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O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) chegou ao poder na Alemanha por meio do voto, em 1933, quando Adolf Hitler se tornou chanceler, impondo um culto ao “Líder” (Führer) por todo o país e em suas instituições. O partido, que passou a controlar todas as esferas da sociedade, se dedicou a espalhar pela Alemanha uma política racial e antissemita contra os judeus, responsabilizados pela derrota na Primeira Guerra Mundial. A economia alemã foi restaurada em menos de cinco anos, as decisões do Tratado de Versalhes foram repudiadas e deu-se início a um agressivo programa de rearmamento das forças armadas alemãs, tornando-as em pouco tempo as mais modernas e poderosas da Europa.
A Igreja Confessante
Durante esse período vários cristãos alemães foram proibidos de pregar e ensinar por resistirem ao regime nacional-socialista alemão. Martin Niemöller, pastor da paróquia luterana de Berlim-Dahlem, foi um dos primeiros a opor-se às tentativas do Partido Nacional-Socialista de controlar a igreja cristã, e se tornou um dos principais líderes da Igreja Confessante. Por isso, foi preso, primeiro na prisão de Berlim-Moabit, depois nos campos de concentração de Sachsenhausen e Dachau, permanecendo nele até o fim da guerra.
O primeiro mártir da igreja alemã foi Paul Schneider, pastor da Igreja Evangélica Reformada da Renânia, que foi preso em 1934 por pregar exclusivamente a mensagem evangélica no funeral de um membro da Juventude Hitlerista. Em 1935, foi preso de novo, por ler do púlpito críticas ao Partido Nacional-Socialista. Em 1937, foi novamente preso, por ter excluído membros ligados ao partido com o apoio dos presbíteros das comunidades que pastoreava em Dickenschied e Womrath. Schneider foi preso mais uma vez em fins de 1937, sendo enviado para o campo de Buchenwald, onde foi assassinado em 1939.
O reformado suíço Karl Barth esteve intensamente envolvido na resistência ao nacional-socialismo que imperava na Alemanha. Sob sua influência, o Sínodo de Barmen, reunido num subúrbio de Wuppertal, ocorrido de 29 a 31 de maio de 1934 como concílio das comunidades luteranas, reformadas e unidas da Alemanha, promulgou uma declaração de fé preparada por Barth e Hans Asmussen, pastor luterano em Schleswig-Holstein. A Declaração Teológica de Barmen foi um chamado à resistência contra as tentativas do governo nacional-socialista de dominar a igreja na Alemanha, num momento em que a suástica tomava rapidamente o lugar da cruz nas igrejas, e o Estado tinha cada vez mais domínio sobre o ensino da igreja.
Entre as teses dessa declaração, destacam-se aqui a primeira, a terceira e a sexta. A primeira afirmou a autoridade única de Jesus Cristo sobre a igreja, rejeitando tanto a autoridade eclesiástica instalada por Hitler, para manipular a igreja, quanto o nacional-socialismo, considerado idolatria:
“Jesus Cristo, como nos é atestado na Sagrada Escritura, é a única Palavra de Deus que devemos ouvir, e em quem devemos confiar e a quem devemos obedecer na vida e na morte. Rejeitamos a falsa doutrina de que a igreja teria o dever de reconhecer – além e aparte da Palavra de Deus – ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como fontes da sua pregação e como revelação divina.”
A terceira tese declarou o senhorio de Cristo sobre a igreja e afirmou que o mundo não tem o direito de definir a agenda da igreja:
“A Igreja Cristã é a comunidade dos irmãos, na qual Jesus Cristo age atualmente como o Senhor na Palavra e nos Sacramentos através do Espírito Santo. Como Igreja formada por pecadores justificados, ela deve, num mundo pecador, testemunhar com sua fé, sua obediência, sua mensagem e sua organização que só dele ela é propriedade, que ela vive e deseja viver tão somente da sua consolação e das suas instruções na expectativa da sua vinda. Rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes.”
E a sexta tese tratou do chamado da igreja para proclamar a livre graça de Deus para todos, por meio da Palavra e dos sacramentos:
“A missão da Igreja, na qual repousa sua liberdade, consiste em transmitir a todo o povo – em nome de Cristo e, portanto, a serviço da sua Palavra e da sua obra pela pregação e pelo sacramento – a mensagem da livre graça de Deus. Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja, possuída de arrogância humana, poderia colocar a Palavra e a obra do Senhor a serviço de quaisquer desejos, propósitos e planos escolhidos arbitrariamente.”
Com isso, foi deflagrada a chamada “disputa pela igreja” (Kirchenkampf) entre os “cristãos alemães” – minoria dentro da igreja protestante que era fanaticamente leal ao nacional-socialismo – e a Igreja Confessante (Die bekennende Kirche), composta por quase 7 mil pastores que se reuniram ao redor da Declaração Teológica de Barmen, o mais importante documento confessional produzido pela igreja protestante desde a Reforma do século 16.
O testemunho católico na Alemanha
Entre os católicos, o bispo de Münster, Clemens von Galen, destacou-se não somente por sua piedade cristã – em 1936 ele liderou manifestações contra a retirada de crucifixos das escolas –, mas também por sua coragem de denunciar do púlpito, em 1941, o programa estatal de eutanásia, que visava a eliminar deficientes físicos e mentais. Ele também condenou o fechamento de conventos e monastérios pelos nacional-socialistas. Também foi forte crítico da política racial do partido, rejeitando o neopaganismo germânico associado com aquela ideologia. Seus sermões circularam amplamente, mesmo sendo considerados ilegais pelo Estado alemão, e inspiraram, entre outros movimentos de resistência, o grupo Rosa Branca. Em retaliação, 24 sacerdotes e 18 religiosos da sua diocese foram presos e levados para campos de concentração, onde dez deles perderam a vida.
Talvez o mais destacado mártir católico dessa época seja o frade franciscano polonês Maximilian Kolbe, preso por abrigar quase 2 mil judeus em seu mosteiro, e executado em lugar de um pai de família no campo de concentração de Auschwitz. Ele foi canonizado em 1982, e João Paulo II declarou-o “mártir da caridade” e “patrono de nosso século difícil”.
O mártir Bonhoeffer
Possivelmente o mais lembrado cristão entre aqueles que resistiram ao nacional-socialismo na Alemanha foi o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer, o primeiro a convocar as igrejas cristãs alemãs a tomar uma atitude contra o governo, que havia aprovado leis antissemitas. Durante dois anos, ele também dirigiu um seminário de pregadores da Igreja Confessante em Stettin-Finkenwalde, na Pomerânia, que foi fechado em setembro de 1937 pela Gestapo. Em 1939, Bonhoeffer tornou-se agente duplo do Serviço Secreto das Forças Armadas (Abwehr), unindo-se à resistência militar alemã.
A partir de um estudo renovado das Escrituras, ele entendeu que, diante da opressão secular, a igreja precisa estar presente no mundo, sendo obediente em circunstâncias difíceis, vivendo a “graça dispendiosa”, e não a “graça barata”. Ele também ressaltou a necessidade da disciplina cristã e da vida em comunidade. Em todo esse tempo, nunca vacilou em sua oposição cristã contra o regime nazista – o que acarretou em prisão, perigo para sua própria família e, por fim, sua morte, por seu envolvimento na Operação Valquíria. Bonhoeffer foi enforcado em abril de 1945, no campo de concentração de Flossenbürg, a um mês da rendição alemã. Era o cumprimento do que ele sempre crera e ensinara: “O sofrimento é, pois, a característica dos seguidores de Cristo. O discípulo não está acima do seu mestre. O discipulado é [...] sofrimento obrigatório. [...] O discipulado é união com Cristo sofredor. Por isso, nada há de estranho no sofrimento do cristão, antes é graça, é alegria”.
No restante da Europa
Fora da Alemanha, por toda a Europa, outras pessoas se levantaram contra o jugo militar alemão. Em 1942, algum tempo após a invasão alemã da Holanda, a cristã reformada Corrie ten Boom e sua família tornaram-se ativos na resistência holandesa, escondendo refugiados judeus em sua casa, em Haarlem, mas em fevereiro de 1944 toda a família foi presa, entregue por um informante. Corrie e sua irmã Betsie foram enviadas para o campo de concentração de Ravensbrück, na Alemanha, em setembro de 1944. Betsie morreu pouco depois, e Corrie foi libertada em dezembro por causa de um erro burocrático, um dia antes da execução de todas as prisioneiras que tinham a sua idade. Por seu auxílio ao povo judeu, em dezembro de 1967, Corrie foi honrada com a inclusão de seu nome entre os “Justos entre as Nações” pelo Estado de Israel. Sua irmã e seu pai, Casper, que faleceu pouco depois de ter sido preso, foram honrados como “Justos entre as Nações” em 2008.
Numa situação limite, como a vivida pelos cristãos por toda a Europa diante do totalitarismo nacional-socialista alemão, não importou uma aparente unidade da igreja cristã, mas a confissão do cerne da fé evangélica. Além das estruturas e das instituições das igrejas cristãs na Alemanha e no resto do continente, havia verdades evangélicas que era proibido calar ou apenas cochichar. Assim, os cristãos, diante de um Estado maligno, reconheceram a Deus como o único soberano e Senhor de todas as esferas da criação e deram testemunho mesmo sob o risco do martírio. Pois qualquer ser humano ou partido que tente exigir culto no lugar do Criador deveria ser resistido e confrontado. “A rebelião contra os tiranos é um ato de obediência a Deus.”
Filmes importantes
Assistir a alguns filmes pode ser útil para aprender mais da coragem dos cristãos que se opuseram ao totalitarismo nacional-socialista antes e durante a Segunda Guerra Mundial:
Maximiliano Kolbe: mártir da caridade, de 1991, é uma reconstituição histórica da vida de Maximiliano Kolbe, preso pela Gestapo e enviado ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde foi martirizado pelas SS, em julho de 1941 (91 minutos).
A sétima morada, de 2010, é a reconstituição histórica da vida da filósofa judia Edith Stein, que se converteu ao catolicismo e se tornou freira carmelita, foi presa pelos militares alemães na Holanda e martirizada no campo de concentração de Auschwitz, em 9 de agosto de 1942 (110 minutos).
O refúgio secreto, de 1975, é uma adaptação literária que se passa na Holanda, entre 1940 e 1945, e conta a história das irmãs Betsie e Corrie ten Boom, que, por causa de sua fé cristã, decidiram abrigar refugiados judeus e membros da resistência holandesa em um pequeno esconderijo em sua casa, na cidade de Haarlem (145 minutos).
Return to the Hiding Place/War of Resistance, de 2011, é uma reconstrução histórica ambientada na Holanda, entre 1940 e 1945, retratando os esforços de jovens cristãos reformados holandeses, como Pieter Hartog e Hans Poley, para salvar os judeus e combater o exército invasor alemão (123 minutos).
Uma mulher contra Hitler, de 2005, é uma biografia histórica que se passa em 1943, em Munique, na Alemanha, centrada na jovem luterana Sophie Scholl, membro de um grupo de jovens universitários chamado Rosa Branca. Ela defendia a resistência pacífica contra o nacional-socialismo e foi presa pela Gestapo por suas críticas ao regime (117 minutos).
Bonhoeffer, o agente da graça, de 1999, é uma biografia histórica ambientada na Alemanha, entre 1943 e 1945. Retrata os últimos anos de Dietrich Bonhoeffer, e especialmente seu papel na resistência militar à máquina de guerra alemã e seu noivado com Maria von Wedemeyer (90 minutos).
Operação Valquíria, de 2008, é a reconstituição histórica da tentativa de assassinato de Adolf Hitler em 20 de julho de 1944, planejada pelo major-general luterano Henning von Tresckow e executada pelo coronel católico Claus von Stauffenberg, com o apoio de quase 700 oficiais majoritariamente cristãos das forças armadas alemãs. O atual exército alemão (Bundeswehr) tem suas tradições alicerçadas nesses homens, que arriscaram tudo para tentar dar um fim à guerra na Europa (120 minutos).
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos