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O artigo abaixo, publicado originalmente em American Reformer, em 11 de março de 2022, foi publicado com permissão na Revista Teologia Brasileira, de Edições Vida Nova, que gentilmente permitiu a publicação na Gazeta do Povo. Seu autor é Michael Young, escritor e pesquisador focado em cultura, filosofia política e a ascensão do pós-modernismo. Ele também é visiting fellow for Culture no Center for Renewing America.

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Quando o ativismo se disfarça como história

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O evangelicalismo perdeu o rumo.

É uma mensagem popular na esquerda na era pós-Trump. Para começo de conversa, a esquerda nunca gostou dos evangélicos – muito conservadores, muito antigays, muito públicos em suas objeções aos credos seculares, eles diriam –, mas Trump, a quem os evangélicos apoiaram em massa, deu a seus críticos uma nova acusação para nivelá-los: hipocrisia. Esses grandes e poderosos moralizadores, a esquerda disse, estavam dispostos a abandonar qualquer princípio para buscar poder político. Eles não tinham direito algum de pregar aos outros valores que eles não praticavam.

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O escritor evangélico David French tem estado no meio dessa conversa escrevendo sobre a intersecção da fé evangélica, política e a corrupção em artigos como “Por que cristãos se juntam a líderes corruptos”, “Uma nação de cristãos não é necessariamente uma nação cristã”, e “Desconstruindo políticos evangélicos brancos”. “‘Desconstruindo’ é um tópico popular na elite evangélica”, diz French. “É uma palavra com muitos significados. Na melhor das hipóteses, pode representar um reexame honesto e crítico não apenas de sua fé pessoal, mas também da teologia e do comportamento de sua comunidade de fé. Nós devemos estar em um constante processo de interrogação das nossas próprias crenças e ações à luz da pessoa e exemplo de Jesus Cristo. Políticos evangélicos brancos devem ser descontruídos”.

História, ou algo mais?

Kristin Kobes Du Mez, cujo livro Jesus and John Wayne: how white evangelicals corrupted a faith and fractured a nation (“Jesus e John Wayne: como evangélicos brancos corromperam uma fé e fraturaram uma nação”) é citado por French como “um argumento convincente e desafiador”, fornece um relato histórico do “caminho que termina com John Wayne” – contraposto a Cristo – “como um ícone do cristianismo”, de “áspera, heroica masculinidade encarnada por cowboys, soldados e guerreiros para apontar o caminho a seguir”. É o relato de uma igreja que mercantilizou o cristianismo, entrelaçou fé e política de direita, e “invocou uma sensação de perigo em vista de oferecer aos seguidores temerosos sua própria marca de verdade e proteção” e alimentar “militância evangélica”. É uma igreja que tem esquecido Cristo.

A esquerda nunca gostou dos evangélicos, mas Trump, a quem os evangélicos apoiaram em massa, deu a seus críticos uma nova acusação para nivelá-los: hipocrisia

Nós poderíamos aceitar, para fins de argumentação, alguns aspectos de seu relato. A variedade de falhas morais de grandes figuras no evangelicalismo estão bem documentadas. Nós também poderíamos contestar outras reivindicações, como vários revisores fizeram aqui, aqui e aqui. Contudo, também para não duplicar o trabalho de outros, iremos nos focar nos problemas fundamentais de sua estrutura teórica.

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Os fatos relatados em qualquer trabalho histórico são importantes, mas também o são os usos que esses fatos têm, as ferramentas utilizadas para analisar esses fatos, e as conclusões que são tiradas desses fatos. Detalhes precisos podem ser escolhidos a dedo e omitidos, e qualquer um deles pode permitir a criação de uma narrativa falsa ou deixar o leitor com uma impressão falsa. Em suma, o que queremos saber é se as ferramentas e análises que Du Mez emprega na curadoria de seu registro histórico são sólidas ou não, e se as conclusões que ela tira desse registro acurado são ou não justificadas. Ou seja, queremos saber se a Casa de Jesus e John Wayne foi construída sobre uma base intelectual sólida, e minha opinião é que não foi.

Jesus and John Wayne é uma ideia construída na areia movediça do pós-modernismo. Nenhum cristão interessado em sua tese pode ignorar as implicações de sua metodologia. Aceitar seu trabalho é aceitar a desconstrução pós-moderna do cristianismo.

Para entender Jesus and John Wayne, é melhor vê-lo como um tipo de resposta a questão: “Por que cristãos evangélicos, com suas éticas morais cristãs muito conservadoras, se tornaram a espinha dorsal de apoio por trás de Donald Trump, um homem que é famoso por sua linguagem rude e conhecido por suas (admitidas) infidelidades conjugais?” Esta é a pergunta que Du Mez procura responder em sua obra.

Du Mez tenta determinar o que exatamente os evangélicos conservadores acreditam sobre masculinidade, e como isso se assemelha à visão deles sobre quem na sociedade deve estar em posição de poder. Ela afirma descobrir as razões sociológicas e históricas mais profundas pelas quais os evangélicos passaram a ter essas visões sobre gênero e poder. Enquanto ela faz isso, Du Mez documenta escândalo após escândalo entre a liderança nos círculos evangélicos. Ela demanda especial atenção nos escândalos envolvendo líderes evangélicos na frente de fogo da batalha da “guerra cultural”. Du Mez traz à tona inúmeros exemplos de pessoas que foram pegas em escândalos financeiros, escândalos sexuais, escândalos de abusos e vários outros acobertamentos para esconder todos esses escândalos do público. Tudo isso ela entende que se soma às conclusões de que o evangelicalismo é racista, sexista, homofóbico e que o evangelicalismo, como está, precisa ser “desfeito”.

Du Mez prontamente admite que o trabalho dela é um trabalho de desconstrução, e que ela é influenciada pelo trabalho do filósofo pós-moderno Michel Foucault. Muito de Jesus and John Wayne é uma arqueologia foucaultiana do discurso evangélico em torno da masculinidade e uma genealogia foucaultiana de como esse discurso se desenvolveu. Se seguirmos os métodos pós-modernos até suas últimas consequências, eles dissolverão todo sistema de crenças e toda estrutura filosófica a que são aplicados, incluindo o próprio pós-modernismo. Uma filosofia ou outro método que dissolve tudo e não prova nada prova o fato que a própria filosofia ou método em si é falho. Assim é o pós-modernismo.

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Desilusões evangélicas

Por conta própria, Du Mez está tentando mostrar que “construções como ‘visão de mundo cristã’ podem refletir os interesses daqueles que as moldam, mesmo às vezes distorcendo o ensino bíblico”. O problema é que ela nunca faz uma análise adequada se as doutrinas, ideias e crenças que ela critica dessa maneira são verdadeiras ou não.

Raramente Du Mez argumenta que a teologia dos evangélicos é errada em seus méritos. Ela não mostra que eles fizeram um erro interpretativo, ela nem sequer argumenta, prova, demonstra ou de outra forma mostra que os princípios do evangelicalismo americano não são garantidos. Na verdade, ela afirma que eles são definidos por compromissos culturais e políticos e, em seguida, faz inferências negativas apenas com base nisso. Du Mez está tentando derrubar o edifício da teologia evangélica apelando para elementos da situação sociológica em que as reivindicações e justificativas teológicas evangélicas foram formadas. Na fala de Du Mez, as preocupações dos evangélicos sobre família são, na verdade, sobre sexo e poder; suas visões sobre inerrância bíblica são, na verdade, um substituto para lutas sobre gênero; e a oposição deles ao aborto é, na verdade, uma tentativa de contra-atacar os benefícios trazidos pelo feminismo. Argumentos desse tipo reinam em Jesus and John Wayne.

O método se baseia na falácia que tem sido refutada por John Searle, nomeadamente: “Se temos justificação por nossas crenças, e se as justificações compelem o critério racional, então o fato de que todos os tipos de elementos em nossa situação social que nos movem a acreditar em uma coisa ao invés de outra pode ser um interesse histórico ou psicológico, mas está realmente fora do ponto das justificativas e da verdade ou falsidade da afirmação original”.

Esse é o cerne do problema do livro de Du Mez. Seu relato sobre os evangélicos – eles são movidos por motivos errados, agendas ocultas, preconceitos injustos e busca de poder; eles são cúmplices de uma litania de coisas terríveis – não é um argumento. Du Mez está tentando derrubar o edifício da teologia evangélica ao apontar elementos da situação sociológica em que as reivindicações e justificativas da teologia evangélica foram formadas na luz menos caridosa possível. Mas, como Searle aponta, nossa situação sociológica nos inclinar ou não para uma crença não faz diferença para saber se essas crenças são verdadeiras ou não.

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Se seguirmos os métodos pós-modernos até suas últimas consequências, eles dissolverão todo sistema de crenças e toda estrutura filosófica a que são aplicados, incluindo o próprio pós-modernismo

O verdadeiro perigo aqui é que acabamos com um modo de analisarmos e entendermos teologia que é, em última instância, desancorada da verdade. Não importa se Du Mez se percebe operando de maneira tão desconstrucionista: seu método deixa de lado o difícil trabalho de determinar a verdade e o substitui pelo substituto barato de especular sobre os interesses e motivos perceptíveis das pessoas. Searle descreve o perigo da crítica desancorada pela busca da verdade: “Quais os resultados que se esperam da desconstrução? A característica do desconstrucionista é não tentar provar ou refutar, estabelecer ou confirmar, e certamente não está buscando a verdade. Ao contrário, toda essa família de conceitos faz parte do logocentrismo que ele quer superar; em vez disso, ele procura minar, ou questionar, ou superar, ou violar, ou revelar cumplicidades”.

Dessa maneira, Du Mez pensa que ela pode “ver através” das lentes teológicas dos evangélicos, e por isso pode deixá-los de lado. Em um trecho na seção conclusiva de Jesus and John Wayne, Du Mez deixa isso claro: “Apesar das frequentes afirmações dos evangélicos de que a Bíblia é a fonte de seus compromissos sociais e políticos, o evangelicalismo deve ser visto como um movimento cultural e político, e não como uma comunidade definida principalmente por sua teologia. As visões evangélicas sobre qualquer assunto são facetas dessa identidade cultural mais ampla, e nenhum número de versículos da Bíblia desalojará as verdades maiores no centro dela” (p. 365).

Isso literalmente não pode ser contradito. Ninguém pode argumentar com isso porque qualquer evangélico que conteste o relato de fé de Du Mez está em dívida, com as “facetas da identidade cultural maior [do evangelismo]”, incapaz de ver a verdade de sua situação. Não importa o que evangélicos dirão como resposta. Não importa em quê eles sinceramente acreditam. Ela irá dizer-lhes que eles não compreenderam o evangelicalismo como um fenômeno. Ela irá considerar somente aqueles argumentos que aceitam sua estrutura e se abster de quaisquer apelações teológicas, porque o evangelicalismo não é definido pela teologia, não importa o que os próprios evangélicos aleguem.

Uma vez que o leitor perceba que é isso o que Du Mez trama, ele terá noção do como ela chegou a muitas de suas conclusões. Ela simplesmente ignora as alegações do próprio evangélico sobre o que o move, e decide analisar o evangelicalismo pelas lentes do cinismo que ela construiu. As calúnias de Du Mez são tão casuais quanto amplas: “À medida que os evangélicos começaram a se mobilizar como uma força política partidária, eles o fizeram reunindo-se para defender os ‘valores familiares’. Mas a política de valores familiares nunca foi sobre proteger o bem-estar da família. Fundamentalmente, os ‘valores familiares’ evangélicos implicavam a reafirmação da autoridade patriarcal. Em seu nível mais básico, a política de valores familiares era sobre sexo e poder” (p. 110).

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Pegou a ideia? Du Mez joga de lado o estado motivacional do evangélico sobre cuidar das famílias. O leitor pró-família ouve que sua real preocupação é sexo e poder. Isso é Foucault puro. Foucault é famoso (ou infame) por argumentar que o desejo por verdade em um tópico específico normalmente são máscaras de perseguição pelo poder, ou são corrompidas por perseguir o poder. Isso é o que vemos aqui.

O que Du Mez está fazendo aqui é precisamente o que John Searle disse que a desconstrução faz. Ela “procura minar, ou questionar, ou superar, ou violar, ou divulgar cumplicidades”. Por isso leitores simpáticos devem manter em mente que ela é engajada em um projeto deliberado: a desconstrução do evangelicalismo e o desmantelamento da visão evangélica sobre masculinidade. Ela não tropeçou em tal projeto; ela prontamente admite que é o objetivo de seu trabalho: “Embora o culto evangélico da masculinidade remonte a décadas, seu surgimento nunca foi inevitável. Ao longo dos anos, ela foi abraçada, ampliada, desafiada e resistida. Os próprios homens evangélicos promoveram modelos alternativos, elevando a gentileza e o autocontrole, o compromisso com a paz e o despojamento do poder como expressões da autêntica masculinidade cristã. No entanto, entender o papel catalisador que a masculinidade cristã militante desempenhou ao longo do último meio século é fundamental para entender o evangelicalismo americano hoje e o cenário político fraturado da nação. Entender como essa ideologia se desenvolveu ao longo do tempo também é essencial para quem deseja desmantelá-la. O que já foi feito também pode ser desfeito” (p. 363).

Evangélicos não estão acima de críticas. Entretanto, não é suficiente apontar que há hipocrisia, mau comportamento, atos errados, ou dor causada por quem mantém uma certa visão. Há muito disso associado com cada visão, e em todo movimento. Entre outras coisas, Du Mez acusa evangélicos de hipocrisia, virando um olho cego para abuso de poder, e transformando “valores familiares” em questão de sexo e poder. Mesmo se admitíssemos que essas coisas fossem verdadeiras (e não exageradas por meio de omissões e fatos escolhidos a dedo), o que isso teria a ver com as alegações teológicas em jogo? Du Mez nos pede para desmantelar o evangelicalismo americano sem nunca demonstrar que seus pontos de vista são falsos. Não há necessidade de demonstrar que os pontos de vista dos evangélicos são falsos; melhor simplesmente persuadi-los a confessar sua culpa e erro.

A desconstrução nunca acaba

Não pode haver ponto de parada no método de desconstrução de Du Mez. Isso ocorre porque Du Mez parece ter adotado mais duas ideias: 1. Todas as visões, inclusive a dela, são construídas histórica e socialmente. 2. Não há proposições objetivas e atemporais. As proposições devem sempre ser interpretadas, e a interpretação é sempre um produto de circunstâncias históricas e culturais e sempre feita a partir de uma determinada posição cultural e social.

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Essas duas ideias fazem Du Mez ter de aceitar um tipo de relativismo epistemológico. Se toda interpretação é uma razão de circunstâncias culturais, e toda interpretação é vinculada por uma posição cultural e social, então conseguir uma interpretação objetiva de qualquer coisa é impossível. Não há duas culturas, épocas ou lugares idênticos e, portanto, nunca haverá duas interpretações de culturas, épocas ou lugares diferentes que sejam idênticas. Se aceitarmos isso, então em que grau podemos julgar a verdade dessas interpretações? Se pessoas de diferentes culturas, tempos e lugares interpretam as Escrituras em formas que são logicamente contraditórias, como nós decidimos a verdade disso, e com qual base nós determinamos que a interpretação decidida é a correta?

Du Mez nos pede para desmantelar o evangelicalismo americano sem nunca demonstrar que seus pontos de vista são falsos

É um tipo de relativismo que sai do construtivismo social. Novamente, John Searle descreve da seguinte forma: “O construtivista social está ansioso para expor a construção onde não se suspeitava, onde algo que é de fato essencialmente social passou a mascarar-se como parte do mundo natural. Muitos construtivistas sociais acham isso libertador porque nos liberta da aparente opressão de supor que somos forçados a aceitar afirmações sobre o mundo como questões de fato independentes da mente quando, na realidade, todas são socialmente construídas. Se não gostamos de um fato que outros construíram, podemos construir outro fato que preferimos”.

Algo similar está em jogo em Jesus and John Wayne, mas, em vez de argumentarmos que “algo que é de fato essencialmente social passou a mascarar-se como parte do mundo natural”, Du Mez está lançando as bases para argumentar que as interpretações evangélicas das Escrituras são de fato essencialmente sociais e culturais, mas passaram a mascarar-se como o significado objetivo das Escrituras. Uma vez que a pessoa tenha aceito o desconstrutivismo social a que Du Mez aderiu, ela não tem outra opção a não ser concluir que é impossível extrair qualquer verdade objetiva e atemporal das Escrituras. Na verdade, se alguém aplicar essas duas ideias à interpretação da verdade generalizada e não somente para a interpretação textual, o projeto completo de tentar encontrar qualquer verdade absoluta, objetiva, e eterna se torna impossível.

Os mesmos métodos que Du Mez usa para ver e deixar de lado as reivindicações evangélicas podem ser usados para ver e deixar de lado todas as reivindicações, incluindo aquelas feitas pela própria Du Mez. Pois é inteiramente possível aplicar ao teórico pós-moderno os mesmos métodos que o teórico pós-moderno aplica a todos os outros. Para citar C. S. Lewis em A Abolição do homem: “O tipo de explicação que explica as coisas pode nos dar alguma coisa, embora a um custo alto. Mas você não pode continuar ‘explicando’ para sempre: você descobrirá que explicou a própria explicação. Você não pode continuar a ‘ver através’ das coisas para sempre. Todo o objetivo de ver através de algo é ver algo através disso. É bom que a janela seja transparente, porque a rua ou jardim além dela é opaca. E se você visse através do jardim também? Não adianta tentar ‘ver através’ dos primeiros princípios. Se você vê através de tudo, então tudo é transparente. Mas um mundo totalmente transparente é um mundo invisível. ‘Ver através’ de todas as coisas é o mesmo que não ver”.

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O tipo de argumentação que pode ver através e descartar qualquer justificação para uma crença pode ser usado para ver através e descartar toda justificação. Se a filosofia pós-moderna é correta no que argumenta, e razões e justificativas são máscaras para tentativas de ter poder, então os argumentos, razões e justificativas do teorista pós-moderno também são vistas da mesma forma. O solvente do pós-modernismo se dissolve em si mesmo.

Entretanto, não é meramente que o pensamento pós-moderno se dissuada em si mesmo, é que não há como parar, e nenhum princípio limitador. Se nós adotarmos a posição de Du Mez, de métodos pós-modernos, não haveria problema em desconstruir tudo, desde a expiação substitutiva até a própria Igreja, o Credo Niceno. Muitos já estão batendo naquela porta. O teólogo ativista Robyn Henderson-Espinoza escreve: “Os caminhos de Jesus nunca tiveram a intenção de ser institucionalizados. Eles foram institucionalizados como resultado do poder e controle, e de tal maneira que o cristianismo pós-Constantino só pode ser entendido como uma religião do império”.

Se nós aceitarmos essa visão, nós podemos prever como o argumento segue a partir daqui: o Concílio de Niceia foi estruturado para produzir um credo que beneficiaria os interesses tanto de Constantino quanto de seu império, enquanto ao mesmo tempo legitimaria sua teologia, preservando suas visões permanentemente em um credo que definiu ortodoxia para o cristianismo. Mais adiante, já que o Credo de Niceia foi criado inteiramente por homens, o credo é deformado pelos interesses dos homens que o criaram e pela ausência de pessoas e mulheres queer. Isso significa que todo credo usado para definir ortodoxia foi construído sobre uma fundação patriarcal e injusta. Finalmente, desde que o Credo de Niceia foi um produto de seu tempo e lugar particular, é um produto dos preconceitos culturais daqueles que o moldaram e, portanto, não uma declaração objetiva de verdade atemporal.

O argumento acima é conclusão natural dos próprios métodos e raciocínios usados ​​por Du Mez em Jesus and John Wayne. Não é preciso saber um único fato sobre o evangelicalismo americano ou uma única afirmação de fé mantida pelos cristãos para refutar o evangelicalismo apenas com base nisso. Um leitor cristão que deseje evitar essa conclusão, ou que veja por que esse raciocínio não funciona quando aplicado ao Credo Niceno, pode duvidar de sua adoção de um livro dependente dos mesmos antecedentes.

Pau que dá em Chico também dá em Francisco

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O mesmo ceticismo que Du Mez usa em suas críticas de várias redes evangélicas pode ser voltado contra a ela própria para ver quão pouco peso sua crítica deve receber.

Se a filosofia pós-moderna é correta no que argumenta, e razões e justificativas são máscaras para tentativas de ter poder, então os argumentos, razões e justificativas do teorista pós-moderno também são vistas da mesma forma

Du Mez destaca o fato de que John Piper, Mark Driscoll e Douglas Wilson trabalharam um com o outro com certa frequência: “Wilson convidou Driscoll para falar em sua igreja; Piper convidou Wilson para discursar na conferência de seu pastor; os líderes compartilharam palcos, divulgaram os livros uns dos outros, falaram nas conferências uns dos outros e endossaram uns aos outros como homens de Deus com um coração para o ensino do evangelho. Dentro dessa rede, diferenças – divergências doutrinárias significativas, divergências sobre os méritos relativos da escravidão e da Guerra Civil – poderiam ser suavizadas no interesse de promover ‘questões divisoras de águas’ como complementarismo, proibição da homossexualidade, existência do inferno e expiação. Mais fundamentalmente, eles estavam unidos em um compromisso mútuo com o poder patriarcal. Por meio dessa rede em expansão, líderes e organizações evangélicas ‘respeitáveis’ deram cobertura a seus ‘irmãos no evangelho’ que estavam promovendo expressões mais extremas do patriarcado, tornando cada vez mais difícil distinguir as margens do mainstream. Com o tempo, um compromisso comum com o poder patriarcal começou a definir os limites do próprio movimento evangélico, como descobriram rapidamente aqueles que se chocavam com essas ortodoxias” (p. 244).

À luz desses comentários, o que devemos fazer com o fato de que Robyn Henderson-Espinoza (o teólogo mencionado anteriormente que disse que todo o cristianismo pós-Constantino é uma “religião-império”) dividiu um palco com Brian McLaren e que Brian McLaren endossou o livro de Henderson-Espinoza e Jesus e John Wayne? O que devemos fazer com o fato de que, em resposta ao endosso de McLaren, Du Mez disse: “E @brianmclaren também está nisso, mas ele é um dos mocinhos”? Já que Du Mez está endossando McLaren como “um dos mocinhos”, e já que McLaren endossou o próprio livro em que Henderson-Espinoza declarou que todo o cristianismo pós-Constantino é uma religião do império, agora podemos tirar conclusões sobre Du Mez da mesma forma que ela tira conclusões sobre os outros? Estas divulgações e endossos mútuos de livros, e compartilhamento de palcos não são exatamente o que Du Mez diz que Piper, Wilson e Driscoll fizeram quando ela junta os três?

Du Mez deixa claro que ela deseja examinar cautelosamente as redes de contatos do evangelicalismo americano: “Tentei me esforçar para diferenciar mesmo quando identifiquei afinidades. E muitos evangélicos são moldados pelo mainstream e influências ‘extremistas’. O que é um recurso e o que é um bug? Podemos descer em lugares diferentes, mas esta é uma questão essencial. [Para que conste], continuo mais convencida agora do que nunca de que é de fato ‘a relação entre os centros e as margens que exige escrutínio’”.

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Du Mez é ávida a “interrogar” o uso informal (algumas vezes formal) das redes de contato cristãs para espalhar suas ideias. Nós podemos fazer as mesmas coisas com Du Mez e suas ideias. Vamos mapear quem, no lado progressista, está se colocando em plataforma, compartilhando palcos, impulsionando sinais e criando redes informais e formais para espalhar ideias progressistas. Vamos ver onde Kristin Kobes Du Mez se encaixa nessa rede, de quais relacionamentos ela se beneficia e quais ideias as pessoas com quem ela está associada estão promovendo. Talvez possamos reinterpretar (e talvez até desconstruir) o trabalho de Kristin Du Mez com base em como essas perguntas são respondidas.

Embora o primeiro gole de desconstrução e pós-modernismo tenha gosto de maestria e libertação, o relativismo e o niilismo estão esperando por você no fundo do copo

Du Mez é enganada por seu próprio padrão. Para citar Jesus: “Pelas tuas palavras serás absolvido e pelas tuas palavras serás condenado”. De fato.

Os métodos, atitudes e raciocínios pós-modernos que Du Mez usa dissolverão tudo a que se aplicam. Nada pode sobreviver ao banho de ácido da análise pós-moderna. A diferença entre esses métodos e os métodos do pensamento cristão é a diferença entre iluminar o mundo e incendiá-lo.

Em seu livro On deconstruction, Jonathan Culler diz: “O efeito das análises desconstrutivas, como muitos leitores podem atestar, é conhecimento e sentimentos de domínio” (p. 225). No entanto, deixe o leitor entender: embora o primeiro gole de desconstrução e pós-modernismo tenha gosto de maestria e libertação, o relativismo e o niilismo estão esperando por você no fundo do copo.

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