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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Liberdade de expressão

O manifesto por liberdade acadêmica de Harvard

Universidade Harvard. (Foto: David Mark/Pixabay)

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A Gazeta do Povo lançou a importante campanha “A liberdade fortalece a verdade”, que tem por objetivo conscientizar a opinião pública sobre os riscos dos ataques à liberdade de expressão para a democracia e para os brasileiros. Algumas semanas atrás, a mais antiga e mais famosa universidade dos Estados Unidos criou o Conselho de Liberdade Acadêmica de Harvard (Council of Academic Freedom at Harvard), dedicado à defesa da livre investigação, da diversidade intelectual e do debate civilizado. A veneranda universidade fundada em Cambridge, Massachussetts, por clérigos congregacionais em 1636, e que tinha por lema Veritas Christo et Ecclesiae, afirma claramente um retumbante “chega” aos autoritários e intolerantes.

Esta foi uma iniciativa de mais de 100 professores da instituição, que se mobilizaram para lutar pela liberdade de expressão e de pesquisa, hoje ameaçada pela tirania de uma minoria muito estridente, e que em muitos casos está sendo abertamente suprimida, no âmbito do ensino superior nos Estados Unidos e, vale dizer, em grande parte do mundo. “Estamos em um momento de crise agora”, disse Janet Halley, professora da Harvard Law School e estudiosa de teoria jurídica feminista. “Muitas, muitas pessoas estão sendo ameaçadas – e, na verdade, submetidas a – processos disciplinares pelo exercício da liberdade de expressão e liberdade acadêmica”. As motivações que impulsionam o grupo estão em um manifesto publicado no jornal Boston Globe em 12 de abril e assinado pelos professores Steven Pinker, do Departamento de Psicologia de Harvard, e Bertha Madras, professora de Psicobiologia na Harvard Medical School e diretora do Laboratory of Addiction Neurobiology no McLean Hospital. Eles deixam claro o quadro de opressão e intolerância que vitima professores e alunos, sobretudo se são cristãos, ou têm um pensamento mais conservador, ou não se submetam docilmente à imposição do discurso esquerdista. Pois, na atualidade, questionar, debater e suscitar dúvidas se tornaram posturas de risco frente à ira dos supostos donos da verdade. Abaixo, o manifesto na íntegra.

Nova organização liderada por professores em Harvard defenderá a liberdade acadêmica

A confiança no ensino superior americano está decaindo mais rápido do que em qualquer outra instituição, com apenas metade dos americanos acreditando que ele tenha um efeito positivo no país.

Grande parte desse desencanto está na impressão de que as universidades estão reprimindo diferenças de opinião, como nas inquisições e expurgos de séculos passados. Essa percepção tem sido alimentada por vídeos que se tornaram virais, de professores sendo perseguidos, xingados, constrangidos ao silêncio e às vezes agredidos, e este desencanto é justificado por alguns números alarmantes. De acordo com a Foundation for Individual Rights and Expression, entre 2014 e 2022 houve 877 tentativas de punir acadêmicos por expressões que são, ou em contextos públicos seriam, protegidas pela Primeira Emenda [da Constituição dos Estados Unidos, que impede, textualmente, o Congresso americano de, entre outros, proibir o livre exercício da religião, limitar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa]. Dessas tentativas, 60% resultaram em sanções reais, incluindo 114 incidentes de censura e 156 demissões (44 delas de professores efetivos) – mais do que durante a era McCarthy. Pior: para cada erudito que é punido, muitos mais se autocensuram, sabendo que podem ser os próximos. A situação não é melhor para os alunos, a maioria dos quais diz que o clima do câmpus os impede de dizer coisas em que acreditam.

Há um quadro de opressão e intolerância que vitima professores e alunos, sobretudo se são cristãos, ou têm um pensamento mais conservador, ou não se submetam docilmente à imposição do discurso esquerdista

O aguerrido ideal de liberdade acadêmica não é apenas uma questão de direitos individuais de professores e alunos. Está embutido na missão de uma universidade, que é buscar e compartilhar a verdade – veritas, como nossa universidade, Harvard, ostenta em seu selo.

A razão pela qual uma instituição que busca a verdade deve santificar a liberdade de expressão é direta. Ninguém é infalível ou onisciente. Os seres humanos mortais começam na ignorância de tudo e são sobrecarregados com vieses cognitivos que tornam a busca pelo conhecimento árdua. Isso inclui excesso de confiança em sua própria retidão, preferência por evidências confirmatórias em vez de evidências não confirmatórias, e um desejo de provar que seu próprio grupo é mais inteligente e nobre que o de seus rivais. A única maneira pela qual nossa espécie conseguiu aprender e progredir foi por meio de um processo de conjectura e refutação: algumas pessoas arriscam ideias, outras investigam se são sólidas e, no longo prazo, as melhores ideias prevalecem.

Qualquer comunidade que mutile esse ciclo reprimindo o desacordo está fadada a se acorrentar ao erro, como nos lembram os muitos episódios históricos em que as autoridades impuseram dogmas que se revelaram completamente errados. Um estabelecimento acadêmico que sufoca o debate trai os privilégios que a nação lhe concede e está fadado a fornecer orientações errôneas sobre questões vitais como pandemias, violência, gênero e desigualdade. Mesmo quando o consenso acadêmico é quase certamente correto, como no caso de vacinas e mudanças climáticas, os céticos podem perguntar compreensivelmente: “Por que deveríamos confiar no consenso, se ele vem de um grupo que não tolera dissidência?”

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Há muitas razões para pensar que a repressão à liberdade acadêmica é sistêmica e deve ser combatida ativamente. Para começar, o próprio conceito de liberdade de expressão é tudo menos intuitivamente óbvio. O que é intuitivamente óbvio é que as pessoas que discordam de nós estão espalhando falsidades perigosas e devem ser silenciadas para o bem maior (é claro que essas pessoas acreditam na mesma coisa, só que com os sinais trocados).

A contraintuitividade da liberdade acadêmica é facilmente reforçada por diversas dinâmicas do câmpus. Os bens comuns intelectuais são vulneráveis ao problema da ação coletiva de benefícios concentrados e custos difusos: um grupo de ativistas pode encontrar significado e propósito em sua causa e estar disposto a fazer de tudo para impedir que ela seja perseguida, enquanto um número maior pode discordar, mas sentir que, em vez de reagir, tem outras coisas para fazer com seu tempo. Os ativistas comandam um arsenal crescente de guerra assimétrica, incluindo a capacidade de interromper eventos, o poder de reunir multidões físicas ou eletrônicas nas mídias sociais e a disposição de difamar seus alvos com acusações incapacitantes de racismo, sexismo ou transfobia em uma sociedade que abomina tais comportamentos com razão. Uma burocracia explosiva para policiar o assédio e a discriminação tem interesses profissionais que não necessariamente estão alinhados com a produção e transmissão de conhecimento. Chefes de departamento, reitores e presidentes se esforçam para minimizar a má publicidade e estão dispostos a dizer qualquer coisa que acabe com o problema. Enquanto isso, a diversidade política cada vez menor do corpo docente ameaça travar a universidade nesta forma de regime por gerações.

Um tipo de resistência certamente piorará as coisas: as tentativas dos políticos de combater a força da esquerda com a força da direita, estipulando o conteúdo da educação por meio de legislação ou instalando seus comparsas em tomadas hostis de conselhos de administração. A moeda corrente na academia deveria ser a persuasão e o debate, e os protagonistas naturais deveriam ser os professores. Eles podem cobrar das universidades o compromisso com liberdade acadêmica que já está consagrado nas políticas do corpo docente, nos manuais e, no caso das universidades públicas, na Primeira Emenda [da Constituição dos Estados Unidos].

“Um estabelecimento acadêmico que sufoca o debate trai os privilégios que a nação lhe concede e está fadado a fornecer orientações errôneas sobre questões vitais.”

Com esse espírito, juntamo-nos a 50 colegas para criar um Conselho de Liberdade Acadêmica em Harvard. Não se trata apenas de nós. Por muitos anos, cada um de nós expressou opiniões fortes e muitas vezes não ortodoxas com total liberdade e com o apoio (na verdade, caloroso encorajamento) de nossos colegas, reitores e presidentes. No entanto, sabemos que nem tudo está bem para colegas e alunos mais vulneráveis. Harvard ocupa o 170.º lugar entre 203 faculdades no ranking de liberdade de expressão do FIRE, e sabemos de casos de cancelamento de convites, sanção, assédio, humilhação pública e ameaças de demissão e boicotes por expressão de opiniões desfavoráveis. Mais da metade dos nossos alunos dizem que se sentem desconfortáveis em expressar opiniões sobre questões controversas em sala de aula.

O Conselho é uma organização liderada por professores que se dedicam à livre investigação, à diversidade intelectual e ao discurso civilizado. Há diversidade em política, demografia, disciplinas e opiniões, mas estamos unidos em nossa preocupação de que a liberdade acadêmica precisa de uma equipe de defesa. Nossa pedra de toque são as “Diretrizes de Liberdade de Expressão” adotadas pela Faculdade de Artes e Ciências em 1990, que declaram: “A liberdade de expressão é de importância única para a Universidade porque somos uma comunidade comprometida com a razão e o discurso racional. O livre intercâmbio de ideias é vital para nossa função principal de descobrir e disseminar ideias por meio de pesquisa, ensino e aprendizado”.

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Naturalmente, como somos professores, planejamos patrocinar workshops, palestras e cursos sobre o tema da liberdade acadêmica. Também pretendemos informar novos professores sobre os compromissos de Harvard com a liberdade de expressão e os recursos disponíveis para eles quando essa liberdade estiver ameaçada. Incentivaremos a adoção e aplicação de políticas que protejam a liberdade acadêmica. Quando um indivíduo é ameaçado ou caluniado por causa de uma opinião acadêmica, o que pode ser emocionalmente devastador, daremos nosso apoio pessoal e profissional. Quando os ativistas estiverem gritando no ouvido de um administrador, falaremos ao outro ouvido com calma, mas vigorosamente, o que o fará raciocinar em vez de escolher o caminho mais fácil. E apoiaremos esforços paralelos liderados por alunos de graduação, pós-graduação e pós-doutorado.

Harvard é apenas uma universidade, mas é a mais antiga e famosa do país e, para o bem ou para o mal, o mundo exterior observa o que acontece aqui. Esperamos que os efeitos se espalhem para fora de nossas antigas paredes cobertas de hera e encorajem professores e alunos de outros lugares a se levantarem. O preço da liberdade é a eterna vigilância e, se não defendermos a liberdade acadêmica, não devemos nos surpreender quando os políticos tentarem fazer isso por nós ou um cidadão enojado nos descartar.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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