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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR, presidente da Coalizão pelo Evangelho e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Entrevista

A capelania e o cuidado espiritual na Academia Militar das Agulhas Negras

O capitão Émerson Profírio durante bênção proferida por ocasião da formatura semanal do Batalhão de Comando e Serviço da Aman. (Foto: Sd Fejó/Comunicação Social BCSv/Aman)

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Tendo tido o privilégio de fazer uma visita guiada pelo capitão instrutor Menezes Maia e pelo cadete Ferreira, do 4.° ano de Infantaria, à Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em fevereiro, convidei o capitão Émerson Couto Profírio para uma entrevista nessa coluna. Nascido em Aracaju (SE), é pastor presbiteriano desde janeiro de 2008. Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller, em Belo Horizonte (MG), ele é capelão militar do Serviço de Assistência Religiosa do Exército (SAREx). Serve atualmente como capelão militar da Aman, no Rio de Janeiro. É casado com Raquel Couto, com quem tem duas filhas, Sophia e Júlia.

Poderia falar um pouco da história e importância da Academia Militar das Agulhas Negras?

A Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) é a instituição de ensino superior responsável pela formação dos oficiais combatentes do Exército Brasileiro. Anualmente, a Aman recebe cerca de 400 jovens, de ambos os sexos, de todo o Brasil para cursarem os quatro anos de formação. Contudo, a formação superior do oficial combatente do Exército tem início na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), na cidade de Campinas (SP). Lá, o ainda aluno faz o seu primeiro ano de formação e adaptação ao ambiente militar. Chegando à Aman, o aluno passa a ser chamado de cadete. Na cerimônia de espadim, que acontece no mês de agosto, ele recebe a réplica miniaturizada da espada do Duque de Caxias, símbolo da honra militar, que o acompanhará durante toda a formação.

A história da Aman tem o seu nascedouro no ano de 1810, quando dom João VI funda a Academia Real Militar na Casa do Trem, atual Museu Histórico Nacional, na cidade do Rio de Janeiro. Depois de algumas mudanças, no ano de 1944 a formação do oficial combatente passou a ter sua sede definitiva na cidade de Resende (RJ), sendo chamada de Escola Militar de Resende, até que em 23 de abril de 1951 recebeu a sua atual denominação. A idealização de uma nova academia, mais moderna e que estivesse longe da efervescência política do Rio de Janeiro, foi do marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

Os cadetes são os futuros líderes e comandantes da Força Terrestre. Eles são a perpetuação de uma longa história de honra e valores do Exército Brasileiro. Os jovens, garotos e garotas, são distribuídos entre as armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia, Comunicações, o Serviço de Intendência e o Quadro de Material Bélico. Após os anos de formação, os cadetes são declarados aspirantes a oficial e seguem destino para os quatro cantos do Brasil. Desta forma, todo o trabalho que é feito com os cadetes, seja na sua formação profissional ou na formação moral e religiosa, reverberará por todo o Exército Brasileiro.

“Eu sou, antes de qualquer outra coisa, um pastor. Lembro e peço misericórdia a Deus para que jamais negligencie a minha vocação pastoral, que é cuidar do seu rebanho e fazer o evangelho de Jesus Cristo conhecido dos homens.”

Capitão Émerson Couto Profírio, pastor e capelão militar da Aman

Como o senhor chegou a ser capelão militar e servir na Aman?

O ingresso no Serviço de Assistência Religiosa do Exército se dá por meio de um concurso público realizado pela Escola de Saúde e Formação Complementar do Exército (ESFCEx). O pastor ou padre, com formação superior em Teologia e devidamente ordenado e autorizado pelo concílio ou convenção de sua denominação, faz o Curso de Formação de Oficiais do Quadro de Capelães Militares (CFO/QCM). Desde 2017 este curso passou a ser realizado na ESFCEx; no entanto, eu sou da penúltima turma que fez a sua formação ainda na Aman. Tendo concluído a minha formação, fui designado capelão militar do Comando de Fronteira Acre/4.° Batalhão de Infantaria de Selva (C Fron AC/4 BIS). No Acre, prestei assistência religiosa aos militares na sede, em Rio Branco, e aos militares dos Pelotões Especiais de Fronteira. Ainda ali, apoiei também os militares do 7.° Batalhão de Engenharia de Construção (7.° BEC). Após quase três anos de serviço militar na Selva, fui movimentado por necessidade do serviço para a Aman, onde sirvo desde 2019.

Como é prestar assistência religiosa entre aqueles que servem e estudam na AMAN?

A Capelania Militar da Aman presta assistência religiosa, espiritual e moral aos militares, seus familiares e aos servidores civis. Ao todo, temos uma população que gira em torno de 12 mil pessoas. Os números na Cidade Acadêmica são superlativos. Temos uma prefeitura militar, um hospital militar, um hospital veterinário, bancos, campo de instrução, dezenas de salas de aula, dois teatros e um pouco mais de 600 moradias distribuídas em três vilas militares. Além disso, o maior batalhão do Exército em efetivo, o Batalhão Agulhas Negras, também está aqui. Toda a Academia tem uma área de 67 km².

O capitão Émerson Profírio (em primeiro plano) durante ministração da Palavra em operação (Manobra Escolar). Foto: Acervo pessoal

O meu ministério segue um ritmo de uma grande igreja civil. Celebro cultos diários; faço aconselhamento pastoral para os cadetes, demais militares e civis; visito os enfermos no Hospital Militar de Resende ou nos hospitais civis da cidade; ministro mensagens à tropa em variadas ocasiões, seja com a tropa em forma saindo ou retornando de alguma operação, ou aos militares em alguma reunião; faço palestras (instruções) que versam sobre temas variados, desde saúde mental até formação espiritual; visito as famílias em seus lares; celebro casamentos, batismos e ofícios fúnebres; e participo dos retiros espirituais dos cadetes, que acontecem duas vezes ao ano. É importante ressaltar que todas as atividades religiosas são de cunho voluntário. Aqui na Aman são estimuladas as atividades extracurriculares que se desenvolvem em vários grêmios, dentre os quais há a Associação dos Cadetes Evangélicos (ACE), que congrega todos os cadetes evangélicos. Além disso, atuo como pastor auxiliar na Igreja Presbiteriana de Resende e visito as demais denominações da cidade de Resende, estabelecendo um contato com os pastores civis locais.

A todas estas atividades pastorais somam-se as obrigações de um oficial do Exército. Faço diariamente treinamento físico militar (TFM), realizo três vezes ao ano o teste de aptidão física (TAF), administro junto com o meu colega, padre capelão, as atribuições da Capelania, participo de reuniões e assessoro o comando em questões morais e religiosas concernentes à rotina da Academia.

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Quais são os desafios atuais que o senhor enfrenta na Capelania? E os futuros?

Por se tratar de um trabalho interdenominacional, que exige muito tempo em sua rotina pastoral e administrativa, há dois desafios diários pessoais: não permitir que o volume das atividades furte a minha qualidade de vida com Deus e com a minha família; e não perder o vínculo eclesiástico com a minha igreja local. Explico-me melhor. O primeiro desafio é jamais permitir que a rotina de trabalho suplante a minha comunhão com Deus e, por consequência, com a minha família. Há o risco claro de, dadas tantas atividades e cobranças em níveis distintos da realidade de uma igreja civil local, ser enredado por uma espécie de “ministério profissional”. Lembro diariamente em meu momento devocional que eu sou, antes de qualquer outra coisa, um pastor. Lembro e peço misericórdia a Deus para que jamais negligencie a minha vocação pastoral, que é cuidar do seu rebanho e fazer o evangelho de Jesus Cristo conhecido dos homens. Para isso, eu preciso cultivar uma vida contínua de piedade. Ao mesmo tempo cuido para estar sempre presente na vida da minha família, participando de todos os momentos e assumindo o meu papel de esposo e pai. O que muito me auxilia neste mister é contar com a participação e apoio da minha família nas atividades da Capelania.

O segundo desafio é a manutenção do vínculo com a minha denominação. A Igreja Presbiteriana do Brasil, especificamente o meu presbitério de origem (Presbitério Sul de Sergipe), autoriza a minha atuação pastoral a serviço do Exército Brasileiro. Anualmente participo da reunião extraordinária do meu presbitério, na qual apresento o meu relatório de atividades pastorais, revejo os colegas e faço a manutenção do vínculo eclesiástico. Além disso, como falei anteriormente, atuo na Igreja Presbiteriana de Resende, auxiliando como pastor em suas atividades. A manutenção deste vínculo é importante a fim de que o capelão tenha a quem prestar contas da sua vida pessoal e eclesiástica, além de não omitir para si e para a sua família o pastoreio e a vida comunitária de igreja.

Pode nos contar alguma experiência impactante de seu ministério de capelania?

Nestes anos de serviço, sem dúvida alguma, a experiência que mais me impactou foi a que vivi há alguns anos numa outra organização militar, quando tive de atender a um chamado para apoiar um pai e uma mãe após o suicídio de sua única filha. Conquanto a experiência do suicídio seja por si só extremamente devastadora, neste caso que compartilho, os acontecimentos que se seguiram imprimiram ainda mais dramaticidade ao acontecimento, tornando-se um caso sem precedentes no Exército. Após o sepultamento da jovem e todo o apoio prestado, no dia seguinte os pais também cometeram suicídio. Trabalhei com o apoio de demais seções do Batalhão para assistir os familiares e os militares. Com muito esforço, fomos aos poucos retomando o ânimo de todos e, graças a Deus, todos se reergueram.

“As pessoas querem o prazer a todo custo, mas parecem estar cada vez menos preparadas para lidar com as pressões e as frustrações comuns à vida. Com a mesma facilidade com que criam fantasias, sucumbem frente aos desafios.”

Capitão Émerson Couto Profírio, pastor e capelão militar da Aman

A experiência por si só é impactante, mas ainda mais impactante é perceber a realidade de adoecimento emocional da presente geração. O tema do suicídio está, infelizmente, cada vez mais presente nas famílias. Contudo, ele é apenas a ponta do iceberg. Vivemos a sociedade da anestesia. As pessoas querem o prazer a todo custo, mas parecem estar cada vez menos preparadas para lidar com as pressões e as frustrações comuns à vida. Com a mesma facilidade com que criam fantasias, sucumbem frente aos desafios. Nestas horas, precisamos reconhecer a realidade do adoecimento mental, mas também compreender que o tratamento disso tudo é multidisciplinar. Nesta conjunção de ações, não podemos esquecer o mais importante, o apoio espiritual. O homem é por natureza um ser espiritual, e como tal jamais gozará de plena saúde à parte de Deus. Em Jesus Cristo é possível ter um sentido para a vida e encontrar apoio frente àquelas demandas para as quais não temos todos os recursos e respostas.

A Capelania Militar na Aman entende esta realidade e apresenta-se apara os seus cadetes como uma ferramenta de adestramento emocional e espiritual. A Academia visa à formação integral dos seus cadetes. Queremos entregar ao Exército Brasileiro oficiais cada vez mais habilitados a lidar com os novos desafios da vida militar e isto envolve também a habilidade de lidar com as próprias emoções e as emoções daqueles que serão seus subordinados no futuro.

Como as igrejas evangélicas e os cristãos em geral podem apoiar esse ministério?

Como capelão militar evangélico, conhecedor das peculiaridades da igreja evangélica brasileira, sei da necessidade de uma boa circulação entre as diversas denominações. O nosso rebanho nos quartéis vem das mais variadas tradições eclesiástico-teológicas; assim, as atividades aqui desenvolvidas não privilegiam esta ou aquela tendência denominacional. Este é o primeiro entendimento que as igrejas evangélicas precisam ter acerca da Capelania Militar se desejam apoiar o ministério de um capelão militar evangélico. Outro princípio importante é que estamos atuando numa instituição que vela pela manutenção das suas tradições e do seu espírito de corpo. Desta forma, há de se entender que a atuação dentro das organizações militares deve ser uma atuação inculturada, ou seja, adaptada ao ambiente militar, sob pena de ferir susceptibilidades. Por fim, as igrejas evangélicas e os cristãos que têm admiração pela vida militar e desejam apoiar um trabalho de capelania precisam compreender que a assistência religiosa nas Forças Armadas segue uma rigorosa legislação. Nenhum trabalho é realizado à revelia da Lei da Assistência Religiosa nas Forças Armadas. Um ponto importante para que isto aconteça é entender que todo trabalho religioso nos quartéis deve buscar a orientação e assessoria do capelão militar de área responsável por aquela unidade militar. Além disso, as igrejas evangélicas podem apoiar o trabalho de Capelania Militar com as suas orações e oferendo a sua destra fraterna aos capelães militares das suas cidades para trabalhos de parcerias.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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