Iluminura do “Apocalypse de Saint Sever”, do século 11.| Foto: Bibliothèque Nationale de France/Domínio público
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O apóstolo João oferece no Apocalipse seu relato da visão do toque das primeiras seis trombetas com as pragas que as acompanham (Ap 8,7-9.21): saraiva e fogo misturado com sangue jogado sobre a terra; um grande monte ardendo em fogo lançado no mar; uma grande estrela ardendo como uma tocha que caiu do céu sobre a terça parte dos rios e fontes das águas; a terça parte do sol ferida e a terça parte da lua e a terça parte das estrelas cobrindo com trevas a terra; gafanhotos subindo do abismo e atormentando os homens que não tinham em suas testas o sinal de Deus; quatro anjos soltos para matarem a terça parte dos homens. Estas são imagens visuais aterrorizantes. E estas imagens, que apelam à nossa imaginação, deveriam transformar nossa percepção de mundo. Elas deixam claro que os não cristãos serão punidos pelos juízos das trombetas porque têm perseguido os cristãos. E mesmo diante do iminente juízo, ainda assim não se arrependem de seus pecados. Poderíamos pensar que, na continuação, João falaria da sétima trombeta. Em vez disto, assim como houve um interlúdio entre o sexto e o sétimo selo (Ap 7,1-17), há novamente um novo interlúdio entre a sexta e a sétima trombetas (Ap 10,1-11).

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“Vi outro anjo forte descendo do céu, envolto em nuvem, com o arco-íris por cima de sua cabeça. O rosto dele era como o sol, e as pernas eram como colunas de fogo. O anjo tinha na mão um livrinho aberto. Pôs o pé direito sobre o mar e o pé esquerdo sobre a terra e gritou com voz forte, como ruge um leão. E, quando ele gritou, os sete trovões fizeram soar as suas próprias vozes. Logo que os sete trovões falaram, eu ia escrever, mas ouvi uma voz do céu, dizendo: – Guarde em segredo as coisas que os sete trovões falaram. Não escreva nada. Então o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra levantou a mão direita para o céu e jurou por aquele que vive para todo o sempre, o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há, dizendo: – Já não haverá demora, mas, nos dias da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, então se cumprirá o mistério de Deus, como ele anunciou aos seus servos, os profetas. A voz que ouvi, vinda do céu, estava de novo falando comigo e dizendo: – Vá e pegue o livro que se acha aberto na mão do anjo que está em pé sobre o mar e sobre a terra. Então fui ao anjo, pedindo-lhe que me desse o livrinho. Ele, então, me falou: – Pegue o livrinho e devore-o. No seu estômago ele será amargo, mas na sua boca será doce como mel. Peguei o livrinho da mão do anjo e o devorei. Na minha boca, era doce como mel; quando, porém, o comi, o meu estômago ficou amargo. Então me disseram: – É necessário que você ainda profetize a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis.”

Temos aqui o relato de uma visão de João com muitas citações do Antigo Testamento, sobretudo de Salmos, Jeremias, Ezequiel, Daniel e Amós. Esse interlúdio prepara a continuação da visão das trombetas. E um dos propósitos do interlúdio é anunciar que nos dias da voz do sétimo anjo, quando ele estiver para tocar a trombeta, então se cumprirá o mistério de Deus, como ele anunciou aos seus servos, os profetas.

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Um anjo forte desce com o livrinho aberto

No começo da visão, o apóstolo viu outro anjo forte. Este é outro [...] anjo, para distingui-lo do outro anjo mencionado em 8,3 ou dos anjos que tocam as sete trombetas. Parece ser o mesmo anjo forte citado em 5,2.No Apocalipse anjos sempre são anjos, Cristo nunca é chamado de anjo. E este anjo é um mensageiro, ele não é adorado por João. Ele também é visto descendo do céu. Antes, o apóstolo foi levado ao céu em êxtase, tendo no céu a visão de 4,9.Agora, ele fala como se estivesse na terra, pois vê o anjo descendo do céu. O vidente, no Apocalipse, pode mudar da visão do céu para a terra sem dar explicações. O anjo vem envolto em nuvem, o meio com o qual seres celestiais sobem ou descem na Escritura. Nesse caso, no entanto, a nuvem é a roupa do anjo, que vem com o arco-íris por cima de sua cabeça, um tipo de diadema de glória, um lembrete da aliança e da misericórdia de Deus em meio à sua ira. O rosto dele era como o sol, ou seja, sua descrição é mais elaborada e majestosa do que qualquer outro anjo em Apocalipse. E esse anjo vem para comunicar não apenas a glória e o poder divinos, como também o livramento do povo de Deus. Suas pernas eram como colunas de fogo; estas remetem ao cuidado de Deus pelo povo de Israel no deserto. Esse anjo não é Cristo, mas é um mensageiro especial dele, comunicando sua glória e sua missão.

Os santos não precisam conhecer todos os detalhes de como será o juízo. Somos chamados a crer em seu Cordeiro e em sua mensagem de salvação, que nos livra do dia da ira

Este anjo tinha na mão um livrinho aberto, assim os livros revelados nos capítulos 5 e 10 seriam idênticos. Portanto, o livro, que estava selado na mão direita de Deus (5,1.7-8), foi aberto gradualmente, à medida que o Cordeiro rompia os selos (6,1-14; 8,1), e agora se encontrava aberto na mão do anjo forte. O livro contém mais revelações de julgamentos divinos, retratando o lugar do profeta e dos crentes nesses eventos. Este é o tema de 10,1-11, os aspectos doce e amargo de tais eventos para o profeta e para o povo de Deus; e de 11,1-13, o testemunho e martírio dos crentes durante esse período de julgamento do mundo. Em outras palavras, os capítulos 6 e 8 a 9 descrevem a importância desses juízos para as nações do mundo, e os dois interlúdios de 7,1-17 e 10,1-11.13 falam de sua relevância para os santos. O anjo pôs o pé direito sobre o mar e o pé esquerdo sobre a terra, o que levaria os leitores da Antiguidade a pensarem no Colosso de Rodes, uma das “sete maravilhas” do mundo antigo, uma estátua de bronze de Hélio, divindade padroeira da cidade, de 32 metros de altura, construída em 280 a.C. e que foi destruída por um terremoto em 224 а.C. Dizia-se que seus pés ficavam sobre dois ancoradouros que protegiam o porto, e os navios passavam entre as pernas dessa estátua. Por ter um [...] sobre o mar e o outro sobre a terra, é enfatizado o tamanho gigantesco do anjo forte e a importância da mensagem do livrinho para todo o mundo. E o apóstolo diz que o anjo gritou com voz forte, como ruge um leão, o que enfatiza o grande volume da voz do anjo. E quando ele gritou, os sete trovões fizeram soar as suas próprias vozes, uma imagem que ecoa o Salmo 29, em que Deus fala como trovão por sete vezes. Ou seja, a mensagem angelical indica o juízo geral e a ira divina sobre a humanidade impenitente, e esta mensagem deve ser ouvida por todos.

João entendeu o que os sete trovões disseram, e queria escrever o que ouvira. Mas uma voz do céu, que pode ser de Jesus ou de Deus Pai, lhe ordenou: guarde em segredo as coisas que os sete trovões falaram. Não escreva nada. Em outras passagens do Apocalipse em que aparecem trovões, estes são um aviso da iminente manifestação da ira de Deus. Todas as imagens e sons dessa parte nos levam a confiar que o Deus de Israel tem o controle soberano sobre os juízos que serão derramados sobre os impenitentes. Podemos descansar no fato de que os santos não precisam conhecer todos os detalhes de como será o juízo. Somos chamados a crer em seu Cordeiro e em sua mensagem de salvação, que nos livra do dia da ira.

O anjo faz um juramento

Na sequência da visão, o anjo que tinha o pequeno livro em sua mão esquerda levantou a mão direita para o céu, gesto tradicional de juramento. O juramento do anjo é solene, no nome daquele que vive para todo o sempre, o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há. O anjo anuncia o fim iminente, no nome do Deus eterno, o criador e Senhor de toda a criação. O juramento é este: já não haverá demora,ou seja, não haverá mais tempo antes que o fim venha. O fim não será mais adiado, está na hora de Deus responder as orações dos santos e destruir o mal que assola sua criação. Ou seja, o fim está próximo porque Deus é eterno e soberano e governa tudo em seu universo.

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E a afirmação do anjo forte é ampliada: mas, ou seja, o fim está às portas, não será mais adiado. Isto não ocorrerá quando o sétimo anjo tocar a trombeta, mas nos dias da sétima trombeta, quando ele [o sétimo anjo] estiver para tocar a trombeta. A ideia é clara, a sétima trombeta não será tocada só por um instante, mas por um período de tempo. O período da sétima trombeta inclui os sete flagelos (16,1-20), que levam diretamente ao julgamento final de Babilônia, a civilização rebelde, e o próprio fim. Como Richard Bauckham escreve: “O conjunto de juízos que afetam um quarto da terra (6,8) e aquele que afeta um terço (8,7-12; 9,15-18) não são, como poderíamos esperar, seguidos por uma sequência que afeta a metade da terra [pois aqueles julgamentos não resultam em arrependimento do mundo rebelde]. Sem dúvida, os sete trovões estariam entre essas séries. Contudo, agora haverá apenas o julgamento final, a sétima trombeta (10,7). Quando o conteúdo dessa trombeta é apresentado em detalhes como as sete taças (15,1), esses julgamentos não são limitados, mas totais (16,2-21), realizando a destruição total do impenitente”. Assim, se cumprirá o mistério, que remete a uma palavra bíblica importante, mistério, cujo significado não é algo secreto ou misterioso, mas um propósito divino revelado aos homens. Ou seja, mistério se refere ao plano de redenção divino, a princípio oculto por Deus, mas revelado e comunicado a todos os que ouvem a palavra profética. É todo o seu plano de redenção, que inclui o julgamento do mal e a salvação final de seu povo. E este é como ele anunciou aos seus servos, os profetas. Ou seja, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, os profetas eram as pessoas através das quais Deus falava com seu povo, transmitindo-lhes o significado divinamente autorizado da sua obra de redenção.

Devemos prestar atenção à mensagem de João! Os profetas falaram do julgamento sobre o povo de Deus e sobre o mundo rebelde como boas novas, como evangelho. O povo de Deus nunca poderá usufruir das bênçãos da salvação e da comunhão com Deus enquanto tudo aquilo que perturba esta união – tribulações, opressões, sofrimentos, pecadores impenitentes, o anticristo, o Diabo e a morte – não for extirpado deste universo. Portanto, confiemos que Deus já desencadeou os eventos finais da história e nada poderá atrasar o tempo de seu julgamento. O Deus da eternidade está no controle. O julgamento ocorrerá. Podemos esperar no Senhor. O Deus que criou a história é o Deus que dará fim a ela. Ele é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim (1,8; 21,6).

João é comissionado a profetizar

Ao fim da visão, a voz [...] vinda do céu que proibiu João de anotar as palavras dos sete trovões agora lhe pede que vá ao anjo que está em pé sobre o mar e sobre a terra, descrito assim pela terceira vez,e pegue o livrinho da sua mão esquerda. Assim, João prossegue dizendo: fui ao anjo, pedindo-lhe que me desse o livrinho. Ele, então, me falou: – Pegue o livrinho e devore-o. No seu estômago ele será amargo, mas na sua boca será doce como mel. João recebeu a ordem de pegar o livro e comê-lo, para continuar seu ministério profético. Os julgamentos de Deus estão para chegar ao seu clímax e o chamado profético de João é renovado e reforçado. Deus está fazendo João participar de sua atividade revelatória, chamando-o a unir-se à missão de Deus ao mundo. Esta experiência de João é semelhante à do profeta Ezequiel (Ez 2,9; 3,3), e representa a reafirmação da sua missão profética à vista do fim iminente, particularmente à vista da ira de Deus que está para cair sobre a raça humana impenitente. Comer o livrinho é um símbolo que indica a assimilação total da mensagem profética. O gosto amargo e doce não se refere a partes diferentes do livro, mas a aspectos diferentes da mensagem do profeta, que será para a igreja tanto uma mensagem de salvação quanto uma mensagem de perseguição, sofrimento e martírio.

E o livrinho é doce porque a vontade de Deus sempre busca o benefício de seu povo, que receberá salvação e será vindicado e recompensado por seus sacrifícios. Os crentes podem saber que Deus está no controle e nada ocorrerá sem seu conhecimento e vontade. O livrinho é amargo porque o anúncio do evangelho envolverá sofrimento e perseguição, até mesmo martírio para os santos. Como destaca o apóstolo Pedro, o sofrimento é o caminho para a glória (1Pe 1,11; 4,1.12-19). A palavra de Deus – a mensagem de salvação e julgamento – tem de ser digerida e assimilada pelo profeta, como por todo servo de Deus que proclama sua Palavra. O plano de Deus como um todo contém tanto lei e graça, juízo e misericórdia, e o mensageiro do evangelho deve ser fiel ao comunicar estes dois aspectos da mensagem divina. Será que encontramos descanso em Deus quando as forças do mal parecem vitoriosas? E será que o mistério de que João falou está refletido na pregação da igreja cristã hoje?

Ao fim, a ordem não vem de nenhum anjo, mas de um sujeito plural (tal qual a poderosa interpretação da voz do Senhor Deus na sarça ardente, em O Principe do Egito): então me disseram. O único e trino Deus é a fonte da ordem. E esta ordem de profetizar deve ser realizada ainda: agora que vem o período da última trombeta João tem de continuar profetizando, e esta profecia incluirá o próprio fim da história e a vinda triunfante do Reino de Deus. A época final – os dias da sétima trombeta – está para começar. Neste período a ira de Deus será manifestada no mundo em proporções nunca vistas, e à vista disto a missão de João é mais uma vez confirmada. E a mensagem profética não é a respeito ou “contra” um povo ou uma nação, mas “contra” muitos povos, nações, línguas e reis: ou seja, todo o mundo. Em primeiro plano estão os povos do Império Romano, mas a visão inclui a civilização rebelde, obediente à Besta e ao anticristo.

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O que essa visão que João teve em Patmos revela é que Deus exige que toda a humanidade ouça e responda à sua mensagem. O Senhor não deseja que alguém sofra a morte eterna. Mas, agora, o palco está sendo preparado para a manifestação dramática da Besta, a obra-prima de Satanás, o falso cristo que controlará o mundo. Dois temas aqui têm tremendas implicações para a igreja atual.

Somos chamados a anunciar o arrependimento e o juízo a uma geração que virou as costas para Deus

O primeiro tema é o testemunho que somos chamados a oferecer como igreja. Somos chamados a experimentar a doçura da obediência no anúncio da salvação e o amargor da rejeição e do sofrimento. Somos chamados a anunciar o arrependimento e o juízo a uma geração que virou as costas para Deus. Tal chamado implicará perseguição e até mesmo martírio. Mas Deus deu a seu povo o privilégio da proclamação de sua Palavra e isso é suficiente.

Mas, como escreveu C. S. Lewis, “Deus acabará invadindo a história. Mas quando isso acontecer, será o fim do mundo. Pois, quando o autor caminha para o palco, a peça acabou”. A soberania absoluta do Deus de Israel sobre toda a criação se destaca nas revelações do Apocalipse de João. O único Deus é o senhor sobre os acontecimentos deste mundo. A revelação do papel da igreja nesse drama escatológico é parte de seu controle soberano sobre esses eventos. Aqueles que estão resistindo a Deus são claramente advertidos. Como eles podem pensar que são capazes de ficar em pé diante do Senhor do universo? Se não se renderem completamente, serão completamente esmagados e derrotados. E os eventos que levarão a história ao seu fim estão claros para aqueles que têm ouvidos para ouvir. Os santos devem estar cientes da seriedade do assunto. O momento para o qual toda a Bíblia tem apontado – o evento pelo qual o povo de Deus vem esperando por milênios – está chegando. Portanto, refugiem-se em Jesus, o único que “tem um nome capaz de nos salvar”.

“O Rei da glória, o Rei dos reis,
Senhor dos senhores, soberano Deus,
é Jesus, é Jesus, é Jesus.
[...]
Por isso reina acima dos céus
e tem um nome capaz de nos salvar:
é Jesus, só Jesus, só Jesus.

Virá em breve o Rei dos reis,
vestido de glória, com todo o seu poder.
Voltará, sim Jesus, voltará.”

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]