Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR, presidente da Coalizão pelo Evangelho e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

A Bíblia de Estudo da Fé Reformada, publicada em português

(Foto: Editora Fiel/Divulgação)

Ouça este conteúdo

No sábado, 3 de julho, tive o privilégio de participar como palestrante convidado em um evento de lançamento da Bíblia de Estudo da Fé Reformada, em São José dos Campos (SP). Este encontro foi organizado pela Editora Fiel, que publicou esta Bíblia em coedição com a organização norte-americana Ligonier Ministries, e impressa no Brasil pela Sociedade Bíblica Brasileira. Em minha participação, falei sobre a relação entre a Bíblia Sagrada e a teologia cristã. Como o erudito metodista Grant Osborne destacou, a crença na inspiração bíblica “exige a busca de uma teologia sistemática que apresente uma afirmação básica do sistema de fé da nossa comunidade e reflita nosso entendimento da unidade da Escritura e do seu ensino”. O evento ainda contou com as participações do reverendo Augustus Nicodemus Lopes, que falou sobre a Bíblia Sagrada e a hermenêutica; de Chris Larson, presidente do Ligonier Ministries, em mensagem gravada sobre a importância da Bíblia na história do povo judeu e cristão; e, ainda, do reverendo Erni Seibert e do pastor Paulo Teixeira, da Sociedade Bíblica do Brasil, que fizeram uma apresentação sobre a produção de bíblias no Brasil e sobre as diferentes traduções de autoria e administração da Sociedade Bíblica do Brasil. O evento foi recepcionado e conduzido pelo diretor-executivo do Ministério Fiel, pastor Tiago J. Santos Filho, o entrevistado de hoje.

Tiago Santos é graduado em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba e obteve especialização em Teologia Bíblica pela Universidade Luterana do Brasil. É um dos pastores da Igreja Batista da Graça em São José dos Campos; é cofundador, um dos diretores e professor de ética cristã no Seminário Martin Bucer; e atuou por mais de 15 anos como editor-chefe da Editora Fiel, tendo assumido há pouco mais de um ano a direção geral do Ministério Fiel.

O que é o Ministério Fiel e qual sua atuação no Brasil?

O Ministério Fiel é uma organização evangélica confessional de ensino, que se serve de várias frentes para promover entre as igrejas protestantes brasileiras temas de importância teológica que se identificam com os grandes lemas destacados na Reforma Protestante do século 16, a saber: somente a Escritura, somente a graça, somente a fé, somente Cristo e a glória somente a Deus.

Esse ministério foi idealizado e fundado pelo missionário batista James Richard Denham Jr. (1927-2013), na cidade de São Paulo, em 1966, inicialmente como uma editora de livros teológicos, e já publicou mais de 400 livros de autores nacionais e estrangeiros. Tendo transferido sua sede para a cidade de São José dos Campos (SP) em 1985, ampliou suas atividades no campo de ensino para a realização de conferências teológicas, para a produção de uma revista trimestral, cursos de Teologia em modalidade EAD e um amplo ministério na internet, através do blog de conteúdos Voltemos ao Evangelho e forte atuação nas redes sociais. A Fiel ainda realiza seu trabalho em diversos países de língua portuguesa, como Portugal, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde e Angola.

Atualmente, temos uma equipe multidisciplinar de cerca de 40 pessoas, que atuam em áreas diversas tais como gestão, marketing digital, design gráfico, eventos, criação e produção editorial, conteúdo e teologia.

“Para o cristão protestante, a Bíblia é a única fonte de autoridade para a fé, o culto, a ética e a espiritualidade.”

Pastor Tiago J. Santos Filho, diretor-executivo do Ministério Fiel

Por que a Bíblia é tão importante para os protestantes?

Os cristãos afirmam e creem que o Deus criador e sustentador do universo, da vida e do ser humano condescendeu em se revelar ao ser humano em linguagem compreensível, acessível e por meio de agentes humanos: homens inspirados pelo próprio Espírito de Deus, que registraram qual a vontade de Deus para o ser humano e como homens e mulheres podem entrar em uma relação de amor e comunhão com o próprio Deus; contam, ainda, como Deus enviou ao mundo Jesus Cristo, seu eterno Filho, para anunciar a mensagem do evangelho da salvação; e também registraram os ensinos de Jesus, seus feitos, sua morte em uma cruz, sua ressurreição dentre os mortos, sua ascensão ao céus e a promessa de sua volta para resgatar seus discípulos e seguidores. Esta revelação de Deus foi registrada, em seus autógrafos originais, nos idiomas hebraico, grego e aramaico, ao longo de um período de cerca de 1,8 mil anos, no livro que conhecemos como a Bíblia, que é dividida em duas partes, chamadas tradicionalmente de “testamentos” e que contêm, ao todo, 66 livros, sendo 39 livros no Antigo Testamento, que cobre o período antes do nascimento de Jesus, e 27 livros no Novo Testamento, que conta a história da vida e obra de Jesus Cristo e seu impacto no mundo judaico e romano daquela época.

Sendo a Bíblia o testemunho dos feitos redentores de Deus na história, ela é acolhida e amada por todos os cristãos, católicos, ortodoxos e protestantes, e é a base do culto, de todo ensino ético e espiritual dos cristãos. Para o cristão protestante, a Bíblia é a única fonte de autoridade para a fé, o culto, a ética e a espiritualidade e isto se distingue do entendimento católico, que equipara a tradição da Igreja e a autoridade do papa e dos concílios à autoridade da Bíblia. A questão da autoridade da Bíblia, aliás, foi a principal causa da ruptura entre protestantes e católicos na Reforma Protestante do século 16. Por esta razão, a questão do lugar da Bíblia foi chamada de “causa material” da Reforma. Para o protestante, o lema Sola Scriptura (“somente a Escritura”) é o que faz da Bíblia a norma normans, isto é, a norma reguladora, a norma que dita as regras da fé, da crença e do comportamento. E isto coloca a Bíblia em um lugar de enorme destaque na fé protestante.

Praticamente todos os documentos confessionais dos diferentes grupos protestantes do período da Reforma  afirmam este lugar de autoridade das Escrituras. Em um deles, a Declaração de Savoy, de 1658, lê-se o seguinte sobre a Bíblia:

“A autoridade da Sagrada Escritura, pela qual ela deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas única e totalmente de Deus (que é a própria verdade), que é seu Autor; e, portanto, deve ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e induzidos a um elevado e reverente apreço pela Sagrada Escritura; e a sublimidade do conteúdo, a eficácia da doutrina, a majestade do estilo, a harmonia de todas as partes, a abrangência de seu todo (que é de dar a Deus toda a glória), a plena exposição que faz do único meio de salvação para o homem, as muitas outras excelências incomparáveis, e sua perfeição total, são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus. Não obstante, nossa plena persuasão e certeza de sua infalível verdade e divina autoridade provêm da obra interna do Espírito Santo, que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.
Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas indispensáveis à sua glória, à salvação, fé e vida do ser humano, ou está expressamente registrado na Escritura, ou pode ser lógica e claramente deduzido dela; à qual nada, e em tempo algum, deve ser acrescentado, seja por novas revelações do Espírito, ou por tradições de homens. Não obstante, reconhecemos ser indispensável a iluminação interior do Espírito de Deus para o discernimento salvífico daquelas coisas que são reveladas na Palavra; e que há certas questões concernentes ao culto divino e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, que têm de ser ordenadas de acordo com a luz da natureza e da prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, as quais sempre devem ser observadas. [...]
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser determinadas, e todos os decretos de concílios, opiniões de escritores antigos, doutrinas de homens e espíritos particulares devem ser examinados, e em cuja sentença devemos descansar, não pode ser outro senão a Escritura Sagrada entregue pelo Espírito Santo; nesta Escritura assim entregue a nossa fé finalmente se resolve.”

Este é um bom resumo da crença protestante sobre a Bíblia, e ilustra por que o cristão protestante lê, estuda, obedece e ama a Bíblia.

O que é uma Bíblia de Estudo e qual sua importância?

A Bíblia de Estudo é essencialmente o texto bíblico com notas explicativas que ajudam o leitor da Bíblia a entender os grandes temas e assuntos tratados nas Escrituras. A Bíblia é um livro antigo, escrito em idiomas que não são mais usualmente falados em nossos dias, e em uma época de cultura e costumes muito diferentes dos nossos. As notas de estudo têm o propósito de aproximar o leitor do contexto em que o texto bíblico foi produzido. Essas notas são produzidas por diversos especialistas de várias áreas de estudo, como a arqueologia, a história antiga, geografia, idiomas originais, hermenêutica bíblica e a teologia propriamente dita.

Esta Bíblia de Estudo da Fé Reformada serve-se da segunda edição da tradução bíblica Almeida Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil. Esta tradução é baseada na obra de João Ferreira de Almeida (1628-1691), que empreendeu a primeira tradução de toda a Bíblia para a língua portuguesa. João Ferreira de Almeida, nascido em Portugal, serviu como ministro da Igreja Reformada da Holanda nas colônias holandesas da região da atual Indonésia. Calvinista em sua teologia, João Ferreira empreendeu também traduções para o português de importantes obras teológicas de seu tempo, como o Catecismo de Heidelberg, além de outras importantes obras de reformadores como Martinho Lutero, João Calvino, Heinrich Bullinger, Ulrich Zwinglio, Philipp Melanchthon, Zacarias Ursino e outros.

Quanto às notas de estudo desta Bíblia da Fé Reformada, sua ênfase está na teologia desenvolvida na tradição da Reforma Protestante. Seu editor original, o reverendo R. C. Sproul (1939-2017), é reconhecido como um dos mais importantes teólogos da segunda metade do século 20 e começo do século 21. Ele fundou um centro de estudos de teologia chamado Ligonier Ministries e, através de diversas mídias, como livros, conferências teológicas e o programa de rádio Renewing your Mind, se destacou por um ensino claro, apaixonado e profundo das principais ênfases teológicas da tradição reformada. Junto de um time de experts em diferentes áreas da teologia, ele dedicou décadas para preparar esta Bíblia de Estudo, que alcançou a versão atual no ano de 2015.

A Bíblia de Estudo da Fé Reformada possui 74 introduções, inclusive para cada um dos 66 livros da Bíblia, e uma para cada grande seção, como os livros da Lei, livros históricos e poéticos, e os Evangelhos. Essas introduções dos livros bíblicos tratam de temas tais como título, autor, data, gênero, características literárias, principais temas, teologia, história da redenção, história da interpretação, além de tópicos especiais e como a mensagem do livro aponta para Jesus Cristo.

Além disso, esta Bíblia traz recursos tais como mais de 70 notas teológicas específicas do editor, R. C. Sproul; mais de 20 mil comentários feitos por 75 eruditos em diferentes áreas da teologia; tabelas de pesos e medidas; mapas coloridos do mundo bíblico antigo – talvez os mais bonitos já publicados numa Bíblia em português –; os credos dos Apóstolos e Niceno; a declaração de fé de Calcedônia e as principais confissões de fé e catecismos protestantes; artigos teológicos relacionados à Bíblia e à história da Igreja cristã etc. Aliás, esta talvez seja a primeira Bíblia de Estudo a trazer os Trinta e Nove Artigos da Religião, associados ao anglicanismo, entre as confissões de fé. São mais de 1,1 milhão de palavras traduzidas do inglês para o português.

Esta Bíblia pode ser muito útil tanto a quem deseja iniciar estudos mais qualificados sobre o texto bíblico como para leitores da Bíblia mais experientes, que desejam acessar recursos que os ajudem a organizar e aprofundar seus estudos, tanto da Bíblia como da teologia.

“Para a fé reformada, a lealdade a Deus e à sua Palavra é o elemento sine qua non do que significa ser verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo.”

Pastor Tiago J. Santos Filho

Quais os planos para o futuro?

Estamos convictos de que a Bíblia é a Palavra de Deus aos homens e entendemos a importância da distribuição desta mensagem para todo o mundo. A Bíblia já é o livro mais impresso, lido e difundido da história humana (num período de quatro anos, mais de 3 bilhões de bíblias foram impressas pelas associadas da Sociedade Bíblica Unida, à qual a Sociedade Bíblica do Brasil é ligada). Há 200 anos, a Bíblia, ou parte dela, estava disponível em apenas 68 idiomas; atualmente este número alcança impressionantes 3.415 idiomas e dialetos.

Queremos oferecer nossa modesta contribuição a esta grande “semeadura” da Bíblia através de um ousado plano de distribuição para todo o Brasil, além de alguns outros países de fala portuguesa, como Portugal e Moçambique; nosso coeditor, o Ministério Ligonier, já está organizado para atender leitores de fala portuguesa que vivam nos EUA. Temos o alvo de levar adiante, em primeiro lugar, a própria mensagem da Bíblia, além de promover o ensino da teologia da Reforma Protestante do século 16, a qual, cremos, poderá representar um impacto muito positivo na formação de obreiros e mestres no seio da igreja evangélica do Brasil. Entendemos que em um contexto de pouca formação teológica, uma Bíblia de Estudo como essa pode representar uma excelente contribuição ao ensino dos púlpitos, dos grupos de estudo bíblico e do aconselhamento pastoral.

Num tempo em que a ética cristã e mesmo a liberdade de culto e religião estão sob diferentes formas de ameaça no Ocidente, particularmente no Brasil, o ensino de uma teologia robusta, que afirma valores revelacionais de Deus para os homens, que reafirma a fé ortodoxa, que desafia aquelas pessoas tementes a Deus a submeterem sua consciência e lealdade acima de tudo a Deus (e não ao Estado ou ao governo e governantes), é algo que pode ser rotulado por pessoas intolerantes e inimigas da liberdade e da fé como radical. Mas, para a fé reformada, essa lealdade a Deus e à sua Palavra é o elemento sine qua non do que significa ser verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo. Pois, como João Calvino disse, “o Senhor não brilha sobre nós, exceto quando tomamos sua Palavra como nossa luz”.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.