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Aproveitando as comemorações da semana da Páscoa, gostaria de abordar uma antiga profecia sobre a ressurreição registrada no livro de Ezequiel. O autor foi um sacerdote levado para a Babilônia na época do rei Joaquim, de Judá, em 597 a.C., e que foi chamado para profetizar durante o exílio do povo judeu na Babilônia, tendo exercido sua atividade profética entre os anos 593 e 571 a.C., após a traumática destruição de Jerusalém. Agora, quando a “mão do Senhor estava sobre”Ezequiel, e quando foi levado “pelo Espírito”, o que ele viu foi a cena mais conhecida deste livro bíblico.
“Veio sobre mim a mão do Senhor, e ele me levou pelo Espírito do Senhor e me deixou no meio de um vale que estava cheio de ossos. Ele me fez andar ao redor deles, e eu pude ver que eram muito numerosos na superfície do vale e estavam sequíssimos. Então me perguntou: Filho do homem, será que estes ossos podem reviver? Respondi: Senhor Deus, tu o sabes. Então ele me disse: Profetize para estes ossos e diga-lhes: ‘Ossos secos, ouçam a palavra do Senhor.’ Assim diz o Senhor Deus a estes ossos: ‘Eis que farei entrar em vocês o espírito, e vocês viverão. Porei tendões sobre vocês, farei crescer carne sobre vocês e os cobrirei de pele. Porei em vocês o espírito, e vocês viverão. Então vocês saberão que eu sou o Senhor.’ Então profetizei como me havia sido ordenado. Enquanto eu profetizava, houve um ruído, um barulho de ossos que batiam contra ossos e se ajuntavam, cada osso ao seu osso. Olhei, e eis que apareceram tendões sobre os ossos, cresceram as carnes, e eles se cobriram de pele. Mas não havia neles o espírito. Então ele me disse: Profetize ao espírito. Profetize, filho do homem, e diga ao espírito: Assim diz o Senhor Deus: ‘Venha dos quatro ventos, ó espírito, e sopre sobre estes mortos, para que vivam.’ Profetizei como ele me havia ordenado. O espírito entrou neles, eles viveram e se puseram em pé. Formavam um exército, um enorme exército. Então ele me disse: Filho do homem, esses ossos são toda a casa de Israel. Eis que dizem: ‘Os nossos ossos estão secos, perdemos a nossa esperança, fomos exterminados.’ Portanto, profetize e diga-lhes: Assim diz o Senhor Deus: ‘Eis que abrirei as sepulturas de vocês e os farei sair delas, ó povo meu, e os levarei de volta à terra de Israel. Vocês saberão que eu sou o Senhor, quando eu abrir as sepulturas de vocês e os fizer sair delas, ó povo meu. Porei em vocês o meu Espírito, e vocês viverão. Eu os estabelecerei na sua própria terra, e vocês saberão que eu sou o Senhor. Eu falei e eu o cumprirei, diz o Senhor.’”
Essa visão está conectada à anterior promessa de purificação da casa de Israel, de que Yahweh concederia um novo coração e espírito para a casa de Israel em “sua própria terra” (36,24-27). Não espanta que o profeta tenha sido tratado com descrença: a terrível destruição de Jerusalém, em 586 a.C., significou o colapso da fé nacional de Judá, e não havia como Israel ser restaurado. Os israelitas estavam no exílio havia mais de dez anos, e quaisquer esperança que tinham foi eliminada. Ezequiel, no entanto, acreditava que, se o propósito de Deus era restaurar Israel, Ele o faria, não importa quão grande fosse o milagre necessário.
O vale estava cheio de ossos branqueados ao sol e espalhados pelo chão, esqueletos de cadáveres há muito decompostos e devorados pelas aves e animais. Para os judeus era humilhante o corpo não ser lavado, envolto em faixas e sepultado com dignidade
A visão dos ossos secos (37,1-2)
Ezequiel começa afirmando que ele foi conduzido “pelo Espírito”. Nessa passagem as palavras “sopro”, “Espírito” e “vento” são a mesma palavra hebraica, ruach, ajustada pelos tradutores ao contexto. Ele foi levado a “um vale”, uma palavra que é usada somente pelo profeta. Assim, o local dessa visão pode ter sido o mesmo que o de seu chamado para ser profeta. Ou esta visão pode ter ocorrido perto de Jerusalém, possivelmente no Vale do Cedron. A visão de que o vale estava “cheio de ossos” pode ter sido instigada pela lembrança dos israelitas mortos e espalhados do lado de fora de Jerusalém ou ao longo da estrada do deserto por onde Ezequiel e seus companheiros foram conduzidos como escravos para o exílio babilônico. Na visão, o Senhor disse a Ezequiel para andar no meio dos ossos a fim de ter uma ideia de sua grande quantidade e de como estavam secos. Como sacerdote, ele não poderia ter contato com os mortos, mas se tratava de uma visão e, assim, ele não seria considerado imundo. E o profeta notou que os ossos “estavam sequíssimos”, ou seja, o vale estava cheio de ossos branqueados ao sol e espalhados pelo chão, esqueletos de cadáveres há muito decompostos e devorados pelas aves e animais. Para os judeus era humilhante o corpo não ser lavado, envolto em faixas e sepultado com dignidade numa cova ou túmulo.
A ressurreição dos ossos secos (37,3-10)
Na visão, Deus perguntou ao profeta: “Será que estes ossos podem reviver?” Do ponto de vista humano, a resposta seria “não”, mas para Yahweh nada é impossível, pois somente ele pode conceder vida. A réplica de Ezequiel, “Senhor Deus, tu o sabes”, não questionou o poder de Deus, mas apenas expressou a convicção de que Deus sabe o que faz e é poderoso para fazê-lo. Ele se entregou completamente à vontade e poder de Deus. Yahweh, assim, ordena que Ezequiel “profetize”, ou seja,a palavra profética seria como a “palavra de Deus”na Criação. No relato de Gênesis, Deus falou, e nova vida foi criada. As palavras de Ezequiel foram eficazes nesta visão, pois eram a “palavra de Deus”, dirigida “para estes ossos”, a congregação menos promissora à qual um pregador já pregou – mas a ordem encontra eco nas palavras de Jesus, “os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5,25).
Na sequência, a ordem de Deus é seguida de sua promessa. Ezequiel obedeceu à ordem e creu na promessa. Então, Deus religou os “ossos” com “tendões”, cobriu os ossos e tendões com “carne” e revestiu a carne com “pele”. A sequência, envolvendo “ossos”, “tendões”, “carne” e “pele”, inverteu o processo de decomposição. O milagre foi acompanhado por “um ruído, um barulho”, que pode ser traduzido como “um terremoto”, “um tremor” ou “um chocalhar”. Agora só faltava uma coisa aos corpos, o “espírito”. Mas, antes, uma pergunta importante precisa ser feita: por que os corpos não tinham sido devidamente enterrados? A resposta, de acordo com Daniel Block, “deve ser encontrada nas maldições da aliança. A prática de lançar os corpos ao ar livre, para serem comidos pelos animais selvagens, é bem atestada nas origens do antigo Oriente Próximo. O tratamento era aplicado especialmente àqueles que quebravam juramentos de contratos ou de pactos. [...] Ezequiel, provavelmente, viu a presente cena como uma evidência do cumprimento da própria maldição da aliança de Yahweh, em Dt 28,25-26: ‘Yahweh vos fará cair diante de vossos inimigos. Marchareis contra eles por um único caminho, mas fugireis deles por muitos caminhos. Tornar-vos-eis um horror para todos os reinos da terra. Vossos cadáveres servirão de alimento para aves do céu e para os animais da terra, sem ninguém que os afugente’. [...] A ordem para profetizar ao espírito que entrasse nos cadáveres, a fim de que eles pudessem viver, oferece esperança. Yahweh está, por meio disso, anunciando a retirada da maldição”.
Por fim, Deus ordena que Ezequiel profetize, e assim ele o faz, pedindo: “Venha desde os quatro ventos, ó espírito”. O uso da palavra hebraica ruach nessa passagem lembra do uso da palavra grega pneuma no Evangelho de João – segundo o Senhor Jesus, “o vento sopra onde quer [...] Assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3,8). A influência da visão de Ezequiel é tão forte nessa passagem do Evangelho que não é de admirar que Jesus tenha expressado surpresa quando “um dos principais dos judeus” não conseguiu captar a insinuação: “Você é mestre em Israel e não compreende estas coisas?” (Jo 3,9-10). A ordem “sopre” comunica a ideia da infusão do sopro da vida nos corpos sem o espírito. E “quatro ventos” representam os quatro cantos da terra. Na continuação da visão, “o espírito entrou” nos corpos, uma imagem que lembra o momento em que o Criador soprou nas narinas do primeiro homem o sopro da vida, “e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). O profeta, por fim, vê “um exército enorme”, uma visão impressionante, as multidões dos mortos de Israel que ressuscitaram.
Aqui não podemos errar. É preciso deixar claro o que a Escritura quer ensinar por ressurreição. N. T. Wright escreve: “Ressurreição é o que acontecerá com as pessoas que, neste momento, estão mortas [...]. A ressurreição envolve não uma reconstrução da vida após a morte, mas a reversão da própria morte. Não se trata da descoberta de que o Sheol não é um lugar tão ruim no fim das contas. Não é uma maneira de dizer que o pó achará um jeito de ser feliz como pó. [...] Trata-se de uma forma de dizer que chegará um tempo quando os que dormem não mais dormirão. A própria criação, celebrada em todas as Escrituras hebraicas, será reafirmada, refeita”. Portanto, de acordo com o testemunho da Escritura, a obra de ressurreição é obra exclusiva de Deus. Que lembremos da promessa do Salvador Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente. Você crê nisto?” (Jo 11,25-26).
A interpretação da visão (37,11-14)
Deus passa a revelar ao profeta o significado da visão. Os ossos secos representam “toda a casa de Israel”,os reinos do Norte e o do Sul, uma nação dividida e destruída, morta como ossos secos espalhados no campo de batalha. Humanamente, qualquer “esperança” de ressurreição nacional estava fora de questão para Israel, sobretudo quando sob risco de perder a identidade nacional como resultado das deportações para a Babilônia. Mas Deus vai além – ele dá ordem para que Ezequiel profetize às “sepulturas”. Ou seja, a visão começou com ossos expostos e sem enterro apropriado, mas agora se amplia para incluir a abertura de sepulturas. Assim, o ato soberano de Deus de ressurreição vivificará os mortos enterrados nas sepulturas e os levará “de volta à terra de Israel”, tal qual Jesus fez com Lázaro, como registrado no Evangelho de João. Aqui, duas vezes Deus chama Israel de “ó povo meu”, enfatizando de forma solene sua fidelidade à aliança com Israel. De acordo com Daniel Block, “o desalento dos exilados se originou da convicção de que, com a queda de Jerusalém, em 586 [d.C.], o relacionamento divindade-nação-terra fora destruído para sempre. Com essa declaração, entretanto, Yahweh promete restaurar o relacionamento tripartite. Ele vai levá-los de volta como seu povo e devolvê-los à sua pátria hereditária”. Deus afirma que “vocês saberão”, ou seja, Israel recebe o anúncio de seu propósito, o reconhecimento de sua pessoa exaltada e suas reivindicações sobre o “povo” restaurado. Este povo será reconstituído não apenas como nação, mas como o “povo” de Yahweh.
De acordo com o testemunho da Escritura, a obra de ressurreição é obra exclusiva de Deus
Ao fim, o Senhor assegura a Israel: “Porei em vocês o meu Espírito”, declarando que habitará por meio de seu Espírito na casa de Israel. E termina prometendo que, mesmo no exílio, mesmo na longínqua Babilônia, Deus os conduzirá de novo para “sua própria terra”, a terra assegurada por aliança perpétua a Abraão. A explicação da visão termina com a ênfase em “vocês saberão”, ou seja, a restauração de Israel seria o próprio testemunho de Deus quanto a seu poder e governo. Por fim, Deus conclui sua revelação ao profeta afirmando: “Eu falei e eu o cumprirei”, o queenfatiza a veracidade da palavra de Yahweh. Ou seja, a única esperança de Israel está em Deus, que é ao mesmo tempo o soberano e a fonte de vida. Esta fórmula signatária sela esta mensagem.
Desdobramentos teológicos
A prioridade, em toda a visão, está em Yahweh, que é o único capaz de trazer esperança a um povo desesperado. Como N. T. Wright escreve: “O fator constante [...] é o próprio Deus de Israel. A visão da criação e da aliança de YHWH; suas promessas e sua fidelidade a elas; seus propósitos com relação a Israel, especialmente seu dom da terra; seu poder sobre todas as forças contrárias, incluindo finalmente a própria morte; seu amor pelo mundo, pelas criaturas humanas, por Israel em particular, e, especialmente, por aqueles que o serviram e seguiram em seu caminho; sua justiça, por causa da qual o mal finalmente seria condenado e a retidão mantida – esta visão do deus da criação e da aliança subjaz à antiga crença na esperança nacional e territorial, a crença emergente de que o relacionamento com YHWH não poderia ser quebrado, nem mesmo pela morte, e a eventual crença de que YHWH ressuscitaria os mortos”.
O cativeiro na Babilônia, iniciado em 586 a.C., se encerrou em 537 a.C., quando o rei persa Ciro permitiu que o primeiro grupo de judeus voltasse para sua terra, quando essa profecia de Ezequiel foi cumprida. Tal compreensão exerceu influência sobre a autocompreensão judaica no período do Segundo Templo. Por exemplo, o profeta Ezequiel foi uma figura de destaque na sinagoga em Dura-Europos – na atual Síria, localizada na margem direita do Rio Eufrates, a meio caminho entre Aleppo e Bagdá –, nos primeiros dois séculos d. C. Nesta sinagoga havia três murais contando a história de Israel desde seu período ancestral até o exílio e o retorno para sua terra. Um dos painéis retrata a visão do profeta Ezequiel, em que Deus dá vida a ossos secos. Na pintura, Ezequiel está no vale, definido pela montanha à sua direita. A seus pés estão partes de corpos. A mão de Deus se abaixa e reúne os pedaços dos cadáveres enquanto o profeta aponta para as dez figuras vestidas, que representam o Israel restaurado. Quando aparecem os ressuscitados, Ezequiel aponta o caminho a seguir para a comunidade ressuscitada. Essa visão da ressurreição de um vale de ossos era uma profecia que apontava para o fim do exílio e a restauração dos judeus à sua vida nacional. Para os judeus que viviam em um remoto posto militar romano ao longo do Rio Eufrates, a cena teria formado um elemento central de esperança. Ou seja, de acordo com N. T. Wright, “a promessa de ressurreição [...] constitui uma reafirmação igualmente forte da esperança que o antigo Israel efetivamente abraçava: esperança de renovação da vida nacional, na terra, vida como dom de YHWH, o Deus criador”. Mas esta profecia poderia teria um alcance mais amplo?
No Antigo Testamento, Israel é chamado de Filho de Deus. No Novo Testamento, o Senhor Jesus é o Filho de Deus, que, tendo fugido de Belém da Judeia para o Egito, voltou de lá chamado por Deus “para a terra de Israel” (Mt 2,20). Assim, Jesus é Israel. Jesus é o descendente prometido a Abraão e a Davi. Temos aqui, então, na visão de Ezequiel, uma profecia que aponta para a ressurreição de Jesus, o Messias de Israel, que representa Israel, ocorrida na semana da Páscoa de abril de 33 d.C., em Jerusalém, na Judeia. Assim, como N. T. Wright escreve, “a ressurreição de Jesus deve ser vista como o início do novo mundo, o primeiro dia da nova semana, a revelação do protótipo do que Deus vai realizar agora no resto do mundo”. E ele complementa, enfatizando a suprema importância para a fé e para a história da ressurreição do Senhor Jesus:
“Permita-me colocar da forma mais clara possível. De acordo com a Bíblia, a história do mundo alcançou seu destino, seu clímax, quando Jesus de Nazaré saiu do túmulo na manhã de Páscoa. De acordo com a filosofia do Iluminismo, no entanto, a história do mundo alcançou seu destino, seu clímax, com a ascensão do modernismo científico e democrático. As duas histórias não podem ser verdadeiras. A história mundial não pode ter dois clímaces, dois destinos. Uma dessas histórias deve ser verdadeira, e a outra falsa. É por isso que, nos últimos 200 anos, as pessoas têm desprezado tanto a história da ressurreição de Jesus. Uma pessoa morta sendo ressuscitada para um novo tipo de vida corpórea sempre foi considerado algo extraordinário. Entretanto, a razão pela qual os primeiros cristãos acreditavam na ressurreição de Jesus não era porque eles não conheciam as leis da natureza. Eles acreditavam, com base na poderosa evidência de olhos ouvidos e mãos, bem como corações, que o Deus da criação havia feito algo novo, embora profundamente coerente, dentro do mundo natural, lançando seu projeto de renovação do mundo há muito prometido. Não se tratava de uma intervenção arbitrária para resgatar Jesus ou simplesmente para mostrar a sua onipotência; mas, sim, da inauguração de uma nova criação.
Entretanto, a partir do século 18, as pessoas passaram a dizer que se você acredita na ciência moderna – o que significa, na verdade, o projeto epicurista de cientificismo que alega evidências empíricas para sua visão filosófica do mundo – então você não pode crer na ressurreição. Porém, não há nada de novo ou moderno sobre esse ceticismo. Lucrécio, o maior epicurista da Antiguidade, teria zombado da ideia de ressurreição. Assim como Homero, Ésquilo, Platão ou Plínio. O ponto é que, se a ressurreição de fato aconteceu, toda a visão do Iluminismo de um mundo dividido, bem como seu sonho arrogante de que o clímax da história mundial havia sido alcançado em nossos dias e através de nossos sistemas, cai por terra completamente. É por isso que os estudos acadêmicos modernos não veem a ressurreição como a inauguração de uma nova criação, mas simplesmente como o mais bizarro dos milagres, depois como um milagre impossível, e depois como uma perigosa afirmação ideológica. Pode apostar que é perigosa. Se for verdadeira, outras ideologias são colocadas em xeque.”
Só que Israel foi derrotado militarmente por Roma duas vezes, em 70 d.C. e 135 d.C., e os judeus foram expulsos de sua terra e dispersos entre as nações. Mas a nação de Israel ressurgiu em maio de 1948, cerca de três anos após o Holocausto, quando os nacional-socialistas alemães assassinaram 6 milhões de judeus. Como encarar a fundação do moderno Estado de Israel? Para Karl Barth, “a criação do Estado de Israel, em 1948, era uma ‘parábola secular’, um símbolo da ressurreição e do reino de Deus”. A existência dos judeus em Israel seria “um sinal da graça eletiva de Deus para Israel”, a única prova natural da fidelidade de Deus à sua aliança. Parafraseando a resposta oferecida ao rei Frederico, o Grande, por seu capelão, Barth afirmou que, se existe uma prova da existência de Deus, esta seria “o Estado de Israel”.
Os filhos de Israel retornaram para sua terra ancestral, mas a nação de Israel não experimentará vida espiritual até que receba o dom do Espírito Santo e creia em seu Messias, Jesus
Assim, a restauração da vida aos ossos em Ezequiel 37 se cumpre na ressurreição nacional de Israel em 1948; mas também é uma promessa escatológica da ressurreição pessoal e nacional de todo o Israel. Se o Messias tem o direito supremo ao nome de Israel, então todos os que estão nele também têm esse direito, visto que os crentes no Senhor Jesus são coerdeiros com ele. Ou seja, todos os que estão unidos ao Filho de Deus são membros de Israel, e ressuscitarão no último dia. Por isso, como escreve David Lyle Jeffrey, “na tradição cristã, os Pais [da Igreja] (e.g. Santo Irineu, Tertuliano, São Justino Mártir, São Cipriano, São Cirilo de Jerusalém e São João Damasceno) tendiam a ver o episódio do vale como uma prefiguração da ressurreição final. Santo Ambrósio escreve: ‘Grande é a benevolência dos Senhor, que o profeta é levantado como testemunha da futura ressurreição, para que também nós a vejamos com os seus olhos’ (De excessu fratris atyri, 2.73; cf. De Spiritu Sancto, 3.19.149). Na Igreja antiga a passagem estava associada à Quaresma e à Páscoa, e em todos os ritos latinos constituía uma das leituras para o batismo dos catecúmenos na véspera da Páscoa. Como São Jerônimo afirmou, era in omnium ecclesiarum Christi lectione celebrata [‘celebrado na leitura em todas as igrejas de Cristo’]”.
É importante frisar que a ressurreição do corpo é crença comum a judeus e cristãos, como atestado no painel de Dura-Europos ou na lápide que marca o lugar de repouso de Benjamin Bueno de Mesquita, judeu da sinagoga de Recife, que adquiriu o terreno onde foi construído o cemitério judaico em Nova York. Ele faleceu em 1683, e na sua lápide, que é a mais antiga, há uma inscrição comovente: “Debaixo dessa placa está sepultado Yasse Benjamin Bueno de Mesquita. Falecido, que partiu desse mundo em 4 de Hesvan. Sua alma bendita, aqui separada de seus entes queridos, espera pelo Deus que ressuscitará os mortos de seu povo para viver na Eternidade. 5444”. Assim, o retorno de Israel à sua terra ancestral, dada por Deus aos judeus em aliança perpétua, é a prova do poder de Deus em ressuscitar dentre os mortos o Messias Jesus em 33 d.C. – e de que todos os que estão no Messias ressuscitarão no último dia. Essas conexões entre Israel, Jesus e aqueles que estão ligados ao Messias lembram do tema do filme No limite do amanhã (Edge of Tomorrow): “Viva-Morra-Repita”. A visão de Ezequiel dos ossos secos que ressuscitam insere todos os que creem no Messias num loop histórico: “Israel-Jesus-Repita”.
Os filhos de Israel retornaram para sua terra ancestral, mas a nação de Israel não experimentará vida espiritual até que receba o dom do Espírito Santo e creia em seu Messias, Jesus. Então, a nação de Israel nascerá “num só dia... de uma só vez” (Is 66,7-9). Roguemos que o único Deus derrame seu Espírito sobre Israel, para que este reviva. E assim virá o fim, o triunfo completo e cósmico de Yahweh sobre o pecado, a morte, o mundo e as legiões demoníacas: “Senhor Deus de Abraão, [...] que fizeste com que a aurora santa brilhasse com a glória da ressurreição do Senhor; [...] abençoa os filhos da tua aliança, tanto judeus como cristãos; afasta de nós toda a cegueira e amargura, e apressa a vinda do teu reino; então Israel será salvo, os gentios serão reunidos no teu aprisco, e todos viveremos juntos em amor e paz, submissos a um só Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos