Estudar sobre o imperador Constantino, o Grande, é fundamental para compreender a transição da Antiguidade Clássica para a Idade Média, bem como a ascensão do cristianismo como uma das maiores influências culturais e religiosas da história. Seu governo representou um ponto de virada para o Império Romano, pois ele não apenas unificou o império como também redefiniu a relação entre o Estado e a religião. Sua conversão ao cristianismo e o impacto de suas políticas moldaram o curso da civilização ocidental, influenciando desde a política e a arte até os valores sociais e religiosos que perduram até hoje. Além disso, a fundação de Constantinopla marcou o início do Império Bizantino, que manteria viva a herança romana por mais de mil anos.
Crise no império
Constantino I, conhecido como Constantino, o Grande, foi um dos imperadores mais influentes da história do Império Romano. Ele governou entre 306 e 337 d.C., um período de profundas transformações políticas, sociais e religiosas. O Império Romano enfrentava crises internas devido a disputas políticas e à instabilidade militar. Além disso, o cristianismo, que surgira na primeira metade do século 1.º, começava a se expandir, apesar da perseguição sistemática promovida por imperadores anteriores.
No século 3.º, o Império Romano estava dividido em várias partes devido à instabilidade gerada pelas disputas pelo trono. A Tetrarquia, sistema implementado pelo imperador Diocleciano, visava trazer estabilidade ao império, ao dividir o poder entre dois “augustos” (imperadores principais) e dois “césares” (subordinados e herdeiros). No entanto, esse modelo não foi suficiente para acabar com os conflitos internos. Foi nesse cenário turbulento que Constantino emergiu como uma figura decisiva.
A conversão à fé
Constantino nasceu em 272 d.C., na cidade de Naísso, na província da Mésia (atual Sérvia). Era filho de Constâncio Cloro, um dos tetrarcas do Império Romano, e de sua esposa Helena. Seu pai se tornou augusto do Ocidente após a abdicação de Diocleciano, em 305. E, com a morte de Constâncio Cloro, em 306, Constantino foi aclamado imperador por suas legiões em Eboraco (atual York, na Inglaterra). Ao longo de seu reinado, Constantino lutou contra vários inimigos internos e externos para consolidar seu poder, e emergiu como o único governante do império após uma vitória definitiva, em 324. Era um soldado astuto e exímio estrategista, e soube utilizar a política e a guerra para consolidar sua posição.
A conversão de Constantino ao cristianismo e o impacto de suas políticas moldaram o curso da civilização ocidental
Michael F. Bird escreve, em Six Things I Bet You Did Not Know About Constantine: “Constantino, assim como seu pai Constâncio, começou como um monoteísta vago e só gradualmente identificou esse ‘Deus altíssimo’ com o Deus do cristianismo. Embora muitos de seus éditos e pronunciamentos sejam geralmente monoteístas, em suas cartas, Constantino fala sobre sua devoção a Jesus”. Bird também afirma que “a maior influência religiosa sobre Constantino provavelmente veio do teólogo cristão Lactâncio e do bispo Eusébio de Nicomédia. Peter Leithart [na obra Em defesa de Constantino] chama Constantino de um ‘cristão lactantino’”.
A conversão de Constantino ao cristianismo é um dos momentos mais marcantes da história ocidental. Segundo Lactâncio, antes da Batalha da Ponte Mílvia, Constantino teve um sonho em que lhe foi mostrado o símbolo cristão chi-rho (☧), acompanhado das palavras In hoc signo vinces (“Com este sinal vencerás”). De acordo com Eusébio de Cesareia, ele interpretou esse sonho como um sinal dado pelo Senhor Jesus e ordenou que seus soldados usassem o símbolo chi-rho em seus escudos e estandartes.
Embora sua adesão ao cristianismo tenha sido gradual e envolta em disputas teológicas, Constantino tornou-se um defensor da fé cristã e, mais tarde, recebeu o batismo por Eusébio de Nicomédia, pouco antes de sua morte, em 337 d.C. A oração que Constantino fez nessa ocasião foi preservada:
“Chegou o momento que há muito tempo espero, com um desejo ardente e uma oração para que eu possa obter a salvação de Deus. A hora chegou, na qual também posso receber a bênção daquele selo que confere a imortalidade; a hora em que posso receber o selo da salvação. Pensei em fazer isso nas águas do Rio Jordão, onde nosso Salvador, para nosso exemplo, foi registrado como tendo sido batizado; mas Deus, que sabe o que é mais conveniente para nós, determinou que eu recebesse essa bênção aqui. Que assim seja, então, sem demora; pois, se for da vontade daquele que é o Senhor da vida e da morte que minha existência aqui seja prolongada, e se eu estiver destinado, daqui em diante, a me associar ao povo de Deus e a me unir a eles em oração como membro de sua Igreja, estabelecerei para mim, a partir deste momento, um modo de vida que condiga com seu serviço.”
Constantino escreveu orações e exortações à sua corte e aos súditos romanos para adorarem o cristianismo. Ele tornou o domingo um dia de descanso e adoração e pediu que seus soldados recitassem uma oração que ele mesmo preparou: “Sabemos que Tu és o único Deus; reconhecemos em Ti nosso Rei. Invocamos a Ti em busca de auxílio. De Ti recebemos a vitória, por Ti somos tornados maiores que nossos inimigos. Reconhecemos Tua graça nas bênçãos presentes e em Ti depositamos nossa esperança para o futuro. Todos Te suplicamos, Te imploramos que preserves nosso rei Constantino e seus piedosos filhos, seguros e vitoriosos, até o fim de nossos dias”. Sempre que estava em campo com suas legiões, ele montava uma capela portátil. Também orava regularmente, especialmente antes de batalhas importantes. Ele tinha 50 legionários escolhidos como guarda de honra ao redor do labarum (uma lança dourada com uma travessa formando uma cruz, da qual pendia um pano púrpura com as imagens dele e de seus filhos, encimado por uma coroa de ouro e o símbolo chi-rho). Há uma moeda com a imagem de Constantino em armadura. Seu capacete traz um pequeno chi-rho. A mitológica loba romana e os gêmeos aparecem em seu escudo. A cruz cristã é proeminente, acompanhada de um globo, indicando o domínio universal do Senhor Jesus.
Além disso, Constantino promoveu a construção de igrejas, como a antiga Basílica de São Pedro, a Basílica de São João de Latrão, a antiga Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, e a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Essas construções serviram para solidificar a presença cristã nas regiões mais importantes do império e reforçar a influência da nova religião.
Vitórias no campo de batalha
Como militar, Constantino teve uma carreira notavelmente vitoriosa. Essas vitórias o tornaram uma figura crucial na história romana, especialmente pelo impacto de suas vitórias sobre o cristianismo e a reorganização do Império. Vejamos algumas de suas batalhas e campanhas vitoriosas:
Ocorrida em 312, a Batalha da Ponte Mílvia marcou a ascensão de Constantino como único governante do Ocidente. Enfrentando Maxêncio, Constantino usou táticas superiores e, com a ajuda da estratégia atribuída ao sonho que ele deve, derrotou seu inimigo, que morreu afogado no Rio Tibre. Essa vitória consolidou sua autoridade sobre o Ocidente e abriu caminho para sua influência sobre a cristandade. Na verdade, sua vitória contra Maxêncio foi vista como um sinal de que o único Deus estava ao seu lado.
“Os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste.”
Trecho do Édito de Milão, que dava liberdade de culto aos cristãos
Após a morte de Maxêncio, Constantino e Licínio fizeram uma aliança, dividindo o Império Romano, com Constantino governando o Ocidente e Licínio, o Oriente. No entanto, surgiram tensões entre eles, especialmente em relação à administração do império e às políticas religiosas, já que Constantino favorecia o cristianismo, enquanto Licínio começou a reverter suas políticas de tolerância religiosa, o que agravou o conflito. Em 324, Licínio rompeu o acordo de paz, e Constantino decidiu combatê-lo para consolidar seu poder. A batalha decisiva ocorreu em Crisópolis, no estreito de Bósforo, onde as forças de Constantino, superiores em número e estratégia, derrotaram Licínio em uma batalha naval e terrestre. Após a derrota, Licínio foi capturado, preso e, apesar de inicialmente ter sido perdoado, acabou executado por ordem de Constantino. Com a vitória, Constantino se tornou o único imperador do Império Romano, reunificando as duas partes e solidificando seu domínio.
Além das disputas internas, Constantino também lutou contra povos bárbaros ao longo das fronteiras do império. Em 322, Constantino liderou uma expedição contra os sármatas, um grupo de tribos nômades da região da Europa Oriental. Esses povos eram uma ameaça constante para as fronteiras romanas, principalmente na região do Danúbio. A vitória de Constantino contra os sármatas ajudou a estabilizar a fronteira nordeste do império. As campanhas contra os godos aconteceram entre 323 e 324, após um período de incursões de tribos godas nas províncias romanas. Constantino venceu os godos e conseguiu assegurar a paz nas regiões que estavam sendo afetadas por suas invasões.
Essas vitórias consolidaram seu poder e garantiram um longo período de estabilidade interna para o império. Além disso, Constantino investiu na reorganização militar do exército romano e na fortificação das fronteiras, criando uma defesa mais eficaz contra invasões futuras. Após sua morte, sua sucessão foi assegurada, e o império foi dividido entre seus três filhos: Constantino II, Constâncio II e Constante.
O impacto na Igreja e na sociedade
A medida mais significativa de Constantino para o cristianismo foi o Édito de Milão, em 313, quando foi concedida liberdade de culto aos cristãos e lhes foram devolvidas propriedades confiscadas. Isso marcou o fim oficial da perseguição aos cristãos e abriu caminho para a expansão da fé no império. O Édito afirma:
“Nós, Constantino e Licínio, imperadores, encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a nós e a todos nossos súbditos.
Decretamos, portanto, que, não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste [...]. Observai, outrossim, que também todos os demais terão garantia a livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões, pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua consciência e eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos grato ordenar, pela presente, que todos os que compraram esses locais os restituam aos cristãos sem qualquer pretensão a pagamento...
Use-se da máxima diligência no cumprimento das ordenanças a favor dos cristãos e obedeça-se a esta lei com presteza, para se possibilitar a realização de nosso propósito de instaurar a tranquilidade pública. Assim continue o favor divino, já experimentado em empreendimentos momentosíssimos, outorgando-nos o sucesso, garantia do bem comum.”
Constantino também teve um papel central no desenvolvimento doutrinário do cristianismo ao convocar o Primeiro Concílio de Niceia
Bird desenvolve a importância desse feito: “O Édito de Milão, em 313 d.C., não apenas encerrou a perseguição aos cristãos, mas estabeleceu a tolerância religiosa para todos em todo o Império Romano”. E ele complementa: “Constantino não fez do cristianismo a religião oficial do império [isso ocorreu sob Teodósio I, em 380]. Nem destruiu santuários e templos dedicados aos deuses greco-romanos. Sua nova cidade, Constantinopla, tinha súditos pagãos e templos pagãos. Ele favoreceu o cristianismo, mas não perseguiu os pagãos”.
Constantino também teve um papel central no desenvolvimento doutrinário do cristianismo. Ele convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325, para resolver disputas teológicas, especialmente a controvérsia contra os seguidores de um herege, Ário de Alexandria, que defendiam que Jesus Cristo seria uma criatura, criada por Deus Pai e, portanto, não era coeterno nem da mesma substância que o Pai, contrariando a doutrina da Trindade como revelada na Escritura Sagrada e confessada pelos Pais da Igreja. O concílio resultou na formulação do Credo Niceno, que resume a base e o cerne da teologia cristã, comum a católicos, ortodoxos e protestantes. Como Bird coloca: “No Concílio de Niceia, Constantino foi tanto espectador quanto participante. Seu principal interesse era a unidade da igreja, pois não queria que as igrejas orientais se fragmentassem e brigassem, como aconteceu no Norte da África durante a controvérsia donatista”.
Em 330, Constantino fundou a cidade de Constantinopla (atual Istambul). Ele fortificou a cidade com novos muros de defesa, reformou o Hipódromo, ampliando-o e adicionando monumentos, e iniciou a construção da Igreja de Santa Sofia, que mais tarde seria reestruturada por Justiniano. Também construiu o Palácio Imperial e o Fórum de Constantino, que incluía a Coluna de Constantino, além de investir em infraestrutura com estradas, aquedutos e sistemas de drenagem. Essas obras estabeleceram Constantinopla como o novo centro do Império Romano, tornando a cidade um centro cultural, político e religioso por mais de mil anos, servindo como um bastião do cristianismo e do legado romano.
Em 331, Constantino encarregou Eusébio de Cesareia de preparar 50 volumes das Escrituras para as igrejas de Constantinopla, os quais deveriam ser encadernados em couro e facilmente transportáveis. Os volumes eram provavelmente livros contendo os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), em vez de Bíblias completas com todo o cânone bíblico, que eram muito raras na Antiguidade.
Bird destaca outras transformações ocorridas na sociedade romana: “Constantino aprovou uma lei que transformava os bispos em um tribunal de apelação. Qualquer pessoa, a qualquer momento, poderia recorrer aos bispos em um caso legal, e o veredicto dos bispos era vinculativo. Ele também aprovou várias leis sobre a escravidão. Constantino permitiu a punição física de escravos, mas não até a morte; proibiu o casamento entre cidadãos e escravos, mas também proibiu a separação de famílias escravas e deu ao clero a autoridade para conceder liberdade aos escravos”.
No ano 300, a proporção de cristãos no império chegou a 10%. E, em meados de 350, cerca de dez anos depois da morte do imperador Constantino, e antes de se completarem 40 anos desde a última perseguição, nada menos que 56,5% da população romana confessava a fé cristã. Nessa mesma época, metade da população da Ásia Menor, Trácia e Armênia era cristã, e o cristianismo era a fé predominante na Síria, Egito, Grécia, Macedônia, norte da África, Espanha e sul da Itália. O maior sucesso do cristianismo se deu em áreas urbanas, tendo demorado até quase cinco séculos para chegar às áreas rurais. Homens e mulheres de todas as posições sociais e idades aderiram ao evangelho de Jesus Cristo.
Um impressionante legado
Constantino recebeu o título de “Grande” devido à sua notável influência na história romana e cristã. Ele não apenas reunificou o Império Romano após anos de divisões e conflitos, mas também transformou a estrutura política e religiosa do mundo ocidental. Sua conversão ao cristianismo e sua defesa da fé foram cruciais para a disseminação da religião cristã, tornando-a a fé dominante na Europa. Além disso, a fundação de Constantinopla como uma nova capital imperial garantiu a continuidade da civilização romana por mais de mil anos. Seu legado perdura como um dos mais impactantes da história da civilização ocidental. Em síntese, Constantino, o Grande, celebrado como santo pela Igreja Ortodoxa no dia 21 de maio, foi um dos líderes mais impactantes da história.
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