Tomás de Aquino foi um monge dominicano e professor na Universidade de Paris. Responsável por desarmar a ameaça da filosofia aristotélica, que havia sido redescoberta no Ocidente pelos árabes, tornou-a parte do arsenal cristão, criando um modelo de filosofia cristã. Suas principais obras são a inacabada Suma teológica, uma exposição detalhada da doutrina cristã, e a Suma contra os gentios, um texto sobre como evangelizar os muçulmanos. Recentemente, foi lançado também em português o Compêndio de teologia, no qual Tomás de Aquino desenvolveu, em seus últimos anos de vida, uma síntese dos principais temas da teologia, onde são explicados os mistérios da revelação, na ordem em que o Credo dos Apóstolos os expõe, do Deus Uno e Trino, da Criação, da redenção e da escatologia.
Recentemente, Jonas Madureira, editor-chefe de Edições Vida Nova, pastor da Igreja Batista da Palavra, em São Paulo, doutor em Filosofia pela USP e pela Universidade de Colônia (Alemanha), e professor de Propedêutica Teológica, Teologia Sistemática e Apologética no Seminário Martin Bucer, lançou Tomás de Aquino e o conhecimento de Deus: a imaginação a serviço da teologia. No livro, fruto de sua tese de doutorado, Jonas oferece um trajeto para quem deseja entender a teologia tomasiana a partir da Suma teológica, obra que, segundo teria dito G. K. Chesterton, “todos podem elogiar sem tê-la lido”. Ao longo deste livro, o leitor encontrará não apenas uma exposição cuidadosa da posição tomasiana a respeito dos limites do conhecimento humano, mas também uma reflexão profunda sobre o papel da imaginação, em especial no conhecimento de Deus.
Jonas, você lançou recentemente uma obra sobre Tomás de Aquino. Quem foi ele?
Tomás de Aquino nasceu por volta de 1225, no castelo de Roccasecca, no condado de Aquino, pertencente ao Reino da Sicília. Com a idade de 20 anos, foi para Colônia, na Alemanha, estudar com Alberto Magno, o maior filósofo e teólogo daqueles dias. Chegando lá, seus colegas logo o apelidaram de o Boi Mudo da Sicília: “Boi”, por seu físico avantajado; “Mudo”, por passar a maior parte do tempo em silêncio; e, finalmente, “da Sicília”, por ser esta a sua pátria.
Guilherme de Tocco, que foi seu discípulo e principal biógrafo, conta-nos que Tomás, na sua estada em Colônia, foi convocado por seu mestre Alberto para responder a questões muito difíceis. Humildemente, ele respondeu a todas elas. O mestre, admirado com a inteligência de seu discípulo, prenunciou: “Nós chamamos este jovem de Boi Mudo, mas, com os seus ensinos, ele ainda dará mugidos que ressoarão no mundo inteiro”. Um dos mugidos mais poderosos que ele deu e que atravessou séculos é a sua monumental Suma Teológica, obra em que me baseei para escrever meu livro.
Em seu livro, Jonas Madureira oferece um trajeto para quem deseja entender a teologia tomasiana a partir da Suma teológica, obra que, segundo teria dito G. K. Chesterton, “todos podem elogiar sem tê-la lido”
Qual é a ideia central de sua obra Tomás de Aquino e o conhecimento de Deus?
Em diversas passagens da obra de Tomás de Aquino, em especial da Suma Teológica, Tomás argumentou que o intelecto humano, por estar unido ao corpo, não consegue compreender algo sem se voltar para as imagens que se formam na mente em decorrência da percepção desse algo por nossos sentidos. Isso significa que, para realizar o ato que lhe é próprio, o intelecto humano precisa, antes de tudo, voltar-se para as imagens. Trata-se, portanto, da condição de possibilidade da intelecção humana no estado da vida presente, ou seja, no estado da alma unida ao corpo. Ora, se é assim, como poderíamos ter algum conhecimento de Deus, uma vez que Dele não possuímos nem percepção sensorial nem imagens? O livro é justamente uma exposição da resposta de Tomás para esta pergunta.
Tomás de Aquino é importante para os protestantes?
Tomás de Aquino é importante para todos os que querem fugir da ignorância e desejam encontrar a sabedoria. Todavia, entendo que, entre alguns protestantes, o Doutor Angélico não apenas foi temido como também foi flagrantemente distorcido. O temor é compreensível porque o texto de Tomás é poderosamente denso. Qualquer um que iniciar a leitura dos textos da Suma teológica, por exemplo, logo de cara entenderá o que estamos dizendo. Agora, a distorção talvez seja uma herança das críticas dos Reformadores à escolástica do século 16. Veja, Tomás viveu e escreveu no século 13! Muitas águas correram entre os dias do Aquinate e os dias de Lutero. Entender Tomás no seu próprio contexto é uma tarefa que exige, inclusive, distinguir Tomás dos tomistas, neotomistas e etc.
“Tomás de Aquino é importante para todos os que querem fugir da ignorância e desejam encontrar a sabedoria.”
Jonas Madureira, autor de "Tomás de Aquino e o conhecimento de Deus: a imaginação a serviço da teologia"
O que você sugere para aqueles que querem começar a estudar sobre Tomás de Aquino?
Entendo que a melhor maneira de iniciar os estudos dos filósofos e teólogos é pela leitura dos textos dos próprios filósofos e teólogos. Nesse sentido, a meu ver, começar pela Suma contra os gentios ou a Suma teológica parece ser o melhor ponto de partida. Junto com os textos, a leitura dos opúsculos de Otto Bird, Como ler um artigo da Suma e Tomás de Aquino, um mestre no ofício, de Carlos Arthur R. do Nascimento, podem ajudar bastante.
Você é pastor batista, editor, escritor e acadêmico. Como equilibrar essas várias facetas?
Mas quem disse que consigo equilibrar todas essas coisas? Não acredito que eu seja capaz de equilibrar todas elas. O que, de fato, existe é um senso de urgência e de missão que me impedem de desprezar as incríveis oportunidades que se apresentam diante de mim. Acho perturbadora a ideia de desprezar uma dádiva ou um talento que Deus me deu. Tudo é graça. Se há algum equilíbrio, certamente, ele não vem de mim. Pelo contrário, o equilíbrio vem daquele que pesa a terra, com balança de precisão, na palma de sua mão. Se há algum equilíbrio, então, há graça. Em mim, como em todos os meus semelhantes, há apenas o caos e a vontade de encontrar a ordem e a beleza.
“Entre alguns protestantes, o Doutor Angélico não apenas foi temido como também foi flagrantemente distorcido. Mas a distorção talvez seja uma herança das críticas dos Reformadores à escolástica do século 16, sendo que Tomás viveu e escreveu no século 13.”
Jonas Madureira
Que desafios você entende que a igreja evangélica enfrentará nos próximos anos?
De todos os desafios, considero que o maior deles é o desafio da autocrítica. Acredito que somos todos limitados por natureza. Isso significa que sempre há pontos cegos em nossas perspectivas e análises. Quando falta autocrítica, sempre sobra a superestimação de nós mesmos e de nossas atitudes. Em geral, essa falta nos leva a absolutização do que é relativo e relativização do que é absoluto. No caso dos evangélicos, meu receio é, em especial, o da absolutização da política e relativização do evangelho, que podem conduzir os evangélicos a um destino contrário do que eles imaginam. Parece-me, às vezes, que nós trocamos a batalha espiritual pela batalha política. Todavia, a autocrítica pode nos fazer enxergar que o trem que tomamos está indo na direção totalmente oposta daquela em que deveríamos ir. Como disse Bonhoeffer, “se você tomar o trem errado, de nada adiantará correr de vagão em vagão na direção certa”. É preciso que os evangélicos se voltem radicalmente para o evangelho, caso contrário não farão mais jus ao nome de “evangélicos”.
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