O ditador venezuelano Nicolás Maduro: controle dos meios de comunicação e das forças armadas garante sua permanência no poder.| Foto: EFE/MIGUEL GUTIERREZ
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A situação política na Venezuela durante o governo ditatorial de Nicolás Maduro, que conta com o apoio do presidente socialista Lula da Silva, tem levantado perguntas sobre a natureza e a durabilidade das ditaduras. Observadores internacionais frequentemente se indagam por que, mesmo diante do descontentamento popular e das diversas crises econômicas, o esquerdista Maduro permanece no poder. A resposta para essa questão está na compreensão fundamental de como as ditaduras operam: o apoio popular não é necessário para a sobrevivência de um regime ditatorial. Para entender isso, é válido analisar a história e os mecanismos que sustentam ditaduras como a da Venezuela.

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O precedente histórico das ditaduras

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Desde o fim dos anos 1950, a brutal ditadura cubana tem resistido, apesar de décadas de sanções econômicas e oposição tanto interna quanto externa. De maneira semelhante, o regime soviético, responsável pela morte de milhões, perdurou por mais de 70 anos. Outros casos notáveis incluem a Coreia do Norte e a China, onde regimes ditatoriais se mantêm no poder há décadas, apesar das numerosas dificuldades e da ausência de um verdadeiro apoio popular.

Esses exemplos históricos evidenciam que a chave para a longevidade de uma ditadura não reside no apoio da população, mas sim na capacidade de controlar os meios de repressão e comunicação. Em um regime ditatorial, o que realmente importa é dominar as forças armadas, a polícia e outros órgãos de segurança, bem como a capacidade de suprimir a dissidência e controlar a narrativa pública.

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Controle dos meios de repressão

A principal característica de uma ditadura é o domínio total dos meios de repressão. Isso implica que a autoridade governamental detém o poder de usar a força para sufocar qualquer tipo de discordância. Na Venezuela, Maduro tem mantido um controle rígido sobre as forças armadas e a polícia, assegurando que qualquer tentativa de rebelião seja prontamente reprimida. Além disso, o governo se vale de milícias e grupos paramilitares para amedrontar e perseguir opositores, criando um clima de temor que desencoraja a resistência.

A chave para a longevidade de uma ditadura não reside no apoio da população, mas sim na capacidade de controlar os meios de repressão e comunicação

O controle dos meios repressivos possibilita ao regime ditatorial deixar claras as consequências para aqueles que se posicionam contra o governo. Prisões arbitrárias, atos de tortura e desaparecimentos dos inimigos do Estado são métodos empregados para silenciar críticos e impedir a efetiva organização da oposição. Esse controle é fundamental para a manutenção da ditadura, pois garante que a população esteja sempre ciente das consequências de qualquer ato de resistência.

A existência de prisões e centros de tortura, como o “El Helicoide”, anteriormente destinado a ser um centro comercial no centro-oeste de Caracas, funciona como uma forma intimidatória sobre uma população desarmada, incapaz de se opor aos métodos repressivos do governo. O governo permitiu que os detentos assumissem o controle das prisões por meio de grupos criminosos conhecidos como “pranes”, que atuam tanto dentro quanto fora das instituições carcerárias. Um exemplo notório é o grupo chamado “Tren de Aragua”, operando a partir da Penitenciária de Tocorón, no estado central de Aragua, com conexões em países como Peru, Chile, Estados Unidos e até mesmo no Brasil.

Controle da comunicação

Além de dominar os meios de repressão, as ditaduras também contam com o controle da comunicação. Na Venezuela, o governo de Maduro exerce um controle estrito sobre a mídia, calando jornalistas independentes e fechando meios de comunicação críticos ao regime. A propaganda oficial é usada para influenciar a opinião pública e disseminar a narrativa oficial do governo, enquanto a censura evita que informações desfavoráveis ao governo sejam divulgadas.

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Propaganda estatal

A propaganda estatal desempenha um papel essencial na manutenção do regime autoritário. Ao influenciar a narrativa pública, o governo consegue distorcer a percepção da realidade e moldar a opinião do público a seu favor. Na Venezuela, o governo de Maduro utiliza a propaganda para justificar suas ações e desacreditar os opositores. Através dos meios de comunicação estatais, o governo tenta transmitir uma imagem de estabilidade e progresso, ao mesmo tempo que culpa a oposição e fatores externos pelos problemas enfrentados pelo país. Durante a última corrida presidencial, por exemplo, houve uma ampla divulgação da propaganda pró-Maduro nos meios de comunicação, enquanto os demais candidatos tiveram pouca visibilidade.

Censura e repressão da mídia independente

A censura é uma ferramenta essencial para regimes ditatoriais. Na Venezuela, a repressão à imprensa independente é intensa. Jornalistas que criticam o governo são perseguidos, detidos ou forçados a deixar o país, e meios de comunicação que desafiam a narrativa oficial são fechados ou têm suas licenças revogadas. Esse controle começou com Hugo Chávez, que em 2007 não renovou a concessão do canal mais antigo do país, a Radio Caracas Televisión (RCTV). A partir daí, a independência da mídia ficou condicionada às ameaças de não renovação das licenças pela Conatel, a agência estatal responsável pelas concessões na Venezuela. Isso causou uma cadeia de eventos em que canais de televisão (como o Globovisión, um canal de notícias) e jornais (como El Universal, um dos mais antigos do país) foram comprados por agentes governamentais ou testas-de-ferro. Essa censura cria um ambiente no qual apenas as versões oficiais dos acontecimentos são divulgadas amplamente, dificultando a disseminação de informações precisas e minando os esforços da oposição.

Controle das redes sociais

No mundo atual, as redes sociais representam uma ferramenta poderosa para a comunicação e a organização. Regimes ditatoriais contemporâneos, como o da Venezuela, têm percebido essa importância e adotado medidas para controlar e censurar as redes sociais. O governo de Maduro emprega leis de controle da internet para vigiar e censurar conteúdos on-line, bloqueando sites de notícias e plataformas de mídia social que criticam o regime. Essa regulação das redes sociais é crucial para impedir que a oposição se organize e mobilize a população contra o governo. Atualmente, há uma iniciativa em andamento para oficializar a regulamentação das redes sociais, limitando seu uso conforme o modelo chinês.

Controle dos meios de produção

Uma outra estratégia fundamental para manter uma ditadura é o domínio dos meios de produção. Na Venezuela, o governo, desde a era de Hugo Chávez, tem estatizado empresas e confiscado propriedades privadas, colocando a economia sob o controle do Estado. Isso gera uma situação em que os cidadãos ficam dependentes do governo para sua sobrevivência, tornando difícil qualquer forma de resistência. Embora haja negócios e empresas privadas, muitas delas têm o Estado como seu principal cliente, o que prejudica a livre concorrência.

Nacionalização e expropriação

As políticas de nacionalização e expropriação na Venezuela têm sido defendidas pelo governo como medidas para reduzir a desigualdade e promover a justiça social. No entanto, essas ações resultaram em consolidar o domínio estatal sobre a economia. Empresas privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras, foram confiscadas e passaram a ser geridas pelo Estado. Isso não só assegura que a economia esteja sob o comando do governo, mas também gera uma classe de empresários leais ao regime que contam com o governo para seu sucesso.

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O desarmamento da população tem sido uma estratégia recorrente em regimes ditatoriais ao longo da história para evitar possíveis revoltas da população, criando um cenário em que a resistência se torna praticamente inviável

Dependência econômica

Historicamente, a Venezuela tem sido conhecida por sua dependência excessiva do Estado e por ser um país que se baseia principalmente na produção de um único produto. No entanto, durante os governos de Chávez e Maduro, essa dependência atingiu níveis extremos. Ao controlar os meios de produção, o governo conseguiu distribuir recursos de maneira seletiva, recompensando aqueles que apoiam o regime e punindo seus opositores. Isso resultou na formação de uma classe privilegiada ligada ao partido no poder, que possui um interesse direto na perpetuação do governo atual. Essa elite representa a base crucial de apoio para a ditadura, fornecendo os meios e a lealdade necessários para reprimir a população.

O desarmamento da população

Em muitos regimes ditatoriais, é comum a estratégia de desarmar os cidadãos. Na Venezuela, embora originalmente a posse de armas não fosse parte da cultura local, houve um aumento significativo na compra de armamentos desde os anos 1990 para lidar com a crescente violência. O governo liderado por Maduro, seguindo as diretrizes estabelecidas por Chávez, tem adotado políticas rigorosas de controle de armas, restringindo o acesso da população e limitando o armamento apenas às forças leais ao regime – e isso foi feito com o apoio da organização brasileira Viva Rio. A legislação sobre controle de armas é usada pelo governo como justificativa para desarmar os civis, argumentando que tais medidas visam reduzir a criminalidade e a violência. Na prática, essa abordagem resulta em uma população vulnerável diante do aparato repressivo estatal, impedindo qualquer tentativa de resistência armada e consolidando o controle do regime sobre o país.

O desarmamento da população tem sido uma estratégia recorrente em regimes ditatoriais ao longo da história para evitar possíveis revoltas da população, criando um cenário em que a resistência se torna praticamente inviável e facilitando a manutenção do poder pelo regime. Na Venezuela, essa estratégia tem se mostrado particularmente eficaz ao deixar os cidadãos sem recursos para enfrentar as forças paramilitares e as forças de segurança do Estado.

A Igreja Católica

A influência da Igreja Católica na Venezuela durante a crise atual é significativa, já que ela presta auxílio humanitário, defende os direitos humanos e promove o diálogo. Através de entidades como a Cáritas Venezuela, a Igreja distribui alimentos e remédios essenciais para ajudar a população diante da escassez. Além disso, a Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) denuncia publicamente os abusos e violações de direitos humanos perpetrados pelo governo esquerdista, mantendo uma postura sólida em defesa da dignidade humana.

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Além do suporte material, a Igreja oferece apoio espiritual e psicológico para fortalecer a resiliência das pessoas em meio à crise. Também promove educação e conscientização política por meio de suas instituições educacionais e programas comunitários. Em âmbito internacional, utiliza suas conexões globais para chamar atenção à situação na Venezuela e mobilizar apoio visando uma solução pacífica e justa para a crise humanitária que assola o país. Assim, busca amenizar o sofrimento da população e buscar soluções para resolver a crise no país.

A igreja evangélica

A igreja evangélica na Venezuela, que inicialmente foi favorecida durante o governo de Chávez, mantém um grupo leal ao sistema, recebendo vantagens em termos legais, econômicos e denominacionais. No entanto, isso representa apenas uma pequena parte da situação geral. A comunidade evangélica tem desempenhado um papel importante ao auxiliar os necessitados por meio de ações sociais, projetos comunitários e distribuição de alimentos. O Conselho Evangélico Venezuelano (CEV), uma entidade que reúne as principais denominações evangélicas do país, tem se manifestado contra as práticas abusivas e violações cometidas pelo governo venezuelano.

Apesar disso, a atuação da igreja evangélica não é totalmente bem-vista pela população devido às ligações de alguns líderes religiosos conhecidos com o socialismo de Chávez e Maduro. O partido político evangélico ORA tem dado apoio ao regime desde os tempos de Chávez, e as ambições presidenciais do pastor Javier Bertucci são consideradas como uma estratégia do chavismo para conquistar votos da Unidade Democrática. Por outro lado, as recentes declarações do CEV e das denominações afiliadas nos últimos anos têm contribuído para melhorar a imagem dos evangélicos na sociedade venezuelana, juntamente com as atividades assistenciais e o suporte material, espiritual e psicológico oferecidos pelas igrejas evangélicas.

O caso venezuelano

Na Venezuela, essa situação existe há muitos anos, tendo se iniciado em 1999. O governo de Maduro controla os meios de repressão, comunicação e produção para assegurar sua permanência no poder sem depender do apoio popular. A elite comunista venezuelana desfruta de conforto, e as forças armadas mantêm fidelidade ao regime, garantindo que qualquer tentativa de revolta seja rapidamente suprimida.

A atuação da igreja evangélica não é totalmente bem-vista pela população devido às ligações de alguns líderes religiosos conhecidos com o socialismo de Chávez e Maduro

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No país, a elite comunista está firmemente estabelecida nas estruturas de poder. Altos funcionários do governo, militares e empresários leais ao regime formam uma classe privilegiada que se beneficia diretamente da manutenção do status quo. Essa elite possui acesso a recursos e vantagens não acessíveis à população em geral, criando uma interdependência entre o governo e seus apoiadores. Enquanto continuarem a receber seus benefícios especiais, permanecerão leais ao regime para garantir sua própria sobrevivência.

As forças armadas e milícias desempenham um papel fundamental na sustentação da ditadura na Venezuela. O governo de Maduro tem investido consideravelmente na fidelização das forças armadas, oferecendo-lhes privilégios econômicos e sociais muito além dos salários; isso resulta em uma disparidade entre os militares ativos e os aposentados: enquanto aqueles ativos desfrutam de altos ganhos graças aos bônus recebidos, os reformados recebem o equivalente a três salários mínimos ou até menos.

Além disso, o governo conta com grupos armados não oficiais, os colectivos, para conter protestos e amedrontar seus opositores. Esses grupos, geralmente formados por cidadãos armados leais ao governo, funcionam como uma extensão das forças de segurança do Estado, assegurando que qualquer resistência seja rapidamente reprimida. Há relatos da presença da guerrilha colombiana em certas áreas do país, impondo taxas aos cidadãos e empresários. Isso levou alguns jornalistas a fugirem do país e acusar o governo de envolvimento no narcoterrorismo através do chamado “Cartel de los Soles”, composto por membros das altas patentes militares e governamentais na Venezuela.

O papel das forças externas

As ditaduras modernas muitas vezes contam com o respaldo de nações estrangeiras para se manterem no poder. No caso venezuelano, China, Rússia, Irã e Cuba têm oferecido suporte econômico e militar ao governo de Maduro, ajudando a aliviar os impactos das sanções internacionais e fornecendo os meios necessários para reprimir internamente. Esse apoio externo desempenha um papel crucial ao aumentar a capacidade do regime de se manter no controle, mesmo em meio a uma profunda crise econômica.

As forças armadas e milícias desempenham um papel fundamental na sustentação da ditadura na Venezuela

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China e Rússia possuem interesses estratégicos na Venezuela e têm prestado um apoio significativo ao governo de Maduro. A China tem investido bilhões na economia venezuelana em troca do acesso a recursos naturais, especialmente petróleo. Esses investimentos ajudam a sustentar a economia venezuelana apesar das sanções internacionais. Por sua vez, a Rússia tem fornecido suporte militar e técnico ao regime para fortalecer as forças armadas venezuelanas e garantir que Maduro tenha os meios necessários para reprimir qualquer oposição. O Irã também tem contribuído na distribuição e venda do petróleo venezuelano nos mercados internacionais durante períodos de embargo econômico, ou onde não é possível vendê-lo com as próprias marcas da Venezuela.

Os cubanos também desempenham um papel importante na manutenção do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, principalmente nas áreas de segurança e inteligência. Desde a época de Chávez, e ainda mais durante o governo de Maduro, agentes cubanos que fazem parte dos serviços de segurança da Venezuela têm colaborado para reprimir movimentos de oposição e garantir a fidelidade nas forças armadas, algo crucial para manter a estabilidade do regime. Além disso, o treinamento militar oferecido por Cuba contribui para fortalecer as capacidades repressivas e a doutrinação das forças armadas venezuelanas.

Além do campo da segurança, Cuba também presta apoio na área da saúde, enviando milhares de médicos e profissionais de saúde, o que ajuda a melhorar a percepção do governo Maduro entre as camadas mais pobres da população. Esse programa teve início sob Chávez com o nome “Barrio Adentro”. Consultores cubanos também colaboram na formulação de políticas econômicas e estratégias políticas, enquanto a experiência cubana em propaganda e controle da informação é utilizada para moldar a narrativa política e influenciar a opinião pública. Essa parceria é baseada em uma troca mútua, onde a Venezuela fornece recursos como petróleo em troca do suporte técnico e estratégico vindo de Cuba.

O dilema dos Estados Unidos

Além disso, o apoio de potências estrangeiras eleva os custos de uma possível intervenção externa. Os Estados Unidos, que tradicionalmente têm respaldado a democracia na América Latina, enfrentam um dilema: uma ação militar na Venezuela poderia desencadear um confronto direto com China, Rússia e Cuba, acarretando maiores riscos e despesas de uma operação militar. A polarização no Congresso dos EUA também torna praticamente inviável qualquer tipo de intervenção por parte do país no território venezuelano. Isso sem mencionar o aumento dos gastos militares dos EUA com as guerras na Ucrânia e em Israel, além da repercussão que isso poderia ter sobre a Colômbia, que tem sido seu principal aliado militar na região. Essa conjuntura desencoraja a interferência estrangeira e permite que o regime socialista venezuelano siga operando sem restrições.

A menos que ocorra um colapso interno significativo ou uma intervenção externa decisiva, é pouco provável que o governo de Maduro seja derrubado em breve

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Conclusão

A permanência de Nicolás Maduro no poder na Venezuela pode ser entendida ao analisar os mecanismos que mantêm as ditaduras. O respaldo popular não é essencial para a manutenção de um regime ditatorial; o que realmente importa é o controle das forças de repressão, da comunicação e da produção, assim como o apoio de uma elite ligada ao partido e o respaldo de potências estrangeiras.

A história tem demonstrado que as ditaduras podem perdurar por décadas, mesmo diante de crises econômicas e do descontentamento popular. O cenário venezuelano não foge à regra. A menos que ocorra um colapso interno significativo ou uma intervenção externa decisiva, é pouco provável que o governo de Maduro seja derrubado em breve – mesmo sem ser reconhecido como legítimo pelos Estados Unidos, União Europeia e muitos países latino-americanos. A população venezuelana, desarmada e indefesa, continua sob a opressão de um governo que não depende do seu apoio para se manter.

Dessa forma, enquanto os mecanismos de repressão, controle da comunicação e dos meios produtivos permanecerem intactos, juntamente com o apoio da elite comunista e das potências estrangeiras alinhadas à esquerda, é provável que a ditadura de Maduro perdure. Para enfrentar um regime ditatorial, é necessário mais do que insatisfação popular: será preciso desmontar os pilares que sustentam a tirania – uma tarefa complexa e desafiadora.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]