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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e reitor e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Artigo

O Menino que vem para salvar o seu povo

Detalhe de "A adoração dos pastores", de Gerard van Honthorst. (Foto: Reprodução)

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Convidei para escrever sobre o significado do Natal Tiago J. Santos Filho, que é diretor-executivo do Ministério Fiel, um dos pastores da Igreja Batista da Graça, em São José dos Campos (SP), e cofundador, professor de Teologia Moral e diretor de Ensinos Avançados do Seminário Martin Bucer.

O sentido do Natal

Dois cenários

O Natal hoje se apresenta sob duas realidades antagônicas, ambas destituídas de verdade. Por um lado, observamos um certo cinismo por trás do consumismo exagerado que se desenrola nas ruas. Por outro lado, o Natal transformou-se numa celebração que mistura mitos com realidade, confundindo a verdade com a fantasia.

Isso, contudo, parece ter pouca relevância para a nossa sociedade pós-cristã. De forma curiosa, vivenciamos atualmente um “Natal” despersonalizado, onde o nascimento de um bebê ocorre sem o próprio bebê, sem Jesus. Mesmo no “Natal”, são proferidas palavras como amor, paz, prosperidade, esperança e felicidade, mas aquele que deu – e ainda dá – significado verdadeiro e real a cada um desses valores e aspirações humanas é negligenciado. É uma mensagem sem autor, um contrassenso que chega a ser absurdo, mas é assim que as coisas se desenrolam.

Estamos vivendo um período de cristianismo sem Cristo. O que permanece da influência cristã na cultura contemporânea parece ser, em sua maioria, superficial. Embora algumas virtudes cristãs, como tolerância, amor e caridade, pareçam ser reconhecidas, o verdadeiro cerne da mensagem cristã é negligenciado e até desprezado. Desse modo, um Natal sem Jesus surge como apenas mais um indicativo de uma sociedade que retém vestígios culturais da cristandade, mas já transita plenamente para a era pós-cristã.

Neste momento são proferidas palavras como amor, paz, prosperidade, esperança e felicidade, mas aquele que deu – e ainda dá – significado verdadeiro e real a cada um desses valores e aspirações humanas é negligenciado

Apesar disso, os cristãos têm a oportunidade anual de relembrar o significado do nascimento do Homem-Deus. A vinda do Filho do Homem, do Filho de Deus.

Portanto, o cristão faz muito bem em celebrar a natividade. O Natal cristão nos oferece a oportunidade de contemplar algumas das maiores maravilhas, dos maiores milagres da história da humanidade.

Estou me referindo a algo absolutamente singular, algo inconcebível até. Deus descendo ao mundo, revestindo-se de nossa humanidade e participando dela. Isto é extraordinário. Nenhuma grande descoberta, nenhum fato da história passada ou futura poderá superar esse grandioso momento: Deus se fez homem e nasceu entre os homens.

Há 2000 anos, os cristãos celebram o dia do cumprimento da esperança do crente do Antigo Testamento. O raison d'être da pessoa de fé dos tempos anteriores a Cristo, entre o povo a quem Deus se revelou, aconteceu na história. Em Israel, província romana, em Belém de Judá, na Judeia, nos dias do imperador César Otaviano Augusto e do rei da Judeia Herodes, o Grande, nasceu o filho de Davi. Jesus, o Cristo, salvador da humanidade.

O texto bíblico nos conta que a “Anunciação” do nascimento de Jesus ocorreu em dois estágios diferentes: o anjo Gabriel apareceu a Maria e explicou tudo o que aconteceria com ela. Essa anunciação é registrada em São Lucas 1,26-38. O outro relato está em São Mateus 1,18-25 e, desta vez, o anjo se dirige a José, marido de Maria.

O texto dos primeiros versos do Evangelho de São Mateus nos proporciona um verdadeiro tesouro sobre Jesus, nosso redentor. Nesse texto, somos informados de que Jesus é o filho de Abraão e o filho de Davi, o rei prometido em todo o Velho Testamento. Somente na genealogia de Jesus, na abertura desse texto do Evangelho de São Mateus, temos material suficiente para resolver todos os “enigmas” e “mistérios” que envolviam as profecias do Antigo Testamento.

Também ficamos sabendo que a vinda do Rei salvador ocorreu de modo miraculoso. Um eminente teólogo do século 20 afirmou que “Jesus veio ao mundo de modo milagroso e também dele partiu de modo milagroso”. Ele foi concebido, quanto à sua natureza humana, pelo poder do Espírito Santo. Sim, ele foi gerado com todas as faculdades próprias do ser humano: dotado de tudo o que nós possuímos, portador da imagem de Deus, dotado de corpo e alma – materialidade (corpo) e imaterialidade (alma), personalidade, autoconsciência, enfim, tudo que caracteriza o ser humano.

Maria, sua mãe, uma jovem comprometida em noivado com José e virgem, contribuiu com seus 23 cromossomos para a formação deste pequeno embrião, cujos 23 cromossomos que seriam fornecidos pelo pai foram produzidos miraculosamente pelo Espírito Santo.

A concepção virginal do Senhor Jesus é de grande importância para a fé cristã. Ela atesta a preexistência do Filho de Deus (Jo 17,5; Cl 1,15-16; Jo 1; Fp 2,6); ainda testemunha o poder e a sabedoria de Deus e confere exclusividade à vinda do filho de Deus ao mundo. Não há, aliás, na concepção virginal qualquer noção de que o meio ordenado por Deus para a concepção seja de valor inferior ou que nele haja alguma vileza. O que temos, na verdade, é um meio especial e extraordinário que Deus determinou para que ele viesse a este mundo. A fé cristã reconhece o testemunho da vinda de Cristo por meio de um milagre como um evento histórico e que, em grande medida, é a base para nossa fé e para autenticar a identidade especial do Homem-Deus.

A razão pela qual foi necessário Deus tornar-se homem foi a salvação de seu povo. É notável que o espírito do Natal – o tempo de “paz, amor, prosperidade e alegria” – esteja conectado à maior tragédia da história do homem: o pecado

São Mateus ainda enfatiza, logo no primeiro capítulo de seu Evangelho, que Jesus é Deus. O anjo, ao citar o profeta do Velho Testamento Isaías para José, destaca que em Jesus se cumpre a profecia do mesmo Espírito que inspirou o profeta Isaías: a jovem grávida conceberá um filho chamado “Emanuel”, que significa “Deus conosco”. O anjo vincula a profecia à gravidez de Maria, não apenas assegurando o cumprimento da profecia, mas também revelando a José a identidade do filho de Maria como Deus encarnado. No texto de São Lucas, onde o anjo fala com Maria, somos informados de que o filho será chamado “Filho do Altíssimo” e que seu reino não terá fim. Assim, o Natal revela a encarnação de Deus.

Contudo, desejo chamar a atenção do prezado leitor para as palavras de S. Mateus, 1,21: “E lhe porás o nome Jesus, porque ele livrará o seu povo dos pecados deles”. Este verso nos apresenta a explicação do anjo para o que poderíamos chamar de verdadeiro sentido do Natal. A razão pela qual foi necessário Deus tornar-se homem foi a salvação de seu povo. É notável que o espírito do Natal – o tempo de “paz, amor, prosperidade e alegria” – esteja conectado à maior tragédia da história do homem: o pecado. Não obstante, afirmar que a vinda do Filho de Deus trouxe “paz, amor, prosperidade e alegria” é válido, pois isso é verdadeiro. Contudo, essa experiência está reservada somente àqueles que recebem o maior presente de Jesus: o evangelho da salvação.

Por isso o sentido do Natal nos chama a refletir sobre essas duas importantes realidades importantes bíblicas que o anjo oferece a José.

O pecado

São João 3,4 dá conta que o pecado “é a transgressão da Lei de Deus”. Historicamente ele entra na humanidade em Adão e Eva – naquilo que é chamado “Queda” –, e, desde então, passa a fazer parte da experiência de todo ser humano.

A verdade é que a humanidade está impregnada com a corrupção que o pecado representa. Sua origem é o pecado de Adão, transmitido a todos os homens, como nos ensina o texto de São Paulo em sua carta aos Romanos, capítulo 5; significa que o ser humano perdeu sua retidão original e, por outro lado, passou a ser inclinado para a corrupção, para o erro, para a transgressão da vontade perfeita de Deus e rebelião contra ele. Seu resultado é a nossa maior tragédia: a alienação de Deus, a deformidade da imagem de Deus no homem, a incapacidade de cumprir o propósito para o qual fomos criados – glorificar a Deus em todas as coisas. Pelo contrário, o pecado nos puxa para a direção contrária. O pecado enfeiou a humanidade e toda a criação. É uma enorme maldição. Quanto a seu alcance, a Escritura Sagrada dá conta de que todos os homens são pecadores (Rm 1; Sl 14), seu coração é corrupto (Jr 17,7), ele nasce em contradição e alienação de Deus e é filho da ira e da desobediência (Ef 2,1-5). Você já percebeu qual é, normalmente, a primeira palavra que a criança aprende? É “não”! Quer ver o pecado atuando? Observe o comportamento de uma criança. Por sim, sobre seu efeito, a Escritura ensina que o salário do pecado é a morte (Rm 6,23). É a perda da comunhão e inimizade de Deus (Ef 2) e guerra contra o próprio ser humano. É autodestruição.

A salvação

Jesus recebeu seu nome por determinação de Deus Pai, anunciado tanto a Maria quanto a José pelo anjo, pois em seu nome traz consigo a razão do seu nascimento: Javé Salva. Deus salva. O homem se enredou nas astúcias do erro e do pecado; entretanto, Deus, mesmo tendo o direito de erradicar toda a raça humana da face da terra devido à zombaria e rebelião do homem no pecado, decide redimi-la. Ele não poderia fazê-lo cometendo violência à sua justiça, transgredida pela maldade e rebelião do homem no pecado. Assim, ele se encarnou e decidiu pagar ele mesmo, na pessoa do Filho, o preço que nossos pecados impõem: a morte.

Nós celebramos o Natal porque ele representa a morte do Filho de Deus. Há um aspecto sombrio no nascimento de Jesus – ele nasceu para morrer. Para ser o sacrifício oferecido a Deus como meio de propiciá-lo, de apaziguá-lo por causa dos pecados de seu povo. O poeta Mário Quintana disse:

“Minha morte nasceu quando eu nasci…
Despertou, balbuciou, cresceu comigo…
E dançamos de roda ao luar amigo.
Tu que és minha doce prometida,
Nem sei quando serão nossas bodas,
Se hoje mesmo… ou no fim de longa vida…”

Há um aspecto sombrio no nascimento de Jesus – ele nasceu para morrer. Para ser o sacrifício oferecido a Deus como meio de propiciá-lo, de apaziguá-lo por causa dos pecados de seu povo

Sobre Jesus, podemos dizer a mesma coisa. Sua morte nasceu com ele. Em seu nascimento, já se podia ver a sombra da morte em volta de seu humilde berço. Nem tanto pela sanha assassina de Herodes, mas pela projeção da cruz, que já estava proposta a Cristo desde antes da fundação do mundo (Ap 13,8). O clérigo anglicano John Stott escreveu sobre isso em seu livro sobre a cruz de Cristo. Ele descreve um quadro de Homan Hunt intitulado A Sombra da Morte:

O quadro retrata o interior de uma carpintaria de Nazaré. Jesus, nu até a cintura, está em pé ao lado de um cavalete de madeira sobre o qual colocou a serra. Seus olhos estão erguidos ao céu, e seu olhar é de dor ou de êxtase, ou de ambas as coisas. Seus braços também estão estendidos acima da cabeça. O sol da tarde, entrando pela porta aberta, lança, na parede atrás dele, uma sombra negra em forma de cruz. A prateleira de ferramentas tem a aparência de uma trave horizontal sobre a qual suas mãos foram crucificadas. As próprias ferramentas lembram os fatídicos prego e martelo. Em primeiro plano, no lado esquerdo, uma mulher está ajoelhada entre as aspas de madeira. Suas mãos descansam no baú em que estão guardadas as ricas dádivas dos magos. Não podemos ver a face da mulher, pois ela se encontra virada. Mas sabemos que é Maria. Ela parece sobressaltar-se com a sombra em forma de cruz que seu filho lança na parede.”

A cruz lança uma sombra sobre a vida de Jesus, e sua morte é o centro de sua missão. Jesus tinha plena consciência de que sua vida toda era voltada para sua morte. Por quê? Porque a morte de Jesus representaria a salvação dos homens. Era preciso que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias, ressuscitasse (Mc 8,31). Essa realidade, da vida perfeita de obediência a Deus e morte vicária, está presente nas palavras do anjo: “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”. É por isso que Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou.

O nascimento de Jesus tem tudo a ver com sua morte, e a morte de Jesus tem tudo a ver com a vida de quem crê nele. Este é o verdadeiro sentido do Natal. Somente pela morte de Jesus é que “paz, amor, prosperidade e felicidade” fazem sentido

Não podemos jamais perder isso de vista. O nascimento de Jesus tem tudo a ver com sua morte, e a morte de Jesus tem tudo a ver com a vida de quem crê nele. Este é o verdadeiro sentido do Natal. Somente pela morte de Jesus é que “paz, amor, prosperidade e felicidade” fazem sentido. De fato, é isso que ele promete – não em sua ressurreição, mas em sua volta. O shalom de Deus será estabelecido para sempre na volta de Jesus, quando ele trouxer juízo sobre todos quantos não experimentaram a salvação que ele veio trazer em seu nascimento.

Que Deus, em sua graça, nos conceda a compreensão de que o nascimento de Jesus marca o início do cumprimento da promessa de redenção, que atingiu seu ápice no dia de sua morte, na crucificação no Calvário. Que ele nos auxilie a assimilar a mensagem de fé e arrependimento que Jesus trouxe consigo ao inaugurar seu reino, permitindo-nos experimentar a salvação oferecida a todos os pecadores. Que possamos valorizar o imenso sacrifício representado por sua encarnação – ao assumir nossa natureza e humilhar-se. O Criador tornou-se criatura, o Rei fez-se mendigo, empobrecendo-se para que pudéssemos enriquecer. Ele se esvaziou e humilhou a si mesmo, tornando-se obediente até a morte – e morte de cruz (Fp 2,7).

Esse é o verdadeiro sentido do Natal: Deus veio a este mundo para salvar pecadores.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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