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Franklin Ferreira

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Igreja evangélica, Evangelho, teologia moral, história e cultura. Coluna atualizada às quintas-feiras

História

A origem divina da liberdade na Declaração de Independência dos Estados Unidos

"Declaração de independência", pintura de John Trumbull. (Foto: Wikimedia Commons/Domínio público)

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Quando a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América foi ratificada, em 4 de julho de 1776, não apenas marcou o nascimento de uma nova nação, mas também definiu princípios fundamentais sobre as liberdades fundamentais: de expressão; de imprensa; de consciência; e de religião. Através das poderosas palavras contidas nesse documento, temos a afirmação de que todos os homens são “criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade”. Essa declaração, que contém, segundo Joseph Ellis, “as palavras mais potentes e consequentes da história americana”, desafiou não apenas as normas da época, mas também estabeleceu bases teológicas e filosóficas profundas para a luta pela liberdade, que ressoaram ao longo dos séculos, impactando não só o desenvolvimento dos Estados Unidos, mas também o pensamento político em escala global.

O contexto histórico

Antes de abordarmos a origem divina da liberdade na Declaração de Independência, é crucial entender o contexto histórico e filosófico no qual este documento foi concebido. No século 18, as 13 colônias americanas estavam sob domínio do Império Britânico e enfrentavam crescentes restrições e abusos por parte do governo central. Questões como tributação sem representação no Parlamento britânico, restrições comerciais e interferência nos assuntos locais geraram uma insatisfação crescente entre os colonos.

Em meio a um cenário agitado de política e pensamento intelectual, figuras proeminentes das colônias, como Thomas Jefferson, John Adams e Benjamin Franklin, começaram a compartilhar uma visão de sociedade fundamentada em princípios de liberdade e autodeterminação. Influenciados pelas Escrituras Sagradas, pelo protestantismo, pelo deísmo e pelo Iluminismo, esses pensadores buscaram fundamentar sua luta pela independência e liberdade em bases religiosas e filosóficas sólidas.

As influências religiosas e filosóficas

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América reflete várias influências religiosas e filosóficas que moldaram os pensamentos e valores dos fundadores da nação. Embora a declaração em si não contenha referências religiosas explícitas, suas menções a Deus e à natureza divina dos direitos humanos refletem a perspectiva religiosa cristã predominante entre os líderes políticos e intelectuais da época.

Em primeiro lugar, muitos dos pais fundadores dos Estados Unidos foram influenciados por uma visão de mundo judaico-cristã, que serviu como base ética e moral para seus ideais políticos. Como Adams, que foi o segundo presidente dos Estados Unidos, escreveu em 1808: “Insisto que os hebreus contribuíram mais para educar os homens do que qualquer outra nação. Se eu fosse ateu, e cresse no destino eterno cego, ainda assim creria que o destino ordenou que os judeus fossem o instrumento mais essencial para civilizar as nações. [...] Eles formam a nação mais gloriosa que jamais habitou esta terra. Os romanos e seu império foram nada mais do que uma bolha em comparação aos judeus”. Os conceitos da igualdade de todos diante de Deus, da dignidade humana, e da justiça e liberdade presentes na tradição judaico-cristã contribuíram para moldar a visão dos pais fundadores sobre os direitos naturais e sobre a relação entre governo e indivíduo. A ideia de que os direitos são atribuídos por um Deus infinito e pessoal, cabendo ao governo protegê-los, reflete uma visão judaico-cristã do mundo. Esta influência foi tão forte que os Estados Unidos foram chamados de a “República Hebraica”.

Em segundo lugar, mais especificamente, o protestantismo calvinista e puritano – sobretudo os escritos de João Calvino, Johannes Althusius e Samuel Rutherford – influenciou profundamente os valores e ideais dos pais fundadores. A ênfase puritana na liberdade religiosa e na autoridade limitada do governo sobre as consciências individuais ressoou com os princípios defendidos na Declaração de Independência. Além disso, a doutrina calvinista da soberania divina absoluta e da predestinação moldou a visão dos pais fundadores sobre liberdade e responsabilidade individual, sustentando a ideia de que os seres humanos possuem direitos inalienáveis concedidos e requeridos por Deus. Assim, as pessoas não existem para servir ao Estado. O Estado existe para servir às pessoas, e as pessoas existem para servir a Deus.

Em terceiro, embora muitos dos pais fundadores fossem cristãos protestantes devotos, como John Witherspoon, Benjamin Rush, Roger Sherman, John Hancock, Robert Treat Paine e Samuel Adams, houve influência do deísmo. Essa perspectiva filosófica destaca a existência de um Criador divino responsável pela criação do universo, mas que não interfere diretamente nos assuntos humanos. Alguns signatários da declaração, como Jefferson e Franklin, eram deístas e acreditavam em um Deus transcendente que estabeleceu leis naturais e princípios morais para governar o universo. Isso se reflete na menção à “natureza” e ao “Criador” na Declaração de Independência, indicando a crença em um poder divino por trás da ordem moral e natural do mundo.

Por fim, durante o período do Iluminismo, vários pensadores influenciaram os redatores da Declaração de Independência, incluindo John Locke, cujas ideias sobre direitos naturais e contrato social deixaram uma marca profunda. Locke acreditava que todos os seres humanos possuíam direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade, cabendo ao governo protegê-los. Se o governo falhasse nessa responsabilidade, os cidadãos teriam o direito de se revoltar e estabelecer um novo governo que garantisse esses direitos.

Além das influências específicas judaico-cristãs, protestantes, deístas e iluministas, a herança cultural e a tradição religiosa cristã mais ampla da Europa também moldaram os valores e as ideias dos pais fundadores dos Estados Unidos. Naquela época, o pensamento político e filosófico estava profundamente enraizado em uma cultura religiosa na qual a fé desempenhava um papel crucial nas duas esferas, pública e privada. Essa atmosfera religiosa contribuiu para promover a ideia de que os direitos humanos derivavam da vontade divina em vez do governo humano. Em suma, a Declaração de Independência dos Estados Unidos reflete uma variedade de influências religiosas que foram fundamentais em sua concepção e redação. Embora não seja um texto estritamente religioso, as referências a Deus e à natureza divina dos direitos humanos refletem a crença religiosa predominante entre os pais fundadores da nação, destacando a importância da fé e da moral judaico-cristãs na formação dos ideais políticos e sociais dos Estados Unidos. Ou seja, as poderosas afirmações da Declaração de Independência são verdades autoevidentes “somente para quem esteja imerso na Bíblia”, como afirmou o rabino Jonathan Sacks.

A origem divina das liberdades fundamentais

Ao declarar que todos os seres humanos são “dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis”, a Declaração de Independência estabelece uma base filosófica para a liberdade que transcende a autoridade terrena. Essa declaração afirma que a fonte última da liberdade não reside no governo ou em qualquer instituição humana, mas sim no único Deus infinito e pessoal. Em outras palavras, a liberdade não é concedida pelo Estado, mas é um direito intrínseco à humanidade, conferido pelo próprio Criador.

Essa concepção da liberdade como uma dádiva divina tem implicações profundas tanto filosóficas quanto políticas. Primeiramente, sugere que a liberdade é um aspecto essencial da condição humana, não sujeita à vontade arbitrária de governantes ou sistemas políticos. Em vez disso, ela é considerada parte integrante da dignidade e do valor inerente de cada ser humano. Além disso, ao afirmar que os direitos são inalienáveis, a declaração está argumentando que nenhum poder terreno pode legitimamente negar ou restringir os direitos fundamentais de um indivíduo. Esses direitos são vistos como universais e invioláveis, não sujeitos à vontade da maioria ou a circunstâncias variáveis.

A concepção de que a liberdade tem sua base na divindade, como expresso na declaração, é significativa por diversos motivos essenciais. Em primeiro, como justificação de direitos inalienáveis. Ao afirmar que os direitos à vida, liberdade e busca da felicidade são conferidos pelo Criador, a declaração estabelece um fundamento teológico e filosófico sólido para esses direitos. Em vez de serem considerados concessões do governo ou convenções sociais mutáveis, esses direitos são vistos como intrínsecos à natureza humana, derivados de uma fonte transcendente além da autoridade terrena. Isso implica que tais direitos são inalienáveis e não podem ser negados ou restringidos pelo governo ou qualquer outra instituição humana.

Em segundo, restringe o poder governamental. Ao reconhecer que os direitos humanos são concedidos pelo Criador e não pelo governo, a declaração afirma que o poder do governo é limitado e condicionado ao respeito pelos direitos naturais das pessoas. Os governos têm o dever de proteger e assegurar esses direitos, em vez de atribuí-los ou restringi-los arbitrariamente. Isso estabelece um critério moral e ético para avaliar o governo e impõe limites à sua autoridade.

Em terceiro, os direitos humanos têm sua origem divina. A convicção de que os direitos humanos derivam de uma fonte divina implica que tais direitos são universais e aplicáveis a todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade, etnia, religião ou quaisquer outras características. Considera-se que esses direitos sejam inerentes à condição humana e, portanto, devem ser respeitados e protegidos em todas as sociedades e culturas.

Em quarto, exerce continua influência na resistência contra a tirania. Ao afirmar que os direitos humanos são concedidos por Deus e que o papel do governo é preservá-los, a declaração estabelece um fundamento ético para combater a tirania e a injustiça. Como escreveu Jefferson: “Resistência aos tiranos é obediência a Deus”. Quando um governo viola os direitos naturais dos indivíduos ou se desvia do bem comum, os cidadãos têm não apenas o direito moral, mas em certas circunstâncias o dever de se opor e até mesmo depor tal governo injusto.

Em resumo, a noção de que a liberdade, na Declaração de Independência, tem origem divina é significativa porque estabelece um alicerce sólido teológico e filosófico para os direitos humanos, limita o poder governamental, promove a universalidade desses direitos fundamentais e incentiva a resistência contra a tirania. Essa ideia continua ecoando e influenciando o pensamento político e moral em escala global, ressaltando a importância da fé e da moral na salvaguarda e promoção dos direitos individuais e da liberdade.

A relevância atual

Apesar de ter sido concebida em um contexto específico, as ideias expressas na Declaração de Independência permanecem pertinentes nos dias de hoje, exercendo um impacto significativo no desenvolvimento do pensamento político e filosófico em âmbito mundial. A crença na origem divina da liberdade não apenas inspirou o sistema político dos Estados Unidos, mas também impulsionou movimentos ao redor do mundo que lutaram pela liberdade.

No que diz respeito às liberdades de expressão e religiosa, a importância da Declaração de Independência dos Estados Unidos reside principalmente nos valores fundamentais que ela estabeleceu e nas consequências que gerou para o desenvolvimento das leis e normas relacionadas a esses direitos. Estes são alguns dos aspectos mais específicos pelos quais a Declaração é crucial para a liberdade de expressão e religiosa:

Em primeiro lugar, o reconhecimento dos direitos inalienáveis. A declaração afirmou que todos os seres humanos possuem direitos inalienáveis, incluindo o direito à vida, liberdade e busca pela felicidade. Esses direitos são considerados essenciais e servem como base para a crença na liberdade de expressão e religiosa como direitos naturais concedidos pelo único Deus infinito e pessoal e que não podem ser infringidos, suprimidos ou relativizados pelo governo ou por outras entidades.

Em segundo, a defesa da dissidência. A declaração argumentou a favor do direito à rebelião contra um governo que desrespeitasse os direitos fundamentais dos indivíduos. Esse princípio de resistência à opressão governamental é relevante para a liberdade de expressão e religiosa, pois justifica o direito das pessoas de expressarem suas opiniões e crenças, mesmo quando estas entram em conflito com as normas estabelecidas pelo governo ou pela sociedade.

Em terceiro, a influência nos documentos constitucionais. Os ideais expressos na declaração influenciaram a redação da Constituição dos Estados Unidos e da Carta de Direitos, que garantem explicitamente a liberdade de expressão e religiosa. Portanto, a declaração é um dos pilares sobre os quais esses escritos foram construídos, e sua influência é claramente perceptível na proteção desses direitos. A Carta de Direitos proíbe o Congresso de promulgar leis que estabeleçam uma religião ou impeçam sua livre prática, proíbe a violação do “direito do povo de manter e portar armas” e impede o governo federal de privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem um processo legal adequado, todos estes considerados direitos fundamentais.

Dessa forma, a Declaração de Independência dos Estados Unidos desempenha um papel crucial na promoção das liberdades de expressão e religiosa. Ela é considerada um marco na história dos direitos humanos e um exemplo da luta pela liberdade individual. Contudo, colocar as ideias dessa declaração em prática nem sempre foi simples. Ao longo da história, surgiram debates e conflitos sobre quem exatamente está incluído na definição de “todos os homens” e como garantir que os direitos inalienáveis sejam verdadeiramente universais. Questões atuais como restrições à liberdade de expressão e religião evidenciam que o ideal de liberdade ainda está em processo rumo à plena realização, tendo um longo caminho a percorrer.

Um alerta importante

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América expressou uma visão profunda e duradoura sobre a liberdade ao declarar que todos os homens são “criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis”. Essa declaração estabeleceu uma base teológica e filosófica sólida para a luta pela liberdade e pelos direitos individuais, ao afirmar que a fonte última da liberdade não reside no governo, mas sim no único Deus infinito e pessoal. Embora essa ideia tenha sido questionada e interpretada de várias maneiras ao longo dos séculos, a crença original dos pais fundadores continua a inspirar anseios por liberdade em todo o mundo, demonstrando assim a relevância duradoura das crenças dos pais fundadores dos Estados Unidos da América.

Mas James Bryce, que foi embaixador do Reino Unido nos Estados Unidos entre 1907 e 1913, advertiu que os Estados Unidos careciam da noção de constrangimento imposto pela tradição, como ocorria na Europa, ou da coesão social originada da vida em pequenas cidades ou aldeias. Diferentemente, os Estados Unidos eram tão vastos, tão livres e tão voláteis que sua liberdade poderia facilmente resultar em caos, não fosse por um fator que mantinha o país unido: o elo espiritual, moral e social da fé judaico-cristã, sobretudo protestante. Bryce ponderou sobre a possibilidade de a religião judaico-cristã perder seu poder nos Estados Unidos, algo que na época parecia inimaginável. No entanto, ele previu o que os norte-americanos estão começando a experimentar atualmente, com o declínio de sua herança religiosa: uma desestruturação social que seria difícil de conter. Afinal de contas, os Estados Unidos são “o país em que a perda de fé no invisível poderá produzir a revolução mais completa, porque é o país onde os homens menos estão habituados a reverenciar qualquer coisa do mundo visível”. Ou seja, ou os Estados Unidos e o Ocidente redescobrem a força e beleza da tradição judaico-cristã que orientou, estimulou e guiou sua busca pela liberdade, ou colherão frutos amargos e terríveis em um futuro breve.

Correção

John Adams foi o segundo presidente dos Estados Unidos, e não o terceiro.

Corrigido em 24/05/2024 às 20:16

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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