Ouça este conteúdo
Dando continuidade às matérias que Gazeta do Povo já tem publicado, mostrando como muitas organizações de “cristãos progressistas” são sustentadas com dinheiro vindo de organizações eclesiásticas esquerdistas, Vitor Grando compartilha hoje suas pesquisas sobre John D. Rockefeller Jr., que pode ser considerado o patrono da teologia liberal, e criou o paradigma que norteia organizações esquerdistas a financiarem organizações paraeclesiásticas de orientação teológica liberal e progressista. Grando, presbítero na Igreja Presbiteriana do Bairro Imperial, é mestre em Filosofia pela UFRJ e mestrando em Teologia pela PUC-Rio, e escreve regularmente em seu perfil no Instagram.
Rockefeller Jr., uma fortuna a serviço da teologia liberal
No início do século 20, o protestantismo foi subitamente tomado pela ameaça da teologia liberal. Mantendo a tradicional linguagem da teologia cristã, os liberais a ressignificam fazendo com que, agora, as doutrinas clássicas fossem interpretadas à luz dos valores da sociedade secular. Roger Olson nos dá uma definição do liberalismo teológico que, penso eu, define a essência do movimento. O liberalismo é um movimento teológico que concede “o máximo reconhecimento às alegações da modernidade no pensamento doutrinário cristão”. Nesse sentido, as crenças modernas são consideradas o critério de verdade ao qual a doutrina cristã precisa se dobrar, numa expressão pueril do que C.S. Lewis chamava de esnobismo cronológico.
Poucos sabem, porém, que o avanço do liberalismo não se deu apenas pelos tão alardeados méritos intelectuais dos seus expoentes, mas contou com o substancial patrocínio de John Rockefeller Jr., herdeiro do magnata do petróleo John D. Rockefeller. A sua Standard Oil chegou a controlar 90% da extração de petróleo dos EUA. Para dimensionarmos sua fortuna, Elon Musk, atualmente o homem mais rico do mundo, tem US$ 263,4 bilhões. Estima-se que a fortuna de John D. Rockefeller teria sido o equivalente, em valores atuais, a US$ 381,6 bilhões, tornando-o, de longe, o homem mais rico da história dos EUA.
O patrocínio da Fundação Rockefeller a causas progressistas é público e notório. A família Rockefeller, em especial Rockefeller Jr., defendia, por exemplo, o trabalho de Margaret Sanger na promoção da contracepção como meio de melhorar a saúde pública e materna. A Planned Parenthood, hoje maior organização abortista dos EUA, recebeu apoio da Fundação Rockefeller no início de suas atividades. Mas essa história começa muito antes, com a intervenção determinante de Rockefeller Jr. a favor dos liberais no auge da controvérsia fundamentalista.
O patrocínio da Fundação Rockefeller a causas progressistas é público e notório
Rockefeller Jr. e Harry Fosdick, o pastor dos liberais
Na trincheira do liberalismo estava Harry Fosdick, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Nova York. Fosdick proferiu, em 1922, um sermão intitulado “Shall the Fundamentalists Win?”(“Os fundamentalistas vencerão?”), em que defendia a causa liberal.Supondo que os avanços do conhecimento científico e social das décadas anteriores eram incompatíveis com as doutrinas tradicionais do cristianismo, ele defendia a adequação da doutrina cristã a esse suposto “novo conhecimento” exemplificando exatamente a postura que Olson e Lewis definem nas citações do início deste artigo.
Admirado pelas ideias de Fosdick, Rockefeller Jr. patrocinou a impressão de 130 mil cópias do texto para serem distribuídas a todo pastor protestante do país, estabelecendo, assim, Fosdick como uma referência entre pastores liberais.
Rockefeller não queria o enfrentamento direto contra os que considerava “fundamentalistas”. Por isso, o sermão de Fosdick foi renomeado para “The New Knowledge and the Christian Faith” (“O novo conhecimento e a fé cristã”). Rockefeller justificou a mudança de título dizendo: “O objetivo de circular este sermão é fazer com que as opiniões nele expressas sejam amplamente lidas e não gerar discórdia. O título que sugiro é claro e descritivo de maneira precisa, ao mesmo tempo, não incita controvérsia. [...] Esta é apenas uma sugestão; o que Raymond Fosdick achar mais prudente, e talvez ele queira discutir o assunto com seu irmão, será satisfatório para mim”.
Percebam que, nessa citação, há menção a um outro Fosdick: Raymond. Trata-se do irmão do pastor Harry. Raymond Fosdick foi advogado de Rockefeller, presidente da Fundação Rockefeller de 1936 a 1948, e autor de uma biografia do seu velho amigo: John D. Rockefeller, Jr., a Portrait, publicada em 1958. A família Fosdick, portanto, tinha laços muito próximos com Rockefeller Jr.
Não satisfeito em promover as ideias liberais de Harry Fosdick, Rockefeller lhe fez uma oferta imperdível: ele construiria uma catedral interdenominacional em Nova York se Fosdick aceitasse presidi-la. Fosdick, na iminência de ser condenado por heresia pela Igreja Presbiteriana, aceitou o convite e, à custa de US$ 10,5 milhões da fortuna dos Rockefeller, foi construída a Riverside Church, em 1924, até hoje um bastião do protestantismo liberal. Vale apontar que, à época, o dólar evidentemente valia muito mais do que hoje. Com o custo corrigindo pela inflação anual, estamos falando de uma obra de US$ 192 milhões. Seguindo a fidelidade liberal ao “novo conhecimento”, a igreja, na sua entrada, traz esculpidos Jesus e seus apóstolos sustentando, acima deles, filósofos e cientistas como Immanuel Kant, Pitágoras, Charles Darwin e Albert Einstein.
Rockefeller Jr. e o Union Theological Seminary: a casa dos liberais
Ao lado da igreja, encontra-se o famoso Union Theological Seminary, proeminente centro da teologia liberal na primeira metade do século 20, casa de ilustres professores como Reinhold Niebuhr, Paul Tillich e onde o pastor presbiteriano Rubem Alves obteve seu mestrado. Rockefeller também foi fundamental no financiamento do Union durante essa época.
Em 1924, foram concedidos ao seminário US$ 1.083.834, somados a US$ 1,25 milhão de um doador anônimo; em 1953, foram US$ 250 mil para o estabelecimento da Cátedra Harry Emerson Fosdick; em 1954, mais US$ 525 mil para um programa de estudos avançados para promissores jovens líderes religiosos. Segundo o Relatório Anual de 1957 da Fundação Rockefeller, US$ 15 mil foram destinados para financiar pesquisas de Reinhold Niebuhr, do Union. Niebuhr, diz o relatório, planejava “examinar a estrutura geral da ética política, com seus amplos padrões de paz, justiça, igualdade e liberdade, no contexto das geralmente duras e complexas realidades da política mundial”. No mesmo ano, outros US$ 3 mil foram também destinados a Robert E. Seaver, também professor do Union. Mais US$ 4,2 mil foram concedidos ao seminário em 1950.
É importante lembrar, novamente, que estamos falando de uma época em que o dólar valia muito menos. A quantia de US$ 4,2 mil concedida em 1950, por exemplo, equivale à substancial quantia de US$ 54.875,38 em valores atuais. Somando-se todas as quantias citadas acima, chegamos a mais de US$ 29 milhões, em valores atuais, doados ao Union entre 1924 e 1957.
Talvez a tentativa mais ousada dos Rockefeller de controlar o mundo cristão tenha sido seu papel decisivo na formação do Conselho Mundial de Igrejas
A influência de Rockefeller não se resumia às suas generosas doações; muitas figuras ligadas ao Union tinham relações muito próximas com ele. Henry Van Dusen, presidente do seminário de 1945 a 1963, serviu também no Conselho Diretor da Fundação Rockefeller. Também ativo no Union estava John Foster Dulles, sócio do escritório de advocacia Sulivan and Cromwell, que tinha como clientes a Standard Oil dos Rockefeller. Foster serviu como conselheiro do Union e exerceu papel estratégico na formação da declaração de política externa do Conselho Nacional de Igrejas dos EUA.
No fim da década de 1960, o financiamento da Fundação Rockefeller diminuiu substancialmente e, com isso, o seminário passou a enfrentar uma séria crise financeira. Em 1971, em matéria do New York Times sobre a crise do seminário, Horace Havemeyer Jr., então presidente do Conselho de Administração, explicou que descendentes das famílias que outrora eram grandes financiadoras do seminário – entre eles, os Rockefeller – passaram a preferir financiar causas seculares como organizações dos direitos civis.
Assim, demonstrando a natureza parasitária do liberalismo, o Union, depois de décadas servindo à causa liberal, foi abandonado pelo parasita a que serviu de hospedeiro. Não obstante, sem as vultosas somas de outrora, o seminário aparece recentemente na folha de pagamento da Fundação Rockefeller tendo recebido um total de US$ 100 mil nos anos de 2022 e 2024 para fomentar uma iniciativa de oposição ao “Nacionalismo Cristão Branco”.
Mas não foi só no Union que Rockefeller tinha especial interesse. Por meio de seu Sealantic Fund, ele investiu pesadamente em educação teológica. Segundo o próprio site da Fundação Rockefeller, por meio do Sealantic Fund mais de US$ 20 milhões (incríveis US$ 446 milhões se considerarmos a inflação desde 1938) foram investidos no Theological Education Fund. Além do Union, beneficiaram-se de apoio do Sealantic a Harvard Divinity School (que em 1944 recebeu US$ 1 milhão), o New York City’s Interchurch Center e o Interdenominational Theological Center. A instituição do Sealantic seguiu-se a uma pesquisa sobre educação teológica conduzida por um comitê da American Association of Theological Schools, pesquisa essa também subsidiada por Rockefeller, com US$ 20 milhões.
Rockefeller Jr. e o Conselho Mundial de Igrejas: O conselho dos liberais
No mesmo bairro do Union e da Riverside Church, no fim da década de 1950, os Rockefeller também construíram o imponente Interchurch Center, sede de diversas agências ecumênicas e denominacionais do protestantismo liberal. Mas talvez sua tentativa mais ousada de controlar o mundo cristão tenha sido seu papel decisivo na formação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI).
O CMI foi fundado oficialmente em 1948, em Amsterdã, com o objetivo de promover a unidade e cooperação entre as igrejas cristãs de todo o mundo. Surgiu após décadas de movimentos ecumênicos, que buscavam superar as divisões entre as denominações cristãs. O CMI reúne diversas tradições cristãs, incluindo ortodoxos, protestantes, anglicanos e alguns grupos evangélicos, mas a Igreja Católica Romana participa apenas como observadora.
Desde os seus primórdios, o CMI evidenciou sua simpatia com o liberalismo teológico e com as ideias socialistas. O CMI foi local de trabalho, por muito tempo, do pedagogo brasileiro Paulo Freire, intelectual de inquestionáveis credenciais marxistas. Freire foi convidado para atuar na Universidade de Harvard, mas preferiu aceitar o convite do CMI. Assim, em 1970, ele partiu para Genebra para assumir a função de consultor de Programas Populares em Educação do Escritório de Educação do CMI, em que ficou até 1980. Foi nessa época, por exemplo, que Freire escreveu o prefácio à edição argentina do clássico livro de James Cone A Black Theology of Liberation (“Teologia Negra da Libertação”). Cone era, é claro, professor do Union.
J.I. Packer, o famoso teólogo anglicano inglês, anunciou em 1973 seu afastamento do CMI dizendo que já nos anos 1960 havia se tornado claro que o CMI tinha assumido uma agenda relativista pautando-se mais na autoridade do mundo secular do que na Bíblia. Em 1968, foi o eminente pregador anglicano inglês John R. W. Stott que, em discurso no CMI, advertiu a assembleia quanto ao seu afastamento do ideal missionário.
Em 23 anos, John D. Rockefeller Jr. sozinho investiu na causa liberal o equivalente a 57 anos do orçamento anual da Igreja Presbiteriana do Brasil
Documento oficial do Conselho Mundial de Igrejas demonstra o papel decisivo de Rockefeller Jr. em sua criação. Em “The Story of Bossey: A Laboratory for Ecumenical Life”, documento que narra a história do Château de Bossey, sede do Instituto Ecumênico do CMI, o nome de Rockefeller aparece uma dúzia de vezes. O documento menciona, sem detalhar valores, ao menos três substanciais doações de Rockefeller Jr. ao CMI na sua origem, o que permitiu, entre outras coisas, a compra do Château de Bossey. O documento ainda é bastante explícito ao concluir: “A preocupação ecumênica com a educação teológica começou com o Conselho Missionário Internacional; e foi uma doação de dois milhões de dólares de John D. Rockefeller Jr. que possibilitou, em 1958, o lançamento do Fundo para Educação Teológica. Bossey e esse Fundo, portanto, compartilham a mesma origem financeira” (grifo nosso).
Conclusão
Somente neste pequeno recorte que fizemos aqui, chegamos à quantia, em valores atuais, de até US$ 668 milhões de 1924 a 1957, o equivalente a cerca de R$ 3,65 bilhões. A título de comparação, a Igreja Presbiteriana do Brasil arrecadou, em 2023, pouco mais de R$ 63 milhões em ofertas e doações. Ou seja, em 23 anos, John D. Rockefeller Jr. sozinho investiu na causa liberal o equivalente a 57 anos do orçamento anual da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Vale lembrar, novamente, que se trata de um recorte que não inclui, por exemplo, detalhamento dos substanciais valores investidos no CMI e outras organizações. É difícil superestimar a influência decisiva que esse único homem exerceu na causa liberal.
O liberalismo teve o seu auge na primeira metade do século 20, declinando a partir da década de 1960. É comum se dizer que a Segunda Guerra Mundial demoliu todo o otimismo do liberalismo, causando seu declínio. Mas há outro fator a se ponderar: Rockefeller Jr. faleceu em 11 de maio de 1960.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos