A União Soviética perdeu entre 20 milhões e 27 milhões de cidadãos durante a Segunda Guerra Mundial. Colocando em perspectiva, a Grã-Bretanha perdeu 450 mil, e os EUA tiveram cerca de 410 mil mortos. É provável que nenhuma família soviética tenha ficado intocada. Existem muitos filmes soviéticos famosos sobre a chamada “Grande Guerra Patriótica”, como os russos denominam o conflito. Mas filmes de guerra russos recentes, lançados a partir da chegada de Vladimir Putin ao poder, em 2000, oferecem uma visão interessante de como os russos veem na atualidade a guerra e a natureza do confronto com o nacional-socialismo alemão – aliás, nesse choque entre dois regimes totalitários, o inimigo alemão sempre era caracterizado como “fascista”, pois no ideário soviético “socialismo” sempre seria um termo bom. Como poderíamos esperar, os novos filmes russos retratam o heroísmo e a bravura do soldado soviético na luta da Frente Oriental. Mas o que mais pode ser encontrado nesses filmes?
Vejamos, antes, alguns filmes recentes sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Eles são citados com seu título original em russo e a tradução em inglês. Ao fim, explorarei temas comuns a todos estes filmes.
Filmes de guerra russos recentes oferecem uma visão interessante de como os russos veem na atualidade a guerra e a natureza do confronto com o nacional-socialismo alemão
Primeira Guerra Mundial
Admiral (Admiral), de 2008, conta a história do vice-almirante Aleksandr Kolchak, da Marinha Imperial Russa, que lutou contra os alemães no Mar Báltico e no Mar Negro e, permanecendo leal ao seu juramento à Rússia, se tornou um dos líderes do movimento branco anticomunista durante a Guerra Civil Russa, que entre 1917 e 1923 combateu os bolcheviques. O almirante, que é retratado como herói russo, era considerado um vilão na historiografia soviética. Este filme recebeu uma dezena de prêmios na Rússia.
Batal’on (Battalion), de 2015, relata a história do 1.º Batalhão da Morte, uma unidade só de mulheres que lutou na Primeira Guerra Mundial. Na primavera de 1917, após a Revolução de Fevereiro, as tropas russas que lutaram na Primeira Guerra Mundial estavam desmoralizadas. O comando militar criou um batalhão de mulheres voluntárias que combateu na Bielorrússia, liderado pela tenente Maria Bochkareva – executada pelos comunistas em 1920 por tentar se unir ao movimento branco liderado por Kolchak. Este filme também ganhou vários prêmios na Rússia.
Segunda Guerra Mundial
Em Zvezda (The Star), de 2002, uma unidade de reconhecimento soviética, de codinome Zvezda, é enviada atrás das linhas inimigas para localizar as forças blindadas alemãs, às vésperas da Operação Bagration, quando a 1.ª Frente do Báltico e a 1.ª, 2.ª e 3.ª Frentes Bielorussas destruíram o Grupo de Exércitos Centro, em junho e agosto de 1944. Baseado numa história de 1949, escrita por Emmanuil Kazakevich e que só foi publicada após a morte do ditador Josef Stalin, este filme ganhou vários prêmios na Rússia na época de seu lançamento.
Leningrad (Attack on Leningrad), de 2009: no inverno de 1941, as tropas alemãs do Grupo de Exércitos Norte cercaram a cidade de Leningrado. Os jornalistas estrangeiros foram evacuados, mas no caos do cerco – que durou 872 dias, de 8 de setembro de 1941 até 27 de janeiro de 1944, e foi um dos mais longos e sangrentos da história –, uma jornalista britânica foi deixada para trás. Sozinha, se une a uma policial, e juntas lutam por sua sobrevivência.
Brestskaya krepost (The Brest Fortress), de 2010, comemora um dos mais famosos atos de heroísmo na Frente Oriental. Em 22 de junho de 1941, os soldados dos 44.º, 84.º e 333.º Regimentos de Infantaria e de um batalhão da NVKD, servindo na Fortaleza de Brest, são atacados pela força aérea alemã, o que dá início a um selvagem assalto à guarnição, realizado pela 45.ª Divisão de Infantaria alemã. Os números superiores e o elemento surpresa dão vantagem aos alemães, mas os soldados soviéticos conseguem resistir na fortaleza por um mês, podendo, pelo menos por um período, servir como um obstáculo antes de serem derrotados pelos invasores alemães.
Belyy tigr (White Tiger), de 2012: no verão de 1943, batalhas duras e prolongadas esgotaram alemães e russos na Frente Oriental. Quanto mais confiantes as tropas soviéticas atacavam, mais frequentemente um invulnerável carro de combate alemão, o “Tigre Branco” – o protótipo Porsche Tiger –, aparece no campo de batalha. Após uma batalha, um tanquista queimado é encontrado em um tanque soviético destruído. Ele se recupera milagrosamente e tem uma habilidade de entender os carros de combate. Com sua experiência, o comando soviético decide criar um carro de combate especial, o T-34/85, para combater o “Tigre Branco”. Este filme, cujo roteiro lembra Moby Dick, de Herman Melville, foi indicado para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas não foi selecionado.
Stalingrad (Stalingrad), de 2013: em novembro de 1942, durante a Batalha de Stalingrado, soldados soviéticos e alemães lutam para sobreviver enquanto salvam a vida de seus amores e mantêm sua humanidade diante da morte e de horrores indescritíveis. O enredo, baseado na luta travada por soldados do 42.º Regimento de Infantaria da Guarda, da 13.ª Divisão de Infantaria da Guarda, na Casa de Pavlov, foi influenciado por um capítulo da obra Vida e destino, de Vasily Grossman. No total, a batalha pela cidade durou seis meses, e foi um dos momentos de virada na Segunda Guerra Mundial. Custou quase 2 milhões de baixas totais entre feridos, mortos, capturados e desaparecidos dos dois lados. Premiado na Rússia, foi indicado para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas não foi selecionado.
Como poderíamos esperar, os novos filmes russos retratam o heroísmo e a bravura do soldado soviético na luta da Frente Oriental. Mas o que mais pode ser encontrado nesses filmes?
Doroga na Berlin (Road to Berlin), de 2015: no verão de 1942, no sul da Rússia, um jovem tenente de comunicações acusado injustamente de covardia é condenado à morte por fuzilamento. Um ataque alemão atrasa a execução e o condenado e seu guarda são forçados a fugir. Ao tentar entregar o condenado ao quartel-general, uma amizade se desenvolve entre ambos enquanto lutam contra os alemães. O filme é baseado em uma novela do escritor Emmanuil Kazakevich e nos diários de guerra de Konstantin Simonov.
Bitva za Sevastopol (Battle for Sevastopol), de 2015, narra a história da tenente Lyudmila Pavlichenko, a “Senhora da Morte”, que serviu no 54.º Regimento de Infantaria, da 25.ª Divisão de Infantaria, durante os cercos de Odessa e de Sebastopol, entre agosto de 1941 e julho de 1942, e se tornou um dos franco-atiradores mais letais da guerra, com 309 mortes confirmadas. Foi condecorada como Herói da União Soviética. Das 2 mil franco-atiradoras que serviram no Exército Vermelho, apenas 500 sobreviveram. Tendo recebido vários prêmios, o filme foi exibido no Festival de Cinema de Cannes, se tornando um sucesso comercial na Rússia.
A zori zdes tikhie… (The Dawns Here Are Quiet), de 2015, é baseado na obra de Boris Vasilyev e se passa na região da Carélia, na fronteira entre a Rússia e a Finlândia, em junho de 1941. Atrás das linhas, um sargento veterano comanda um destacamento de artilharia antiaérea, o 86.º Grupamento de Fronteira, uma tropa composta de mulheres inexperientes, mas que anseiam por amor, família e felicidade. Elas serão testadas em batalha, quando um esquadrão de sabotadores das Waffen-SS salta de paraquedas na área.
Dvadtsat vosem panfilovtsev (Panfilov’s 28 Men), de 2016, é baseado num mito soviético sobre um grupo de 28 soldados do 1.075.º Regimento de Infantaria, da 316.ª Divisão de Infantaria, que detêm uma coluna de carros de combate alemães, evento supostamente ocorrido durante a Batalha de Moscou, em outubro de 1941 – quando os exércitos alemães estavam a cerca de 100 quilômetros da capital russa. Feito com o apoio do Ministério da Cultura da Federação Russa, foi um dos filmes mais rentáveis do cinema russo em 2016, e considerado pelo público o melhor do ano.
Nesokrushimyy (Indestructible), de 2018, é baseado na história real da façanha da tripulação de um carro de combate KV-1 sob o comando do capitão Semyon Konovalov, que serviu na 15.ª Brigada de Tanques, que numa batalha desigual, em 13 de julho de 1942, destruiu 16 tanques, dois veículos blindados e oito outras viaturas das forças alemãs em Nizhnemityakin, em Rostov. Foi feito com o apoio do Ministério da Cultura da Federação Russa.
Sobibor (Sobibor), de 2018, é baseado na revolta do campo de extermínio de Sobibor, em outubro de 1943, na Polônia ocupada pelos alemães, liderada pelo tenente judeu-soviético Alexander Pechersky, do Exército Vermelho. Essa revolta permitiu que cerca de 300 prisioneiros escapassem, dos quais cerca de 60 sobreviveram à guerra. Pechersky foi colocado sob suspeita após a guerra, sendo proibido de sair do país, e somente após a morte de Stalin conseguiu trabalho. O SS-Oberscharführer (segundo sargento) Gustav Franz Wagner, a “Besta de Sobibor”, retratado no filme, fugiu para o Brasil, onde foi encontrado morto, esfaqueado, em sua casa em Atibaia (SP), em outubro de 1980. Este filme foi indicado para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas não foi selecionado.
T-34 (Т-34), de 2018, narra a vida de um comandante de carro de combate russo que é capturado pelos alemães em novembro de 1941. Três anos depois, em 1944, ele planeja sua fuga com sua tripulação e um carro de combate T-34/85, quando é recrutado pelas Waffen-SS alemãs para treinar suas unidades de carros de combate Panther, da 12.ª Divisão Panzer SS Hitlerjugend, num campo de treinamento na Tchecoslováquia, às vésperas da invasão da Normandia. Estreou no Comi-Con Russia 2018, e foi um sucesso comercial na Rússia, com mais de 8,5 milhões de espectadores. Atualmente, é o terceiro filme russo de maior bilheteria de todos os tempos.
Spasti Leningrad (Saving Leningrad), de 2019, é ambientado em setembro de 1941, no começo do cerco de Leningrado, quando a precária Barcaça 752, com 1,5 mil militares e civis que estavam sendo evacuados de Leningrado, enfrentam uma tempestade no lago Ladoga e, depois, ataques da força aérea alemã.
Todos os filmes são firmemente patrióticos e nacionalistas. Em todos, são destacadas a grandeza da Rússia, sua engenhosidade, sua multietnicidade, sua resiliência e seu espírito desafiante
Em Koridor bessmertiya (Convoy 48), de 2019, uma estudante, durante o inverno de 1941 e 1942, ingressa, na esperança de sobreviver ao cerco de Leningrado, na 48.ª Coluna de Locomotivas da Reserva Especial do Comissariado dos Transportes do Povo, que, ao custo dos riscos impostos pela mortal artilharia alemã, entregou, por meio do “Corredor da Imortalidade”, 75% de toda a carga e equipamento militar que chegou à cidade cercada, onde 1,5 milhão de militares e civis russos morreram.
Rzhev (Rzhev), de 2019, é baseado na obra de Vyacheslav Kondratyev e retrata uma série de batalhas ocorridas no inverno de 1942 e 1943, perto de Rzhev, que foram importantes para a vitória soviética na Batalha de Stalingrado. Essas batalhas receberam pouca atenção da historiografia militar soviética, e estudos sobre a batalha só começaram a aparecer após a dissolução da União Soviética. As datas exatas das batalhas, seus nomes, resultados, significados e até perdas ainda são obscuras e há muitas controvérsias sobre esses tópicos.
Soldatik (Soldier Boy), de 2019, é baseado na história real de um menino de 6 anos, Sergei Aleshkov, retratando as batalhas e as cenas terríveis que ele testemunhou durante a guerra. Depois que seus parentes foram executados pelos alemães, foi resgatado por soldados do 142.º Regimento de Infantaria da Guardas, da 47.ª Divisão de Infantaria da Guarda, e adotado pelo comandante da unidade, se tornando o membro mais jovem de um regimento na guerra. Além de ser amado pelos soldados, ele se distinguiu por inúmeros atos heróicos, pelos quais ganhou a Medalha Por Mérito de Batalha, em 26 de abril de 1943.
Podolskie kursanty (The Last Frontier), de 2020, trata do desempenho corajoso dos cadetes das escolas de artilharia e infantaria de Podolsk na Batalha de Moscou, em outubro de 1941, servindo sob o 43.º Exército soviético. Eles deveriam parar os alemães na linha de defesa de Ilyinsky e resistir até que as reservas chegassem. Cerca de dois terços dos cadetes morreram em combate, mas a missão foi cumprida. O filme recebeu apoio, entre outros, do Ministério da Cultura da Federação Russa, e foi um sucesso de público, além de ter recebido três prêmios.
Kalashnikov (AK-47), de 2020. Filme biográfico sobre o inventor e designer de armas de fogo Mikhail Timofeevich Kalashnikov, narrando o longo caminho que ele percorreu para criar o fuzil AK-47 aos 28 anos, uma das armas mais fabricadas em nosso tempo, empregada por forças armadas de 55 países. Pouco antes de sua morte, em dezembro de 2014, Kalashnikov escreveu ao chefe da Igreja Ortodoxa da Rússia afirmando que era espiritualmente atormentado. Ele disse ao patriarca Cirilo I que se sentia responsável pelas milhões de mortes causadas por seu fuzil de assalto. Ele escreveu: “Minha dor espiritual é insuportável. Eu continuo fazendo a mesma pergunta insolúvel. Se meu rifle privou as pessoas da vida, então pode ser que eu, como cristão e crente ortodoxo, seja o culpado por suas mortes?” O patriarca respondeu, dizendo que ele “foi um exemplo de patriotismo e de atitude correta em relação ao país”. E acrescentou que “a igreja tem uma posição bem definida quando a arma é [criada para] a defesa da Pátria, a Igreja apoia seus criadores e os militares, que a utilizam”.
Krasniy prizrak (The Red Ghost), de 2021: em dezembro de 1941, após o cerco na área da cidade de Vyazma, conhecido como o “caldeirão de Vyazemsky”, um pequeno destacamento de soldados soviéticos, com a ajuda de um misterioso homem, entra em combate contra um destacamento especial do exército alemão. Baseado na lenda do Fantasma Vermelho, um herói solitário que matava soldados alemães um por um, desaparecia quase magicamente nas florestas e, segundo se dizia, podia voltar dos mortos para continuar na luta.
Devyatayev (V2. Escape from Hell), de 2021, retrata o tenente Mikhail Devyatayev, que serviu no 104.º Regimento de Aviação de Caça da Guarda, pilotando um Bell P-38 Airacobra, aeronave que foi exportada em grande quantidade para a União Soviética pelos Estados Unidos. Em julho de 1944, numa surtida de apoio à 1.ª Frente Ucraniana, seu avião foi abatido e ele foi capturado, sendo mandado para um campo de concentração alemão. Nas condições mais difíceis, Devyatayev conseguiu implementar um plano de fuga da prisão dedicada à construção de foguetes V-2, na Ilha de Usedom, em fevereiro de 1945. Ao chegar às linhas soviéticas, a NKVD prendeu-o por não acreditar em sua história. Um ás com nove vitórias, somente em 1957 foi exonerado das acusações, sendo finalmente reconhecido como Herói da União Soviética.
Temas comuns
Todos estes filmes russos, claro, têm os mesmos tropos militares que vemos em filmes de guerra ocidentais. E nem todos estão no mesmo nível. Mas há alguns deles que se equiparam ou até superam os melhores filmes ocidentais, tais como Admiral, Batal’on, Zvezda, Doroga na Berlin, A zori zdes tikhie, T-34 e Devyatayev. E vários deles se tornaram blockbusters na Rússia. Mas há também peculiaridades muito interessantes que devem ser destacadas, e que são temas comuns a todos estes filmes.
Todos os filmes são firmemente patrióticos e nacionalistas. Em todos, são destacadas a grandeza da Rússia, sua engenhosidade, sua multietnicidade, sua resiliência e seu espírito desafiante. Todos visam encorajar os jovens, homens e mulheres, a ousadamente defender aguerridamente a pátria russa diante de qualquer inimigo externo. Independentemente da idade, todos os russos são chamados a oferecer sua parcela de contribuição na luta contra a “besta fascista” e a defesa da pátria. Mas são os jovens que recebem o chamado maior para o sacrifício pela pátria. Além disso, deixam claro o custo humano da guerra e a justificativa para a luta e a derrota total do inimigo “fascista”. Não há alegria em matar e, independentemente da nacionalidade, cada vida perdida parece fortalecer a tristeza melancólica que envolve a guerra.
Vários destes filmes são claramente críticos do comunismo e de Stalin, mostrando a indiferença do Estado comunista para com seus soldados ou sua pura incompetência em dirigi-los durante a guerra
O comunismo é poucas vezes mencionado nos filmes, e quando é citado geralmente é numa forma muito negativa. Todos os filmes foram “dessovietizados”, com pouquíssimas referências a Stalin, bandeiras vermelhas, foice e martelo, marxismo, socialismo etc. Uma das únicas exceções é Kalashnikov. Não há menção aos anos em que os comunistas aterrorizaram seu próprio povo, destruíram a agricultura, impuseram a fome, as deportações para os campos de “trabalho” forçado, os 5 mil oficiais das Forças Armadas presos ou executados – na verdade, não há menção aos milhões de mortos no altar do coletivismo soviético durante o Grande Expurgo ou Grande Terror, entre 1936 e 1938. Também não se menciona o pacto de não agressão assinado entre os soviéticos comunistas e a Alemanha nacional-socialista, nem a invasão soviética da Polônia, em 17 de setembro de 1939 – ainda hoje um tabu na Rússia. Um dos filmes, A zori zdes tikhie, faz breve referência à guerra da Finlândia, ocorrida entre novembro de 1939 e março de 1940. Alguns dos filmes, como Sobibor e Devyatayev, denunciam o tratamento desumano dos soldados soviéticos aprisionados pelos alemães. Mas também denunciam seu sofrimento nas mãos do aparato comunista e as injustiças e crueldades decorrentes, ao retornarem à pátria. Na verdade, vários destes filmes são claramente críticos do comunismo e de Stalin, mostrando a indiferença do Estado comunista para com seus soldados ou sua pura incompetência em dirigi-los durante a guerra.
Os comissários políticos da NKVD – o equivalente soviético das Allgemeine-SS, e que nos anos anteriores à guerra serviu de inspiração ao aparato de repressão nacional-socialista – são muitas vezes obtusos e injustos, mas sempre prontos a lutar pela pátria, como em Spasti Leningrad. Mas, em Rzhev, os comissários políticos matam qualquer soldado soviético que hesite em lutar, e são retratados como inimigos piores que os alemães. Para Stalin e sua gangue comunista, incluindo os comissários políticos, a vida humana de seus próprios companheiros russos não significava nada.
Estes filmes também enfatizam uma mensagem de reconciliação entre os russos, apesar das divisões ideológicas e étnicas que existiam durante a Grande Guerra Patriótica. O fato é que, diante do invasor, defender uma trincheira é defender a Mãe Pátria. Não faz diferença se esta é defendida para a União Soviética como um todo ou para uma determinada república soviética.
Não há nenhum traço de concessão às agendas identitárias nos novos filmes de guerra russos
Vários dos personagens principais dos filmes são cristãos ortodoxos. Por exemplo, numa cena de Admiral, em que Kolchak assume o comando do exército branco com a bênção da Igreja Ortodoxa Russa, a fé cristã é retratada com grande solenidade e sem qualquer traço de ironia. Em Rzhev, há abundante uso de imagens de igrejas. Elas estão onde quer que os soldados estejam. Há uma parede decorada com ícones e também um porão onde se vê ícones. Até os comissários políticos, famosos por seu ateísmo, preferem ignorar a presença da igreja a combatê-la. Em suma, a Igreja pertencia à Rússia, os alemães não. Quando um soldado alemão ataca uma igreja ortodoxa à noite com um lança-chamas, é como se estivesse assaltando a essência da cidade. No emocionante A zori zdes tikhie uma das personagens faz orações diante de um incensário num momento dramático da trama. Esse foco explícito em ideias, valores e imagens cristãs, que não mais estão presentes nas produções ocidentais, tem sua razão de ser: com o fim do comunismo, a Rússia precisou recriar sua imagem. Para tanto, voltou-se não apenas ao nacionalismo, mas ao milenar cristianismo ortodoxo russo nesse esforço.
Não há nenhum traço de concessão às agendas identitárias nos filmes. Os romances entre homens e mulheres são mostrados de forma tradicional, romântica, emocional e dramática, inclusive os riscos do amor em tempo de guerra. Em alguns casos, os casais pagam o preço mais elevado nas tramas. Enfatiza-se, em muitos desses filmes, a importância da família e de uma boa formação que começa no lar. Destacam-se também amizades verdadeiras e reais entre os homens, ao ponto de estes estarem prontos a dar a vida uns pelos outros durante as batalhas. As mulheres também são chamadas à luta, mas sem perder a feminilidade e, sempre que possível, sendo protegidas, guiadas e apoiadas por homens – mas elas também estão prontas a pagar o preço mais elevado em defesa da pátria.
Quando o Ocidente despertará para resgatar sua bela e vigorosa herança espiritual e intelectual, fundada sobre os ideais judaico-greco-cristãos?
Nos filmes, os alemães têm o melhor exército, mas podem ser derrotados. E são derrotados a um custo alto. Os alemães são retratados como altamente treinados e organizados, muito competentes e inteligentes – uma cena de infiltração em Brestskaya krepost, em que soldados alemães se passam por suboficiais do NKVD para entrar na fortaleza de Brest, destaca isso – uma reminiscência de quando, em outubro de 1942, uma unidade Brandenburg disfarçada como se fosse da NKVD, liderada pelo tenente Freiherr Adrian von Fölkersam, penetrou nas linhas russas no Cáucaso e tomou os campos petrolíferos de Maikop. Também mostram táticas realistas de infantaria usadas pelos alemães, como por exemplo, ao lidar com uma emboscada russa e quando se reposicionam para flanquear sua artilharia, em Podolskie kursanty. Mostram ainda os russos geralmente perdendo mais soldados nos confrontos, diferentemente de filmes ocidentais, em que uma dúzia ou mais de soldados alemães são mortos para cada soldado americano ou britânico. No entanto, dificilmente há mais desumanização dos alemães nestes filmes do que em O resgate do soldado Ryan ou em Band of Brothers. Os alemães, várias vezes, são retratados como não tendo rostos, cobertos contra o frio ou a floresta. E, se os alemães têm superioridade numérica e de equipamentos em alguns dos filmes, são freados ou atrasados pela obstinada e corajosa defesa soviética. Aliás, os filmes também mostram impressionante apuro técnico quando retratam material alemão. O equipamento russo também é sempre apresentado com muita exatidão, muitas vezes sendo usado equipamento original preservado em museus ou por colecionadores particulares.
Hoje, alguns dos filmes ocidentais conseguem ser piores que os filmes chineses. Se os filmes chineses são mera peça de propaganda política, isso ocorre porque são censurados pelo Partido Comunista Chinês. No ocidente, os filmes e séries, inclusive de temas militares, incluem doutrinação socialista, estatista e identitária insistentemente, promovendo o ensino do “evangelho” da nova esquerda. Aliás, em filmes ocidentais qualquer referência negativa à China comunista tem sido apagada – por exemplo, as bandeiras do Japão e Taiwan, que apareciam no casaco do personagem principal de Top Gun, foram removidas em Top Gun: Maverick. A Rússia moderna, ao contrário, ao fazer filmes impactantes sobre sua participação na Segunda Guerra Mundial, além de retratarem a bravura de seus soldados e cidadãos que lutaram contra a invasão da Alemanha nacional-socialista e promoverem o nacionalismo russo, não só destacam virtudes que fundaram o Ocidente – fortaleza, temperança, generosidade, diligência, dignidade, tenacidade, paciência, gravitas –, como também zombam do controle rígido comunista sobre suas forças armadas e a sociedade. Em vários destes filmes russos, a cínica estupidez do Partido Comunista Soviético é criticada e ridicularizada, estupidez que pedia aos soldados russos que lutassem pela Mãe Pátria, mas ao mesmo tempo punia implacavelmente qualquer suspeito de ser “inimigo do Estado”. E o Ocidente? Quando o Ocidente despertará para resgatar sua bela e vigorosa herança espiritual e intelectual, fundada sobre os ideais judaico-greco-cristãos? O que precisará ocorrer para que o Ocidente se reencontre e estes ideais voltem a ganhar expressão também nas artes?
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