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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Franklin Ferreira é pastor da Igreja da Trindade e diretor-geral e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos-SP, professor-adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids-MI, nos Estados Unidos, secretário geral do Conselho Deliberativo do IBDR e consultor acadêmico de Edições Vida Nova.

Casamento e família

O Senhor os abençoe de Sião

(Foto: Marcelo Bragion/Pixabay)

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No sábado, 17 de junho, tive o privilégio de, na Igreja Batista da Graça, em São José dos Campos (SP), proferir a prédica do casamento de minha filha, além de ter conduzido o momento dos votos e a cerimônia das alianças, experiência que muito me alegrou. Compartilho-a na integra nessa coluna.

Introdução

Em nome do único Deus, o Senhor, o Santo de Israel, que se revela como Pai, Filho e Espírito Santo, nos reunimos aqui para testemunhar o santo matrimônio da Beatriz, minha filha a quem tanto amo, e do Jefferson, a quem já considero como filho. Nessa tarde alegre, em que celebramos o momento mais elevado das vidas deste casal, gostaria de refletir sobre o Salmo 128, um cântico de peregrinação: “Bem-aventurado todo aquele que teme o Senhor e anda em seus caminhos! Pois comerás do trabalho das tuas mãos; serás feliz, e tudo te irá bem. Em tua casa, tua mulher será como a videira frutífera, e teus filhos, como brotos de oliveira ao redor da tua mesa. Assim será abençoado o homem que teme o Senhor. O Senhor te abençoe de Sião, para que vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida e vejas os filhos de teus filhos. A paz esteja sobre Israel!”

Há um elemento de enigma nesse salmo. Não se menciona seu autor. E é difícil reconstruir seu contexto, que pode ser do pós-exílio, no 5.º século a.C., quando as casas e o templo estavam sendo reconstruídos em Israel. Sabemos, no entanto, que este salmo tem sido associado à Festa dos Tabernáculos. E, na prática judaica, é recitado como parte da ação de graças após o nascimento de um filho. Mas o fato é que este salmo é um exemplo de ensino sacerdotal ministrado aos peregrinos de Israel que estavam se reunindo em Jerusalém numa das grandes festas, a Páscoa, as Semanas e Tabernáculos, que celebram a redenção, a revelação da lei e a provisão. As multidões reunidas nestas festas na Cidade Santa, tal como essa pequena multidão que se reúne aqui hoje, vinda de diferentes cidades do país, eram constituídas de pessoas preciosas para Deus, cada uma carregando uma responsabilidade para com Deus e, também, o potencial de ricas bênçãos. Assim, este salmo celebra a bênção do Senhor sobre a vida familiar no contexto da eleição e aliança de Jerusalém e Israel.

A experiência da felicidade real, verdadeira, depende da obediência a uma ordem: “teme o Senhor”, ou seja, reconheça, reverencie e respeite ao Senhor como o único Deus

Uma declaração de felicidade

Na primeira parte do salmo temos uma declaração de felicidade. O problema dos crentes em Israel é o mesmo dos crentes ocidentais na atualidade. Era muito tentador ocupar-se com a construção de uma casa e com a proteção da cidade. Portanto, o versículo 1 começa afirmando o que é prioritário, ou seja, a declaração de que aquele homem que teme ao Senhor (Yahweh) e anda em seus caminhos é “feliz”. Esta palavra, “feliz”, citada nos versículos 1 e 2 (‘ashre), descreve o sentimento de felicidade e integridade, de bem-aventurança, que vem de se viver em bom relacionamento com Deus; aliás, toda a comunidade de crentes pode usufruir esta felicidade, como indicam mais adiante as referências a Sião, Jerusalém e Israel. Assim como as bênçãos decorrentes, que são vida longa até ver os netos – sem pressão, Jefferson e Bia! –, prosperidade na capital, paz na nação. Jefferson, a experiência da felicidade real, verdadeira, depende da obediência a uma ordem: “teme o Senhor”, ou seja, reconheça, reverencie e respeite ao Senhor como o único Deus. Aqui, a conduta dos peregrinos da aliança é traçada: ou seja, a ética segue a fé no Senhor. Portanto, o segredo da felicidade é uma vida dedicada ao único Deus, em obediência reverente à sua vontade moral. O Senhor requer o ser humano todo, em temor e obediência. E essa ordem se aplica a você, Jefferson, mas também a você, Bia.

O versículo 2 destaca uma primeira bênção decorrente de se temer e andar nos caminhos do único Deus: trabalhar produzindo e desfrutar do que foi produzido. Portanto, o marido que teme ao Senhor, Jefferson, pode contar que não será vão “edificar a casa [...] levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores”. O marido pode contar que os filhos serão “herança do Senhor” (Sl 127,1-3). Portanto, Jefferson, o homem sábio se preocupa em andar nos caminhos do Senhor, observando o amor, a fidelidade e a retidão ao único Deus. O homem que teme ao Senhor é íntegro. E assim ele recebe a bênção do único Deus em todos os seus trabalhos. É como se o salmo dissesse claramente: você, Jefferson, certamente será abençoado se temer ao único Deus, para não deixar a menor dúvida de que o temor do Senhor tem recompensas apropriadas.

Os versículos 3 e 4 falam de uma segunda bênção. E eles nos fazem lembrar da definição bíblica de casamento de John Stott: “Casamento é um pacto heterossexual exclusivo entre um homem e uma mulher, ordenado e selado por Deus, publicamente antecedido por deixar os pais, consumado em união sexual, resultando em uma parceria permanente de apoio mútuo, normalmente coroada pela dádiva de filhos”. Assim, de acordo com o salmo, o marido que teme a Deus terá uma esposa fértil e filhos. E esta esposa, Bia, é comparada a uma videira frutífera dentro de sua casa. Os filhos são comparados a brotos de oliveira, que é a árvore que vocês escolheram como tema para esse casamento, por ser o sobrenome dessa nova família que se forma. A videira nos remete a imagens de alegria e amor conjugal (Cântico dos Cânticos), a esposa que Deus abençoa e que gera filhos, “como a videira produz uvas”. E os filhos estarão ao redor da mesa dos pais, cheios de vida. Os filhos serão fortes e, no devido tempo, continuarão a obra iniciada pelo pai. Estas imagens da videira e da oliveira representam a fertilidade e o crescimento da família e da nação de Israel, que tem sua origem no único Deus, como seus presentes (Dt 8,7-10); também lembram as eras de Davi e Salomão (1Rs 4,25); as bênçãos associadas à era messiânica (Mq 4,4; Zc 3,10); e a oliveira representa Israel (Sl 80). Assim, o esquema mãe/filhos alarga-se no esquema Jerusalém/Israel, já que Jerusalém é a mãe e Israel são seus filhos. Mas este é um assunto para outra hora. O que nos interessa agora é que estas dádivas simples afirmam a alegria como fruto do temor do Senhor e de seu conhecimento, que resulta no trabalho honesto e na satisfação do homem em sua mulher e no companheirismo de seus filhos. E é exatamente isso que desejamos que vocês dois, Jefferson e Bia, experimentem em seu casamento.

Hoje, Beatriz, você está assumindo o sobrenome de seu esposo, Jefferson. Dizem que a primeira família a adotar em Portugal o nome Oliveira foi a de dom Pedro de Oliveira, que foi um cavaleiro medieval e que nasceu por volta de 1225. Foi a partir dele que a família se expandiu, já que um dos filhos, Martim Pires de Oliveira, arcebispo de Braga, instituiu o rico Morgadio de Oliveira, em Évora, por volta de 1350. O administrador do Morgadio de Oliveira foi seu irmão, dom Pedro Pires de Oliveira, que foi também mestre de dom Afonso IV, o Bravo, rei do Reino de Portugal e Algarves de 1325 até sua morte, em 1357. Esta família é tão antiga que o seu brasão é provavelmente ainda anterior à instituição de certas regras para as armas e para os brasões portugueses. Por isso, são originalmente representados por uma oliveira verde em fundo vermelho. Por outro lado, Oliveira também foi um sobrenome muito usado pelos judeus espanhóis. Em uma lista de judeus membros da congregação Kahal Zur Israel, em Recife, durante o Brasil Holandês, entre 1630 e 1657, se encontra um certo Moisés de Oliveira. Portanto, Bia, você está entrando numa família que pode descender de uma linhagem portuguesa nobre. Ou de uma família que descende de um dos “ramos naturais” da única “oliveira cultivada”, plantada pelo Senhor (Rm 11,15-29). Se assim for, vocês dois seriam sinal de que, a seu tempo próprio, esta oliveira florescerá quando “todo o Israel será salvo” – como prenúncio certo da vitória espetacular e completa de Jesus, o Messias do Senhor, e que é o próprio Senhor.

Assim, há nesse salmo uma promessa de que tais esforços – trabalhar, casar, ter filhos –, se empreendidos com temor ao Senhor, serão abençoados. Agora, prestem atenção, Bia e Jefferson: a palavra usada nos versículos 4 e 5, “abençoado” (barak), descreve o que Deus faz, ao compartilhar conosco sua vida abundante em um relacionamento de salvação. E, no devido tempo, o marido, a esposa e os filhos que temem ao Senhor e andam em seus caminhos contribuirão para o bem-estar de Jerusalém, Sião e Israel – isto é, todo o povo da aliança.

Portanto, Bia e Jefferson, a felicidade não está na política ou no poder ou em evidência, mas no trabalho digno e na família como o verdadeiro abrigo, sob o temor do Senhor. O salmo destaca que, além da bênção pessoal sobre o trabalho, a bênção se estende à esposa e à família. O homem piedoso desfrutará do amor da esposa e da família ao redor de sua mesa quando comer o fruto de seu trabalho. Esse homem também vê como a bênção de Deus se estende à esposa e aos filhos. Aliás, em Israel sentar-se debaixo de uma videira ou oliveira era uma expressão de tranquilidade, paz e prosperidade. Mesmo quando o país enfrenta adversidades, o homem que teme ao Senhor é protegido contra as adversidades por sua esposa e filhos, as maiores bênçãos concedidas pelo Senhor. E, pela fidelidade do Senhor ao seu pacto, esta felicidade experimentada por marido e mulher, Jefferson e Bia, se estenderá a outras gerações.

Se estamos entre os que temem e obedecem, somos encorajados a contribuir para a edificação da cidade de Deus, vivendo em crescente temor e obediência na presença do Senhor

Uma bênção sacerdotal

Na segunda parte, que são os últimos versículos, o salmo nos move das palavras de sabedoria para palavras de bênção, e agora o salmo se dirige a todos nós, a todo o Israel expandido, não apenas a Beatriz ou Jefferson. No versículo 5 a cena simples descrita anteriormente é integrada à vida comunitária. Pois no centro da vida nacional de Israel estava Jerusalém, o seu coração pulsante em termos políticos e religiosos. Lá estava o templo, o lar terreno do Senhor, e de lá sua bênção era irradiada sobre os peregrinos que vinham de todo o país, e dos quais aqueles que creem, inclusive nós, são herdeiros. Ou seja, esta bênção acompanhava o povo crente, mesmo quando eles não estavam em Jerusalém. Assim, os que temem e são obedientes ao Senhor entre nós são conscientizados de que há um elo fundamental entre a vida familiar e esse ponto central de solidariedade comunitária e religiosa. Mais adiante, nas cartas do apóstolo Paulo, esta bênção de Deus é manifesta mais claramente pela habitação do único Deus em seu povo, seu templo, por meio do Espírito Santo. E, no versículo 6, aqueles que temem e obedecem ao Senhor, ou seja, Bia, Jefferson e todos os crentes no Senhor entre nós, recebem a garantia de que esta bênção irá se estender a seus descendentes, tanto quanto a todo o povo de Deus. Não há contradição entre a bênção de viver o tempo suficiente para ver os netos e a oração pelas bênçãos de Deus sobre o povo como um todo.

E o salmo se encerra com a tocante exclamação – “paz sobre Israel!” Esta bênção final é equivalente à oração para que os tementes possam ver “a prosperidade de Jerusalém”. Aquele que teme a Deus não estava apenas preocupado com seu bem-estar pessoal ou de sua família; enquanto estivesse longe do templo, ele também estaria preocupado com a adoração a Deus, a defesa da cidade de Jerusalém e o bem-estar da dinastia do rei Davi. Aquele que teme a Deus sabia que, se um rei piedoso governasse Jerusalém e se sacerdotes piedosos servissem no templo, a bênção de Deus se estenderia ao povo e alcançaria outras gerações e até mesmo nações. Por isso, há o anelo por “paz”(shālôm), ou seja, pela inteireza, integridade, harmonia e realização da cidade; por relacionamentos não abalados com outras pessoas e de sucesso das pessoas nas suas empreitadas; por um estado de plenitude e realização, que é resultado da presença do Senhor, a fonte desse tipo de paz. Se estamos entre os que temem e obedecem, junto com Beatriz e Jefferson, somos encorajados a contribuir para a edificação da cidade de Deus, vivendo em crescente temor e obediência na presença do Senhor. E assim, se experimentará realização no trabalho, amor no casamento, filhos e netos, e, através dessas dádivas, a bênção que vem de Sião se estenderá a todo o povo de Deus.

Oração

“Que o Deus-Pai, o Deus-Filho e o Deus-Espírito Santo os abençoe, preserve e guarde. Que o Senhor, misericordiosamente, os olhe com favor e os preencha com todas as Bênçãos e graças espirituais, como pessoas e como família, para que vivam juntos nesta vida, e para que no mundo vindouro tenham a vida eterna.”

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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