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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Entrevista

O Ajuda Barnabas e a chegada ao Brasil dos refugiados cristãos do Afeganistão

Combatente do Talibã monta guarda em ponto de controle na cidade de Kandahar, Afeganistão. (Foto: EFE/Stringer)

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Nesta edição entrevisto Thiago Biazin e Warton Hertz para abordar a obra de socorro aos cristãos refugiados do Afeganistão. Thiago Biazin trabalha no Ajuda Barnabas desde 2018, quando foi aberto o escritório no Brasil. Desde janeiro de 2021, Biazin atua como chefe de Operações e está à frente do Barnabas no Brasil e América Latina. Warton Hertz é coordenador de Parcerias da organização no Brasil desde 2022, sendo especializado em liberdade religiosa; já atuou como advogado na área de Direito Religioso, tendo também servido no Ministério de Direitos Humanos, na Coordenação de Liberdade de Religião ou Crença, Consciência, Expressão e Acadêmica.

O que é o Ajuda Barnabas e qual a sua atuação?

O Ajuda Barnabas é uma instituição de ajuda humanitária para cristãos em situação de vulnerabilidade ao redor do mundo. O nome remete a Barnabé (em inglês, Barnabas), o diácono que na Igreja primitiva vendeu o seu campo para dar aos apóstolos a fim de que se estendesse auxílio entre os irmãos mais vulneráveis, ao ponto de que “nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes” (At 4,34). A inspiração do Ajuda Barnabas também está no ensino de Paulo, em que diz: “Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé” (Gl 6,10).

Barnabas Aid é, assim, uma organização internacional com sede na Inglaterra e que conta com escritórios em vários locais ao redor do globo. Trata-se de uma organização de cristãos, através de cristãos e para cristãos. Ela é dirigida pelas necessidades, ou seja, está sempre atenta aos últimos acontecimentos e às localidades onde a Igreja e os cristãos de modo geral estão passando por algum tipo de situação que requeira uma ação urgente, ou situações crônicas ocasionadas por falta de alimento, desastres naturais ou perseguição. Também realizamos parcerias para projetos sociais de longo prazo que combatem a vulnerabilidade social em que cristãos podem estar envolvidos, seja para prestar auxílio médico, alimentar ou educacional. Essas condições podem ser agravadas quando essas pessoas estão em regiões em que há perseguição religiosa e são discriminados, presos e até correm risco de perderem suas vidas por causa de sua fé no Evangelho.

“Sempre houve conhecimento e conscientização em relação à perseguição contra cristãos nos países comunistas, mas pouco ou quase nada se ouvia das dificuldades da Igreja em nações de maioria islâmica.”

Por toda essa ampla gama de situações que impõem sofrimento à Igreja de Cristo, o Ajuda Barnabas atua hoje em mais de 50 países, sem contar aqueles em que já atuou no passado. Não se trata apenas de envio de recursos financeiros, mas também são enviadas doações em forma de alimentos (iniciativa food.gives) e até equipamentos médicos (iniciativa medical.gives) para diversas regiões em que a Igreja tem sofrido pelas mais variadas razões, seja por fome, pela guerra, ou limitação de sua liberdade religiosa, como em Madagascar, Líbano, Ucrânia e China, entre outros países. Apenas para se ter uma ideia, neste último ano a organização esteve presente fortemente junto às igrejas na Ucrânia, provendo alimento, roupas e combustível para aquecimento de lares durante o inverno, e já doou 1.176 cadeiras de rodas para irmãos feridos ou amputados por causa do conflito contra a Rússia.

Como foi fundada a organização?

A organização foi fundada como uma iniciativa para ajudar cristãos recém-convertidos em contexto islâmico. Até algumas décadas atrás, pouco se sabia sobre essa dura realidade que os novos convertidos ex-muçulmanos enfrentavam por terem crido no Evangelho. Sempre houve conhecimento e conscientização em relação à perseguição contra cristãos nos países comunistas, mas pouco ou quase nada se ouvia das dificuldades da Igreja em nações de maioria islâmica, ou em países governados por muçulmanos radicais.

Patrick Sookhdeo fundou o Ajuda Barnabas justamente por ter uma história de vida que o sensibilizou quanto à realidade desses novos convertidos. De ascendência paquistanesa, nascido na Guiana Inglesa, sua família, então muçulmana, se mudou para a Inglaterra. Lá ele ouviu o Evangelho e se converteu ao cristianismo, tendo sido expulso de casa quando era ainda adolescente. Anos mais tarde, refletindo sobre essas dificuldades que passou na adolescência por ter decidido seguir a Jesus, começou a ajudar os convertidos à fé cristã em situações parecidas com a dele. A organização cresceu e passou a socorrer a Igreja perseguida em vários outros contextos.

Este ano o Barnabas completa 30 anos de existência e cinco anos presente no Brasil. O que se pode destacar de sua atuação?

Além de socorrer a Igreja perseguida, o Ajuda Barnabas recentemente começou também a auxiliar cristãos que sofrem por outros motivos, como aqueles que estão em regiões onde há escassez de alimento, pobreza intergeracional devido à falta de oportunidades educacionais, bem como cristãos que vivem em lugares onde ocorreram desastres naturais, ou que estejam passando por guerras.

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Uma situação muito peculiar em que o Barnabas tem socorrido cristãos diz respeito aos trabalhadores de olaria no Paquistão. Muitas vezes, esses homens precisam tirar empréstimos com os donos de olarias onde trabalham por causa de uma emergência familiar, e acabam se endividando com os altos juros. Eles ficam presos a uma espécie de vínculo empregatício obrigatório até quitar a dívida. Contudo, passam-se anos e eles mal conseguem pagar os juros. Às vezes, os filhos herdam a dívida, sendo obrigados a trabalhar por um pequeno salário que lhes sobra a cada pagamento. O Ajuda Barnabas paga a dívida dessas famílias que vivem em semiescravidão através da generosidade de outros cristãos ao redor do mundo, e as liberta para procurar outro emprego, ou para usar seu dinheiro de maneira livre, ou até mesmo dando um pequeno capital para começarem um pequeno negócio pós-expediente para complementar a renda.

O Ajuda Barnabas chegou ao Brasil cinco anos atrás, informando a Igreja brasileira acerca dos cristãos que sofrem ao redor do mundo, a fim de levantar mais recursos para ajudar esses irmãos e irmãs na fé que vivem em situação de vulnerabilidade social ou perseguição, ou ambos de maneira concomitante. Contudo, o Brasil também possui seus próprios desafios sociais, por isso já estamos com projetos para ajudar cristãos em nosso país. Em janeiro, uma associação cristã em um bairro pobre de Brasília recebeu uma imensa doação de alimentos vinda de igrejas da Alemanha. Ainda este ano, temos em perspectiva lançar um programa de alfabetização de adultos nas regiões do Norte e Nordeste, onde há um alto índice de pessoas que não sabem ler nem escrever. Esse programa será executado por igrejas locais que têm o interesse de realizar uma parceria com o Barnabas, em que, por meio de outros parceiros, já temos a estrutura de treinamento para professores e para distribuição de material didático. O objetivo é ajudar cristãos pobres no Brasil a ter acesso à educação, informação, possibilidade de aumento de renda e melhoria da qualidade de vida por meio da alfabetização e aulas de cidadania.

Como se deu o envolvimento do Ajuda Barnabas com os refugiados afegãos após a tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão?

Com a tomada do poder pelo Talibã em agosto de 2021, muitos cristãos tiveram de fugir para países vizinhos a fim de salvarem suas vidas. Após cruzar as montanhas, um grupo de cerca de 350 pessoas alcançou a cidade de Quetta, no Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão. Nessa cidade, há uma igreja parceira do Barnabas. Desde então, temos sustentado as famílias que ali se refugiaram. Contudo, logo que lá chegaram, começamos tratativas com o governo brasileiro a fim de trabalhar a possibilidade de trazê-los para cá. Em setembro daquele ano, foi publicada portaria conjunta entre o Ministério da Justiça e o Itamaraty que criava o visto humanitário para refugiados afegãos. No mês seguinte, em seu discurso na ONU, o então presidente Jair Bolsonaro fez um breve comentário sobre os cristãos afegãos que iriam também se beneficiar desse visto de entrada no Brasil. Em janeiro, após mais algumas tratativas com o Itamaraty, as entrevistas dessas famílias começaram a ser agendadas no consulado brasileiro de Islamabad, capital paquistanesa. Em junho do ano passado chegaram as primeiras famílias, exatamente 54 pessoas, desde idosos, crianças, jovens casais e famílias inteiras. No fim de março deste ano, mais 16 famílias chegaram, 64 pessoas. No total, já temos 118 afegãos cristãos refugiados no Brasil graças à parceria do Ajuda Barnabas com igrejas locais. Até o fim deste ano, mais 67 afegãos devem chegar. E precisamos de igrejas voluntárias para acolhê-los.

“Essas pessoas saíram de sua terra natal, deixando tudo para trás, às vezes até sem tempo de providenciar documentos próprios para viagem.”

Como se dá esse acolhimento? Onde estão essas famílias e como é feito o acompanhamento dessas pessoas após a chegada no Brasil?

Existe uma lista de famílias na fila da entrevista junto ao consulado brasileiro em Islamabad, capital do Paquistão, onde esses afegãos estão refugiados. Ocorre que no Paquistão, apesar de o Estado respeitar a liberdade religiosa, existe forte discriminação contra os cristãos e perseguição por grupos religiosos extremistas, que usam as Leis de Blasfêmia do país para tal. Inclusive, um dos pastores que cuidavam desse grupo foi alvejado por tiros de fuzil no início do ano passado, sendo assassinado enquanto estava saindo das dependências da igreja. Por isso, a vinda dessas famílias para um lugar mais seguro é uma corrida contra o tempo.

Após a entrevista, sendo os vistos concedidos, as igrejas que se dispuseram a acolher essas famílias são informadas sobre quem irão receber. Uma foto é enviada com informações detalhadas de cada membro da família. Desse modo, elas podem se organizar para receber de forma adequada os refugiados. Há uns poucos solteiros, idosos e jovens casais sem filhos, mas em sua maioria são famílias maiores, de pais com dois, três ou mais filhos. As igrejas parceiras alugam um imóvel condizente com a necessidade, providenciam mobília para o novo lar, e essas famílias passam a frequentar a congregação local que as adotou. Em uma verdadeira soma de esforços, a parceria com o Barnabas pode ser também em termos financeiros, quando a igreja acolhedora não tem os recursos suficientes para as despesas mensais. Os afegãos são ensinados a falar português enquanto a documentação de trabalho está sendo providenciada. O plano é que entre 6 e 12 meses os chefes de família já estejam colocados no mercado de trabalho, a fim de tornarem-se independentes no sustento de suas famílias sem a necessidade de ajuda externa.

Como o leitor desta coluna pode ajudar os refugiados afegãos?

A maneira mais imediata e importante é colocar-se em oração por essas pessoas. Elas vivem uma situação realmente dramática, inimaginável para nós que nascemos no Ocidente. Essas pessoas saíram de sua terra natal, deixando tudo para trás, às vezes até sem tempo de providenciar documentos próprios para viagem. Muitos afegãos chegaram ao Brasil apenas com um documento chamado Autorização de Retorno ao Brasil – apesar do nome, que sugere uma volta, é apenas o que o seu visto humanitário brasileiro lhes proporciona a fim de aqui chegarem e pedirem à Polícia Federal a residência permanente.

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O leitor pode orar também pelas igrejas que as acolheram, pois é um imenso desafio de tempo e recurso que deve ser investindo nessas pessoas. As dificuldades são enormes, mas o coração dos pastores e membros têm se provado ainda maiores na ajuda de adaptação desses refugiados. Também é possível fazer uma doação às famílias que já estão no Brasil e ajudá-las a reestabelecerem suas vidas. Se você vive perto de uma igreja acolhedora, sua oferta pode ser em alimento, roupas, outros recursos materiais ou até mesmo oferta de empregos. Se a sua Igreja deseja acolher uma das famílias que devem chegar até o fim deste ano, envie um e-mail para thiago.biazin@barnabasaid.org

Abaixo segue a lista de cidades onde estão as famílias de cristãos afegãos trazidos em parceria com as igrejas locais. Entre em contato conosco se você estiver próximo de uma delas e gostaria de se envolver imediatamente ajudando-as de alguma maneira: Belo Horizonte (MG), Bragança Paulista (SP), Cabo Frio (RJ), Contagem (MG), Coronel Fabriciano (MG), Curitiba (PR), Ipatinga (MG), Itapema (SC), Londrina (PR) e Macaé (RJ). A assinatura de nossa revista bimestral é gratuita.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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