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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Doxografia cristã

O Anticristo nas obras de Soloviev e Benson

Monsenhor Benson em 1912. (Foto: Domínio público.)

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Para a fé cristã um dos eventos que precederão a vinda do Senhor Jesus, em glória e triunfo, é a revelação do Anticristo. Ainda que esse sinal tenha suas raízes no Antigo Testamento, o termo “Anticristo” (antikhristos), no sentido de “contra” e “oposto de” mas também “no lugar de” Cristo, só é encontrado nas epístolas do apóstolo João, como aquele que “nega o Pai e o Filho” (1Jo 2.18,22; 4.2-3; 2Jo 7). Nessas epístolas parece que o termo, de acordo com Wolfhart Pannenberg, se refere a “um tipo sedutor (2Jo 7) que desencaminha as pessoas do verdadeiro Messias. O cristianismo antigo associou com isso o surgimento de falsos mestres. De forma especial, porém, o tipo de Anticristo se manifesta nas alternativas, particularmente em doutrinas intramundanas de redenção e salvação [como o comunismo], às quais as pessoas das sociedades modernas estão expostas”. Em relação ao caráter pessoal do Anticristo, podemos pensar que o termo seja uma referência a uma pessoa definida como um tipo de Anticristo (Mt 24.15-16). O Senhor Jesus falou de certos precursores do Anticristo, ao alertar-nos sobre os falsos cristos (pseudokhristos) e falsos profetas (Mt 24.23-24; Mc 13.21-22). Ainda que o espírito do Anticristo já esteja em ação na história, segundo o apóstolo Paulo o “homem da iniquidade” (2Ts 2.1-12) alcançará grande poder nas proximidades do fim da história, trazendo sofrimento e perseguição sem paralelo aos cristãos, mas será destruído por Jesus quando ele voltar em glória e triunfo.

Interpretações católicas e protestantes

Policarpo de Esmirna, no século II, entendia que qualquer um que pregasse uma falsa doutrina ou outro evangelho seria o Anticristo. Cirilo de Jerusalém, em meados do século IV, discorreu sobre o Anticristo, que reinaria como governante do mundo por três anos e meio, ao fim do qual será morto pelo Senhor Jesus, o único Cristo, logo após o qual acontecerá sua segunda vinda em triunfo. Atanásio de Alexandria escreveu que o herético Ário de Alexandria deveria ser entendido como um precursor do Anticristo. Jerônimo, no século V, alertou que aqueles que substituíam o significado real das Escrituras por falsas interpretações pertenciam à “assembleia do Anticristo”. “Quem não é de Cristo é do Anticristo”, escreveu ele ao papa Dâmaso I. No século XII, alguns franciscanos e o papa Gregório IX consideravam o imperador Frederico II, do Sacro Império Romano, um Anticristo que, por meio de perseguição, purificaria a Igreja católica da opulência, das riquezas e do clero infiel.

Os reformadores compararam o Anticristo ao papado, assim como tinham feito alguns teólogos medievais. O papa Gregório I, por exemplo, escreveu ao imperador bizantino Maurício, em 597 d.C., a respeito dos títulos dos bispos: “Digo com confiança que quem quer que se chame ou deseje se chamar ‘sacerdote universal’ em auto exaltação de si mesmo é um precursor do Anticristo”. Arnolfo, arcebispo de Reims, quando presidia o Concílio de Reims, em 991, acusou o papa João XV de ser o Anticristo: “Certamente, se ele está vazio de caridade e cheio de conhecimento vão e elevado, ele é o Anticristo sentado no templo de Deus e se mostrando como Deus”. Eberhard II von Regensberg, príncipe-arcebispo de Salzburgo, denunciou em 1241 o papa Gregório IX no Concílio de Regensberg como “aquele homem de perdição, a quem chamam de Anticristo, que em sua ostentação extravagante diz: Eu sou Deus, não posso errar”. John Wycliffe, Martinho Lutero, Filipe Melanchthon, João Calvino, Thomas Cranmer, John Knox, os autores da Confissão de Fé de Westminster e John Wesley concordavam com esta identificação, só que interpretando o Anticristo como presente no mundo de seu tempo, identificado na instituição do papado.

No século XVI foram populares as invectivas de Lutero contra os turcos muçulmanos, retratados como o Anticristo. Ele via nos turcos “o castigo de Deus e os servos e santos do diabo”. Percebia-os como “possuídos por um espírito de mentira e de assassinato”. Entendeu que os cristãos precisavam saber que somente por meio da oração fiel o perigo turco poderia ser banido, mas também pela ação de soldados em defesa da lei e da ordem na Europa cristã. A identificação dos turcos com o Anticristo e inimigos da fé cristã tinha como contexto a queda de Buda, em 1526, quando o exército cristão húngaro foi derrotado e o rei Luís II morto, e o cerco de Viena, em 1529, quando os turcos otomanos, sob o comando do sultão Solimão, estiveram na iminência de invadir a Europa central cristã. Mas, nesta última batalha, os exércitos católicos alemães, tchecos e espanhóis, mesmo em inferioridade numérica, sob o comando de Niklas Graf Salm, venceram as forças turcas, antes tidas como imbatíveis.

No século XVII, muitos clérigos reformados na Inglaterra, na Holanda e nas colônias na América, como John Owen, Wilhelmus à Brakel e Jonathan Edwards, também escreveram da expectativa do retorno de Israel para sua terra, para que os judeus tivessem um Estado, para que florescessem no deserto e para que eles reconhecessem Jesus como o único Messias e Rei – o que também constituiriam sinais da iminente vinda vitoriosa do Senhor Jesus.

O Catecismo da Igreja Católica (§§ 675-677), resumindo a compreensão cristã mais ampla, ensina que a Igreja deve passar por uma provação severa, uma “última Páscoa”, antes da segunda vinda do Senhor Jesus, “que abalará a fé de numerosos crentes”. E esta prova final da Igreja será a revelação do “mistério da iniquidade”, sob a forma do engano religioso, quando os cristãos receberão supostas soluções para seus problemas à custa da apostasia da verdade.

Mas o engano religioso supremo será o pseudo-messianismo do Anticristo, ou seja, a humanidade glorificando a si mesma ao invés de Deus e Jesus. E esse engano supremo será cometido por pessoas que afirmam cumprir as esperanças messiânicas de Israel, como no milenarismo e no messianismo secular “intrinsecamente perverso”. Portanto, “a Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição. O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal [...] o último abalo cósmico deste mundo passageiro”.

Recentemente, duas interpretações instigantes sobre a revelação do Anticristo me chamaram a atenção. A primeira, do filósofo russo Vladimir Sergeyevich Soloviev, Os três diálogos e o relato do Anticristo, escrita em 1899. A segunda, do padre inglês Robert Hugh Benson, O senhor do mundo, publicada em 1907. Inclusive, esta última foi considerada profética pelos papas Bento XVI e Francisco I. Compartilho aqui a comparação que o padre Livio Fanzaga, fundador da maior rede de rádio católica da Europa, Radio Maria, oferece dessas duas obras em seu livro The Wrath of God [A ira divina].

As interpretações de Soloviev e Benson

Fanzaga escreve: “A imaginação profética de Soloviev e Benson descreve o Anticristo como um leigo. Soloviev [...] associa o Anticristo, que é um político obcecado com religião, a um certo tipo de mago – o bispo apóstata Apolônio, que serve junto ao altar do poder. Benson também vê o Anticristo como um político, um leigo americano que se apresenta como o senhor do mundo, em cujos dons está o conceder a paz universal, o progresso e a concórdia fraternal entre as nações. É fascinante observar que ambos, Soloviev e Benson, apresentam seus personagens sob uma luz positiva. Enquanto a Bíblia descreve o Anticristo como o homem da iniquidade, os personagens literários de Soloviev e Benson não são impostos pela força das armas. Pelo contrário, eles se apoiam no consenso popular e universal. Gozam da adulação da imprensa, do apoio de outras figuras poderosas e do povo. O Anticristo é o homem mais popular que já apareceu sobre a face da terra.

"É fácil ver que ele é a antítese de Cristo: Cristo foi eliminado, crucificado, assassinado vergonhosamente e condenado como um criminoso. O Anticristo, a imagem reversa de Cristo, torna-se senhor do mundo por consenso popular: será proclamado um deus, supremo senhor e supremo salvador. Seu domínio universal baseia-se na aclamação popular.

"Em certo sentido, Soloviev e Benson concordam em que o Anticristo é visto como uma pessoa positiva em termos mundanos; ele traz a paz e o progresso. Ele convence o homem de que ele mesmo, o Anticristo, é a primeira manifestação de Deus. De acordo com Benson, ele é um homem perfeitamente calmo, frio, fascinante e poliglota. Ele é o homem da paz, do destino e da providência. O mundo o reconhece como rei, senhor e imperador. O ódio a Cristo é a única característica em comum do Anticristo como é descrito por Soloviev e Benson.

"Aqui eu gostaria de contrastar ambos os escritores para destacar suas profundas diferenças. O inimigo do Anticristo segundo Soloviev é a própria pessoa de Cristo. Para o católico Benson, é a Igreja Católica. Soloviev faz seu Anticristo negar a Cristo aos gritos: “Ele não ressuscitou! Ele apodreceu! Apodreceu no túmulo!” Já o Anticristo de Benson premedita a destruição da Igreja Católica metódica, obstinada e perfeitamente, a qual é vista como a origem de todo mal e heresia e a praga da humanidade. O lema de Felsenburgh é: ‘Ecclesia Catholica delenda est!’ A Igreja Católica deve ser destruída. A mim isso me parece muito mais relevante, ainda que a intuição aguda de Soloviev consiga focar a disseminada e contemporânea intolerância à unidade de Cristo numa tentativa [...] de destruir a pessoa de Cristo como Filho de Deus e apresentar o cristianismo meramente como um sistema de valores humanitários.

"Benson, por outro lado, e este é um aspecto bem interessante de sua visão, enfatiza o desejo do mundo e do espírito do mundo de destruir a Igreja Católica, porque ela é a única testemunha verdadeira do sobrenatural.

"Talvez essas duas peculiaridades que caracterizam o Anticristo em sentido profético devam ser colocadas juntas: hoje testemunhamos a intolerância a Cristo que foi, por assim dizer, ‘degradado’ pela negação de Sua divindade e de Sua unidade. Ele é apresentado apenas como homem – ainda que um dos maiores que já existiram. Ao mesmo tempo, o inimigo a ser destruído hoje, admitamo-lo, é a Igreja Católica.

"Gostaria também de realçar outro contraste entre Soloviev e Benson. Ambos os escritores veem o Anticristo como um leigo, um político, na verdade um homem de poder. É interessante, contudo, notar que enquanto Benson situa o Anticristo no fim do mundo e cuja suprema manifestação coincidirá com a vinda de Cristo no fim da história, Soloviev vê a chegada do Anticristo no final de um período histórico, após o qual segue-se um período de iluminação, no qual Cristo habitará e viverá entre os homens por um milhar de anos. Parece que ambos os escritores se inspiraram em tradições diferentes. Uma delas situa o Anticristo no fim do mundo, enquanto a outra aguarda um período de paz e intimidade com Deus (o reinado dos mil anos) para os que sofreram a última provação na época do aparecimento do Anticristo.

"A visão de Benson baseia-se na Segunda Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses e na correta interpretação do Apocalipse de São João segundo as quais o aparecimento do Anticristo coincide com o Juízo Final e com o fim da história humana. Essa tradição não vê nenhum reinado de mil anos. Naturalmente, é uma questão aberta à exegese descobrir se João e Paulo pretendiam colocar o aparecimento do Anticristo no fim do mundo. Virá o Anticristo no fim do mundo? João e Paulo parecem responder afirmativamente.

"A visão de Soloviev baseia-se no capítulo vinte do Apocalipse de São João, o qual, tomado literalmente, presta-se à interpretação de que ao aparecimento do Anticristo seguir-se-á um reinado de mil anos. Tal interpretação tem sido constantemente repudiada pela Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica § 676).

"Considero Benson um escritor mais complexo que Soloviev. Seu romance é mais completo e, de certo modo, mais moderno. Enquanto o principal protagonista na obra de Soloviev é o Anticristo em pessoa, em Benson é a oposição entre duas realidades: uma, maior e mais populosa, consistindo da humanidade ou dos que Benson chama de ‘os humanitários’ que afirmam nada existir de superior ao homem e que consideram o homem como Deus. A menor parcela da humanidade consiste de ‘sobrenaturalistas’ e é identificada com um pequeno grupo de católicos que afirmam a existência de Deus distinto do homem e a divindade de Cristo. De acordo com Benson, todas as religiões, à exceção do Catolicismo, serão absorvidas pelo humanitarismo. Assim, esta importante diferença deve ser considerada: em Soloviev a figura do Anticristo é preponderante, enquanto em Benson tal preponderância é representada pelo ‘espírito do mundo’ e o Anticristo é meramente sua ‘epifania’. O espírito do mundo, que é, praticamente, um mundo que perdeu a fé e deifica o homem, está determinado a erradicar o cristianismo ao destruir todos os católicos e ao obrigar a humanidade a professar a crença no ateísmo absoluto – que projeto tremendo! Aqui, prezados amigos, não estamos falando de meras fábulas, mas de algo que espreita na consciência do nosso tempo.”

O triunfo de Jesus sobre o Anticristo

O fato é que a hora do Anticristo está chegando. Seus poderes já se manifestam. Não há como minimizar ou o relativizar o que está acontecendo diante de nossos olhos. Para os cristãos o momento do confronto definidor é inevitável. E nesse conflito estaremos entre aqueles cujo amor esfriará? Entre os que serão enganados ou que abandonarão a fé? Ou entre aqueles que perseverarão e serão salvos (Mt 24.5, 10, 12-13)? Independente das interpretações que os cristãos tenham sobre como se manifestará e quem será o Anticristo, é assegurada aos fiéis, na Escritura, a vitória final e total de Deus e sua causa. O Apocalipse ensina que o Messias Jesus retornará como o cavaleiro triunfante, o guerreiro invencível, que esmagará facilmente toda oposição contra seu nome. O Salvador vencerá totalmente o Anticristo e este receberá sua punição (Ap 19.11-21) – será destruído pelo simples sopro da boca de Jesus (2Ts 2.8). E está destinado ao lago de fogo, “preparado para o diabo e seus anjos”, onde os “malditos” serão lançados (Mt 25.41) – uma verdade que deveria infundir terror aos que não creem em Jesus. Por outro lado, a volta do único Messias em triunfo e senhorio cósmico será uma ocasião de alegria indizível para os que esperam somente nele. Que os que creem no Senhor Jesus cantem, corajosamente:

“Se inúmeros demônios vêm, querendo exterminar-nos:
Sem medo estamos, pois não têm poder de superar-nos.
Pois o rei do mal, de força infernal,
não dominará, já condenado está
por uma só palavra.

"O Verbo eterno vencerá as hostes da maldade.
As armas o Senhor nos dá: Espírito, Verdade.
Se a morte eu sofrer, se os bens eu perder:
que tudo se vá! Jesus conosco está.
Seu Reino é nossa herança!”

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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