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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR, presidente da Coalizão pelo Evangelho e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Avivamento

O extraordinário culto que não se encerra na Universidade Asbury

Capela da Universidade Asbury em 13 de fevereiro de 2023, sexto dia do "avivamento" que segue em curso no local. (Foto: YouTube)

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Um avivamento está chamando a atenção de cristãos em todo o mundo para a Universidade Asbury, uma escola cristã evangélica em Wilmore, no estado norte-americano do Kentucky. Vídeos de alunos cantando, chorando e orando estão sendo publicados nas redes sociais em tempo real, gerando bastante reação e até debates. O que está acontecendo naquele câmpus e o que os cristãos brasileiros podem aprender com o que está ocorrendo lá – e que já aconteceu no passado em outros tempos e em outros países?

Um culto a Deus surpreendente

Desde quarta-feira passada, 8 de fevereiro, algo extraordinário está acontecendo na Universidade Asbury. Os alunos da universidade precisam frequentar um certo número de cultos na capela, o Auditório Hughes, a cada semestre; ir à capela em algum momento, portanto, é algo rotineiro para os estudantes da universidade. Mas, naquela quarta-feira, algo diferente ocorreu. Após uma oração, o coral começou a cantar o refrão de um hino – e o que veio depois desafia qualquer descrição simplista. Os alunos não conseguiram deixar a capela.

Como Thomas McCall, professor de Teologia no Seminário Teológico Asbury, descreveu na segunda-feira, dia 13, os alunos “foram atingidos pelo que parecia ser uma sensação silenciosa, mas poderosa, de transcendência, e não quiseram ir embora. Eles ficaram e continuaram a adorar. Eles ainda estão lá. Eu ensino Teologia do outro lado da rua [...] e, quando soube do que estava acontecendo, imediatamente decidi ir à capela para ver por mim mesmo. Quando cheguei, vi centenas de alunos cantando baixinho. Eles estavam louvando e orando fervorosamente por si mesmos, por seus vizinhos e por nosso mundo – expressando arrependimento e contrição pelo pecado e intercedendo por cura, integridade, paz e justiça”. Ainda de acordo com ele: “Alguns estavam lendo e recitando as Escrituras. Outros estavam de pé com os braços levantados. Vários estavam agrupados em pequenos grupos orando juntos. Alguns estavam ajoelhados na grade do altar na frente do auditório. Alguns estavam prostrados, enquanto outros conversavam uns com os outros, seus rostos brilhando de alegria. Eles ainda estavam adorando quando saí no fim da tarde e quando voltei à noite. Eles ainda estavam adorando quando cheguei na manhã de quinta-feira [dia 9] – e no meio da manhã centenas estavam enchendo o auditório novamente”.

Em 8 de fevereiro, após uma oração, o coral começou a cantar o refrão de um hino – e o que veio depois desafia qualquer descrição simplista. Os alunos não conseguiram deixar a capela da universidade e estão lá até agora

McCall continua: “Estou vendo vários alunos correndo em direção à capela todos os dias. Na noite de quinta-feira, havia apenas espaço para ficar em pé. [...] A adoração continuou durante todo o dia na sexta-feira [dia 10] e, de fato, durante toda a noite. No sábado [dia 11] de manhã, tive dificuldade em encontrar um assento; à noite, o prédio estava lotado além da capacidade. [...] Alguns alunos e outros permaneceram na capela para orar durante a noite. E, a partir da noite de domingo [dia 12], o ímpeto [para estar na capela] não mostrava sinais de que estaria arrefecendo”.

Estudantes vieram de outros estados do país para participar do que está acontecendo em Asbury – da Universidade de Kentucky, da Universidade de Cumberlands, da Universidade de Purdue, da Universidade Wesleyan de Indiana, da Universidade Cristã de Ohio, da Universidade da Transilvânia, da Universidade Midway, da Universidade Lee, do Georgetown College, da Universidade Nazarena de Mt. Vernon e de muitos outros lugares. E a capela tem espaço para 1,5 mil pessoas!

McCall conclui: “O santo amor do Deus Trino é aparente, e há nele uma doçura inexprimível e uma atração inata. É imediatamente óbvio por que ninguém quer sair [da capela] e por que aqueles que precisam sair querem voltar o mais rápido possível”. Os que estão se reunindo na capela agora compreendem que o “Evangelho não é apenas verdadeiro, mas também luminosamente maravilhoso e misteriosamente belo. Cada vez que saio do auditório da capela, sinto que provei e vi que o Senhor é bom”.

Um quadro branco diante das portas da frente da capela revela o impacto do que já supera as 120 horas de pregação, cânticos, testemunhos e confissão de pecado: ele estava repleto de manifestações de louvor e pedidos de oração, evidenciando como Deus está operando durante esse período na universidade. Num deles está escrito: “orem por minha família na Ucrânia”. Outros escreveram pedindo por “salvação para nossa nação”, “avivamento em Kodak, Tennessee”, “avivamento na Universidade de Betel”, “restauração do casamento e pelos futuros gêmeos”, por um “adolescente sofrendo com vício”, “pela salvação de papai” etc. O capelão do câmpus, Greg Haseloff, disse que os eventos em Asbury fornecem “uma bela experiência de buscar a Deus – é um solo sagrado. Continuará a ser um local de adoração e oração”.

O presidente da Universidade Asbury, Kevin Brown, disse na segunda-feira, 13 de janeiro (quando as reuniões na capela já duravam mais de 120 horas), que “este tem sido um momento extraordinário para nós”. Alexandra Presta, editora do The Asbury Collegian, o jornal estudantil da escola, que tem feito a crônica dos cultos na universidade, escreveu: “Estamos aqui no Auditório Hughes há mais de 100 horas – orando, chorando, adorando e nos unindo – pelo Amor”. E concluiu: “Posso proclamar esse Amor com ousadia porque Deus é Amor”. Howard Snyder, professor aposentado de História e Teologia da Missão no Seminário Teológico Asbury, disse que os avivamentos podem trazer esperança em tempos difíceis: “Avivamentos autênticos devolvem a igreja ao que deveria ser”, disse ele – “o povo de Deus seguindo Jesus fielmente”.

Uma tradição de avivamentos na universidade

A Universidade Asbury é conhecida por sua história de grandes avivamentos. Na verdade, a universidade recebeu o nome de Francis Asbury, um pregador itinerante e bispo, que ajudou a Igreja Metodista a se tornar uma das maiores denominações cristãs dos Estados Unidos, entre o fim do século 18 e o começo do século 19. E já houve várias ocasiões no passado em que movimentos significativos do Espírito Santo ocorreram na universidade e alcançaram todos os Estados Unidos. Em fevereiro de 1905, uma reunião de oração no dormitório masculino se espalhou pelo resto da universidade e pela cidade. Em fevereiro de 1908, o avivamento ocorreu enquanto alguém orava na capela; o avivamento durou duas semanas. Em fevereiro de 1921, um reavivamento redundou em três dias de cultos. Em fevereiro de 1950 o testemunho de um aluno levou a confissões de pecados e mais testemunhos. Isso continuou ininterruptamente por 118 horas. Estima-se que 50 mil pessoas renovaram sua fé no Senhor Jesus como resultado desse avivamento. Em março de 1958, o avivamento começou em uma reunião de oração e jejum dos alunos na capela e durou 63 horas.

Em 3 de fevereiro de 1970, o reitor Custer B. Reynolds, que iria falar na capela, foi movido a convidar pessoas a dar um testemunho pessoal. Muitos na universidade estavam orando por avivamento. Logo, um grande grupo esperava na fila para dar testemunho. A capela estava cheia de gente alegre. As aulas foram canceladas por uma semana durante as 144 horas de culto ininterrupto e, mesmo depois que as aulas recomeçaram, em 10 de fevereiro, o Auditório Hughes esteve aberto para oração e testemunho. Cerca de 2 mil equipes de evangelistas saíram dali para igrejas e pelo menos 130 câmpus universitários em todos os Estados Unidos. Em março de 1992, a confissão de pecados de um aluno durante um culto na capela se transformou em 127 horas consecutivas de oração e louvor. Em fevereiro de 2006, um culto na capela dirigido por estudantes redundou em quatro dias de oração e louvor contínuos.

Avivamentos na história da igreja

O fato é que a tradição cristã, desde os primórdios, tem experimentado “tempos de refrigério [...] da presença do Senhor” (At 3,20). Na Idade Média podem ser citados o espantoso crescimento da ordem cisterciense na França, Alemanha, Inglaterra, Gales, Escócia, Irlanda, Espanha, Portugal e Itália, no século 12, e a impressionante influência dos Irmãos da Vida Comum na Holanda, Suíça, França e Alemanha, no século 15. A Reforma Protestante no século 16, o movimento puritano na Inglaterra, Escócia, Holanda e nas colônias americanas no século 17, o “Primeiro Grande Despertamento” nos Estados Unidos e o “Avivamento Evangélico” na Inglaterra no século 18, o “Segundo Grande Despertamento” nos Estados Unidos e Grã-Bretanha no século 19 são exemplos de avivamentos experimentados pela Igreja cristã.

Já houve várias ocasiões no passado em que movimentos significativos do Espírito Santo ocorreram na Universidade Asbury e alcançaram todos os Estados Unidos

Gostaria de citar diretamente três exemplos. O primeiro vem de um pregador presbiteriano chamado John Livingstone, que viveu na Escócia no século 17. Na época, sempre que surgiam momentos de crise nacional ou eclesiástica, pensava-se na necessidade de suplicar por uma visitação poderosa do Espírito Santo – um avivamento. O sínodo do qual Livingstone fazia parte convocou membros das igrejas de sua jurisdição para um período de jejum e clamor pela nação, que estava à beira de uma guerra civil contra os ingleses motivada pelo debate em torno da questão da liberdade religiosa e de expressão. Depois de orar, Livingstone decidiu pregar sobre Ezequiel 36,25-26: “Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; eu vos purificarei de todas as vossas impurezas e de todos os vossos ídolos. Também vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne”. Como consta em seu diário, ao fim da pregação de mais ou menos uma hora, ele anunciou que estava concluindo o sermão. Naquele momento, houve um clamor para que ele não parasse de falar, e ele acabou pregando, no total, por duas horas.

Em suas anotações, feitas mais de 20 anos após aquele dia, Livingstone conta que mais de 400 pessoas se converteram naquele encontro e todos os que vieram a Cristo não o abandonaram. Nunca mais aconteceu fato semelhante na vida de Livingstone; ele dizia sentir saudades do dia em que Deus o tratou familiarmente em Kirk o’Shotts, na Escócia, em 21 de junho de 1630. Naquela reunião memorável, Deus usou a pregação desse escocês e renovou sua presença naquela comunidade, revelando-se com poder naquele dia de oração e jejum. No avivamento, Deus trata seu povo de forma familiar.

O outro exemplo se encontra registrado no livro Avivamento na África do Sul, escrito pelo luterano Erlo Stegen. Após sua conversão, Stegen, um sul-africano branco, foi destacado por sua denominação para estudar Teologia e, assim, se preparar para o ministério cristão. Depois de um tempo, foi enviado para trabalhar com os povos zulus, em Natal, na África do Sul, em meados da década de 1950. Assim que chegou, viu que a comunidade necessitava buscar a Deus. Stegen decidiu expor o livro dos Atos dos Apóstolos para os fiéis, entre 1966 e 1967. A certa altura da mensagem, enquanto começava a analisar o texto de Atos 4, o Espírito Santo veio com poder sobre toda a congregação. Segue o relato, nas palavras do próprio missionário: “Certo dia, quando nos reunimos para orar, de repente Deus fendeu os céus e desceu até nós. [...]. Mas, repentinamente, veio um som como de um vento poderoso. Não sei explicar bem. [...] Era como se aquele vento soprasse e soprasse através de nós. O Espírito de Deus desceu, e ninguém precisou dizer ao outro que Deus estava em nosso meio. Havia plena consciência da presença de Deus entre nós. Todos sabíamos que Deus estava em nosso meio, sem dizermos uma palavra. Só pude colocar minha mão direita sobre a cabeça, encurvar-me e adorar o Deus do céu!” A presença de Deus fez-se concreta no meio daquela comunidade. Em 1971, o lugar passou a se chamar Kwasizabantu, que no dialeto local significa “lugar onde pessoas são ajudadas”.

O teólogo batista John Hammett, a quem tanto devo e que foi meu professor de Teologia Sistemática e de História da Reforma, converteu-se quando criança. Foi, porém, durante um avivamento, ocorrido entre 1973 e 1977, quando era estudante universitário, que ele cresceu na fé. Nessa época, era membro da Primeira Igreja Batista de Durham, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Mas sua vida foi transformada por causa dos estudos bíblicos ministrados por seu pastor, R. C. Henderson, que fora missionário e havia concluído o doutorado em Novo Testamento na Escócia. Henderson começou a ensinar a Epístola aos Romanos em sua residência, nas noites de sexta-feira. Sobre esses encontros, Hammett declarou: “Eu vi a beleza do evangelho e a glória de Cristo como nunca antes”. Esses estudos bíblicos foram decisivos em seu chamado para o ministério cristão e o levaram a renunciar a seu desejo de se tornar advogado, razão pela qual havia entrado na faculdade. Mais de 130 estudantes universitários frequentaram aquelas reuniões, espalhados por todos os quartos da casa pastoral.

Esses relatos ilustram o que é avivamento, a forma de Deus tratar seu povo de maneira familiar. Numa comunidade cristã em que a fé tenha sido avivada, homens e mulheres que creem em Jesus Cristo não apenas têm certeza de que Deus está presente, mas experimentam a presença poderosa dele por meio do Espírito Santo. Os exemplos históricos poderiam ser multiplicados, mas o mais importante é ressaltar que, durante um avivamento, Deus trata seu povo com familiaridade. Não se trata de uma certeza intelectual de que Deus está presente, uma vez que que ele é onipresente, mas da segurança comprovada, que vem do Espírito de Deus, de que ele está entre seu povo, visitando-o com graça e poder.

Um anseio por avivamento

Há pelo menos duas aplicações que podemos fazer à luz do que está acontecendo na Universidade Asbury. Uma diz respeito à necessidade de avivamento, em nossa época. Nós devemos temer e combater os excessos que ocorrem nestes avivamentos – e que mesmo no livro de Atos dos Apóstolos aconteceram –, mas não os avivamentos. Pois, como Jonathan Edwards escreveu no século 18, “pode-se observar que, desde a queda do homem até os nossos dias, a obra de redenção, em seus feitos, tem sido realizada principalmente por extraordinárias comunicações do Espírito Santo”. Assim, as Escrituras Sagradas, que nos exortam a provar os espíritos (1Jo 4,1), também nos exortam a sermos cheios do Espírito Santo (Ef 5,18), e a não extinguirmos o Espírito de Deus (1Ts 5,19).

Precisamos orar por avivamento. A situação do nosso país impõe-nos essa exigência. Não seria o caso de nós, cristãos, nos unirmos em fervorosa oração para que o Deus Trino se agrade de derramar seu Espírito Santo sobre a Igreja cristã em nosso país?

Portanto, precisamos orar por avivamento. A situação do nosso país impõe-nos essa exigência. Deus tem tido misericórdia de igrejas locais no Brasil. Há histórias de derramamento do Espírito em várias cidades e épocas de nossa história. Mas nunca provamos do avivamento em escala nacional, como na Coreia do Sul, na África do Sul, nos Estados Unidos, na Holanda, no País de Gales, na Escócia e na Inglaterra. Avivamentos são dádivas de Deus (1Co 12,11), que não podem ser criadas ou manipuladas por homens, mas esperadas na misericórdia e soberania do único Deus. Não seria o caso de nós, cristãos, nos unirmos em fervorosa oração para que o Deus Trino se agrade de derramar seu Espírito Santo sobre a Igreja cristã em nosso país?

Poderíamos usar ousadamente as palavras do profeta Isaías como nossa súplica por uma visitação graciosa do único Deus de Israel à Igreja no Brasil: “Olha para nós lá do céu, da tua santa e gloriosa habitação. Onde estão o teu zelo e as tuas obras poderosas? Estás retendo a ternura do teu coração? Já se esgotaram as tuas misericórdias para comigo? [...] Ah! Se fendesses os céus e descesses! Se os montes tremessem na tua presença, como quando o fogo acende os gravetos, como quando faz ferver a água, para fazeres notório o teu nome aos teus adversários, e para que as nações tremam diante de ti! Quando fizeste coisas terríveis, que nós nem esperávamos, desceste, e os montes tremeram diante de ti. Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com os ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera” (Isaías 63,15–64,1-4).

Assim, quem sabe, em algum momento, ocorra entre nós aquilo que está acontecendo na Universidade Asbury, mas que também ocorreu em 1.º de janeiro de 1739, em Fetter Lane, quando um grupo de cristãos metodistas estava orando durante a noite, na Inglaterra. John Wesley relatou o que aconteceu: “Às três horas da manhã, como estávamos continuando em oração, o poder de Deus nos sobreveio de maneira que clamamos por causa da alegria imensa e muitos caíram no chão. Quando nos recuperamos um pouco daquele temor e admiração que vieram da presença da sua majestade, começamos a falar em uma só voz: ‘Te louvamos, ó Deus, reconhecemos que tu és o Senhor’”.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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