo notável é a decisão judicial que bloqueou a nomeação de Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal licenciado e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo Partido Liberal, para o cargo de diretor da Polícia Federal. Essa decisão evidenciou a influência do Judiciário em questões de nomeações políticas e destacou o impacto de tais decisões nas dinâmicas de poder e administração pública no Brasil.

Igualmente sérias e profundamente preocupantes são as críticas que o STF sofre por decisões que são percebidas como contraditórias ou inconsistentes. Isso gera insegurança jurídica e a sensação de que as decisões são influenciadas por fatores políticos ou pessoais. As críticas apontam para decisões que mudam conforme o contexto político ou social, sem uma linha clara de argumentação jurídica.

As suspeitas de politicagem também são percebidas quando alguns ministros do STF são influenciados por interesses políticos e não agem com imparcialidade. Há preocupações sobre a forma como os ministros são indicados e suas possíveis ligações políticas. Sua nomeação pelo presidente da República, obviamente líder de uma corrente de opinião; e a relação entre ministros e partidos políticos, considerada por muitos como promíscua quando estes são alvos de investigações e processos, contribuem para essa crítica.

A suprema corte brasileira é acusada de usurpar funções que tradicionalmente pertencem ao Executivo ou ao Legislativo, supostamente sob pressão de partidos de esquerda minoritários

Grave também é a acusação de que o STF não dá a devida transparência em processos e decisões, bem como pela ausência de um mecanismo claro de prestação de contas. Isso inclui críticas de advogados de defesa e entidades de advogados sobre a dificuldade de acesso a documentos e informações sobre os processos judiciais e as decisões dos ministros, o que impede o amplo direito a defesa e abala as bases do Estado de Direito.

Em alguns desses casos, um outro complicador: o STF é criticado por ser excessivamente rápido em algumas decisões e muito lento em outras, o que pode comprometer a eficácia das suas decisões. A celeridade que é demonstrada contra opositores dos partidos que os indicaram e a lentidão nas decisões contra membros de partidos aliados influenciam o impacto das suas resoluções e afetam a confiança pública na corte. Casos correm por anos até prescrever, enquanto alguns outros são oportunamente julgados rapidamente ou, ainda, requentados para se tornarem “eternos” e desgastarem a imagem dos investigados.

Finalmente, há críticas plausíveis sobre a clara proteção de privilégios dos ministros, como a imunidade e a vitaliciedade dos cargos, vistas como barreiras para responsabilização e reformas. Essas críticas muitas vezes se referem à dificuldade em remover ministros e à falta de mecanismos adequados para lidar com comportamentos percebidos como inadequados.

Essas críticas são cada vez mais levantadas em debates políticos, acadêmicos e nos meios de comunicação, refletindo as tensões e desafios enfrentados pelo STF no contexto político e social de desconfiança na Justiça, que já é bastante complexo no Brasil.

Os temas abordados

A conferência de abertura do I Seminário Internacional, conduzida pelo renomado professor húngaro István Stumpf, marcou o início do seminário com uma reflexão sobre os desafios do Estado de Direito. Stumpf, membro do Conselho Consultivo Estratégico do primeiro-ministro Viktor Orbán e ex-ministro da Corte Superior da Hungria, abordou o tema “Challenges of Rule of Law: Juristocracy, Deep State, Administrative State”, oferecendo uma perspectiva comparativa sobre a influência do ativismo judicial e suas implicações para a governança e o direito.

A programação seguiu com uma série de mesas-redondas que exploraram diferentes facetas do ativismo judicial. A primeira mesa, intitulada “Democracia e Direitos Humanos” e moderada por Fernando Ferreira Jr., reuniu nomes de destaque como Adriano Soares da Costa, Antonio Jorge Pereira Jr., Paulo Fernando da Costa e Carlos André Coutinho Teles. A discussão enfocou a judicialização da política e a constante intervenção do Judiciário em questões políticas, avaliando como essas práticas afetam a democracia e os direitos fundamentais.

No segundo dia, o seminário prosseguiu com a mesa “Segurança Nacional e Justiça Criminal”. Palestrantes como Diego Pessi e Milton Gustavo Vasconcelos, com mediação de Sávio Glória Pontes, discutiram o impacto do ativismo judicial nas ações policiais e na eficácia da segurança pública. As abordagens variaram desde as implicações do laxismo penal até os desafios da jurisprudência no combate ao tráfico de drogas.

A última mesa-redonda, intitulada “Estado, Economia e Governo”, contou com a participação de André Saddy, Daniel Almeida de Oliveira, Glauco Barreira e Jonathan Mariano, sendo moderada por Eduardo Matos de Alencar. Os debatedores analisaram como as decisões judiciais influenciam a economia e as políticas públicas, refletindo sobre o equilíbrio necessário entre os poderes e as possíveis alternativas para mitigar o ativismo judicial.

A celeridade demonstrada contra opositores dos partidos que indicaram os ministros do STF e a lentidão nas decisões contra membros de partidos aliados influenciam o impacto das suas resoluções e afetam a confiança pública na corte

Entre os ilustres participantes estavam figuras como Adriano Soares da Costa, conhecido por suas contribuições no Direito Eleitoral e na teoria da incidência da norma jurídica; Alexandre Marques, com sua análise da religião na obra de Carl Schmitt; e Angela Vidal Gandra da Silva Martins, cuja expertise em Filosofia do Direito e atuação em diversas instituições e governo reflete uma profunda compreensão das questões jurídicas e filosóficas. A presença de especialistas como Roberto Motta e André Saddy, que exploram a intersecção entre direito e inovação, trouxe uma perspectiva moderna e prática para o debate.

Além disso, o evento contou com a participação de figuras políticas e jurídicas proeminentes, como a deputada federal Chris Tonietto e o desembargador Fabio Dutra, cujas experiências e visões enriquecem a discussão sobre o papel do direito na sociedade contemporânea. A presença de acadêmicos e profissionais como Henrique Cunha de Lima e Glauco Barreira também sublinhou a importância do diálogo entre a academia e a prática jurídica.

O seminário destacou a relevância do debate sobre o ativismo judicial e sua influência na estrutura do Estado brasileiro. O evento também se notabilizou como um ponto de convergência para pensadores, acadêmicos e profissionais do direito, refletindo a riqueza e a complexidade do debate jurídico contemporâneo. Com a participação de renomados convidados, ofereceu uma plataforma para discutir temas cruciais e impactantes para a sociedade brasileira e internacional.

Com a presença de especialistas de diversas áreas e uma agenda repleta de temas relevantes, o evento proporcionou um espaço crucial para a discussão de temas fundamentais para o futuro do país. A relevância do tema abordado no seminário para o Brasil é indiscutível. Em um contexto no qual o direito público enfrenta desafios constantes, como a necessidade de maior transparência, a evolução das normas jurídicas e a adaptação às novas demandas sociais e tecnológicas, o evento proporcionou um espaço essencial para a reflexão e o debate. As discussões sobre a interação entre direito e política, a regulação de novas tecnologias e a preservação dos direitos fundamentais foram particularmente pertinentes, dado o cenário atual do país.

Reações ao seminário

O advogado e pastor batista João Alberto da Cunha Filho, delegado da Confederação Nacional das Associações de Pais de Alunos (Confenapais) na Paraíba, afirmou que o seminário “deixa algumas impressões: temos excelentes profissionais, agentes públicos e intelectuais que dominam o tema e conseguem identificar o âmago do problema e as possíveis soluções; há uma falta de interesse do público em geral em pensar sobre esse tema. Talvez pelo grande labirinto de ideias e pelo total e completo aparelhamento estatal com ênfase no avanço do lumpemproletariado, que implica em desestímulo a enfrentar o tema”.

O termo lumpemproletariado, usado por Cunha Filho, foi cunhado por Karl Marx e Friedrich Engels, e refere-se a uma camada da classe trabalhadora que está fora do sistema econômico formal e vive, muitas vezes, em condições precárias. Essa classe inclui indivíduos envolvidos em atividades marginalizadas, como o trabalho informal, o crime ou o vagabundeio, e que não têm um papel produtivo ou estável na economia capitalista. O lumpemproletariado é visto como uma parte da classe trabalhadora que não participa diretamente da luta de classes de uma forma organizada ou estruturada, e muitas vezes é desorganizada e não tem uma consciência política clara. Marx e Engels consideravam essa classe como suscetível a ser manipulada por interesses reacionários e frequentemente vista como uma força que pode ser cooptada para fins não revolucionários.

Dentro desse contexto, a expectativa que persiste é a reação da Igreja, instituição que tem capilaridade para instruir a população; e a reação de pais e mães, que podem instruir as futuras gerações para que defendam a cosmovisão cristã e atuem como defensores da fé e se posicionem de forma firme e constante na certeza de que a Bíblia Sagrada é o melhor referencial teórico para erguer e balizar uma nação. Os preceitos bíblicos continuam sendo o antídoto para as principais mazelas, inclusive as sociais e institucionais.

As expectativas para futuros eventos nesse formato são elevadas. A continuidade dessas discussões, com a inclusão de novas perspectivas e a expansão do diálogo entre diferentes áreas do direito, promete fortalecer ainda mais a base teórica e prática do direito público. O evento foi enriquecido com o lançamento do livro Da crise à restauração, de Luiz Carlos Ramiro Junior, cientista político, ex-presidente da Biblioteca Nacional e assessor especial da SECTI-RJ, e contou com a presença das livrarias Insight e Permanência.

Defender o Estado de Direito é garantir que as normas que sustentam nossa democracia sejam respeitadas e que os direitos e liberdades de todos os cidadãos sejam preservados

Em suma, o Seminário Internacional de Direito Público não apenas trouxe à tona questões de relevância imediata, mas também estabeleceu um marco para futuros encontros e debates. A interação entre os participantes e as diversas abordagens apresentadas prometem influenciar positivamente o desenvolvimento do direito público e sua aplicação no Brasil e além. O Instituto Arrecife gravou o evento e diversas entrevistas, que serão em parte divulgados no podcast Debate Brasil, que será lançado em breve.

Para enfrentar os desafios impostos pelo ativismo do STF e de outros órgãos da Justiça, e encontrar soluções eficazes para combater possíveis inconstitucionalidades, é essencial que juristas de diferentes estados se unam em um diálogo mais próximo e colaborativo. Estabelecer uma rede nacional de debates entre especialistas do direito, com encontros regulares e fóruns de discussão, permitirá a construção de uma estratégia jurídica sólida. Esse esforço colaborativo não só fortalecerá a capacidade de enfrentar decisões controversas do STF, mas também facilitará a elaboração de propostas que garantam o equilíbrio entre os poderes.

A troca de experiências e conhecimentos entre profissionais de diversas regiões ajudará a criar uma abordagem mais eficaz na defesa dos princípios constitucionais. Em um momento crítico para o Estado de Direito e a democracia no Brasil, é importante reconhecer o valor e a nobreza de proteger essas instituições. Defender o Estado de Direito é garantir que as normas que sustentam nossa democracia sejam respeitadas e que os direitos e liberdades de todos os cidadãos sejam preservados. A dedicação à justiça e à imparcialidade é essencial para manter a integridade do sistema legal. A luta pela correta aplicação da lei e pelo respeito aos princípios constitucionais é uma tarefa que reflete a verdadeira essência da democracia brasileira e a dignidade do nosso sistema jurídico.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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