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Franklin Ferreira

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Igreja evangélica, Evangelho, teologia moral, história e cultura. Coluna atualizada às quintas-feiras

Sociedade

O ataque do totalitarismo cívico contra a liberdade religiosa

Cristãos devem resistir ao totalitarismo cívico
Cristãos devem resistir ao totalitarismo cívico, que pretende remodelar totalmente os valores da sociedade. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

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O mundo contemporâneo enfrenta uma encruzilhada entre a liberdade religiosa e uma nova forma de autoritarismo disfarçado de progressismo. Esse fenômeno, que é denominado de “totalitarismo cívico”, representa o esforço do Estado moderno para remodelar a moralidade e a cultura, suprimindo as convicções religiosas e os valores tradicionais em nome de uma suposta igualdade. Essa tendência é alarmante, pois ameaça não apenas a liberdade religiosa, mas a própria essência do indivíduo, da família e da fé cristã. Resumo os argumentos de Michael F. Bird, em sua obra Liberdade religiosa: o papel do Estado laico na ótica cristã, explorando o que vem a ser o totalitarismo cívico e defendendo a necessidade de resistirmos a essa ideologia, promovendo um pluralismo enraizado em princípios transcendentais.

A ascensão do totalitarismo progressista

O totalitarismo cívico não é uma invenção do presente, mas um desdobramento lógico de ideologias esquerdistas que vêm ganhando força há décadas. Sua premissa central é de que o Estado deve ser a autoridade final na definição do bem e do mal, colocando-se no lugar de Deus, e substituindo ou reinterpretando instituições tradicionais como a Igreja e a família. No contexto ocidental, onde a democracia liberal nasceu de valores cristãos, essa mudança representa uma ruptura com as raízes culturais e espirituais que moldaram a civilização ocidental.

Historicamente, a democracia liberal respeitou a liberdade religiosa como um princípio fundamental. Contudo, no mundo atual, a agenda progressista procura redefinir essa liberdade, relativizando-a e subordinando-a a um conjunto de valores que promovem novas identidades baseadas em ideologia, etnia, sexo e orientação sexual. Essa hierarquia identitária rotula pessoas e grupos como “opressores” ou “oprimidos”, marginalizando aqueles que aderem aos valores cristãos tradicionais, que seriam os “opressores”. A nova agenda não busca um diálogo genuíno, mas sim impor uma moralidade secular que é abertamente hostil à fé.

O totalitarismo cívico não é uma invenção do presente, mas um desdobramento lógico de ideologias esquerdistas que vêm ganhando força há décadas

A ascensão dessa ideologia pode ser vista em diversas iniciativas políticas e culturais, como a imposição de normas de inclusão que obrigam organizações religiosas a comprometerem seus princípios e o cerceamento do discurso livre, sob o pretexto de combater “discursos de ódio”. Essas tendências mostram que o totalitarismo progressista não visa a convivência pacífica, mas a eliminação de ideias divergentes.

A intolerância ao cristianismo

Os valores cristãos são especialmente visados pelo progressismo, que os enxerga como um obstáculo para a transformação social pretendida. O cristianismo, com sua ênfase na dignidade humana, na moralidade transcendente e na centralidade da família, desafia a ideia de que o Estado deve ser o árbitro supremo da moralidade. Progressistas radicais frequentemente retratam os cristãos como intolerantes ou retrógrados, ignorando o vasto legado positivo da fé na construção da civilização ocidental.

Como Bird observa, o ativismo progressista vê o cristianismo como um “inimigo número um” a ser derrotado. Essa hostilidade se manifesta em iniciativas como a redefinição do casamento e da família, a promoção de políticas que infringem a liberdade de consciência e a marginalização de visões religiosas no espaço público. Tais ações não são meros ataques pontuais, mas fazem parte de um esforço deliberado para reconfigurar a sociedade de acordo com uma moralidade secularizada.

Por exemplo, movimentos para impor o aborto como direito absoluto ou para normalizar comportamentos que contradizem a doutrina cristã ignoram deliberadamente as implicações morais profundas dessas questões. Cristãos que resistem a estas pautas são frequentemente rotulados como “extremistas” ou “fanáticos”, criando um ambiente onde a livre expressão da fé se torna arriscada.

O projeto totalitário

Um dos principais teóricos do totalitarismo cívico, John Dewey, defendia uma “religião democrática progressista”, na qual o Estado assumiria o papel de moldar a moralidade pública e privada. Essa visão implica que a religião tradicional deve ser dissolvida ou transformada em uma ferramenta para promover os objetivos do Estado. Consequentemente, o totalitarismo cívico busca suprimir a autonomia das comunidades religiosas e eliminar quaisquer visões que conflitem com a narrativa dominante.

A abordagem totalitária também elimina a distinção entre esfera pública e privada, vendo a vida privada como uma construção artificial. Para os defensores dessa ideologia, os valores individuais devem ser subordinados a uma visão de “igualdade profunda”, na qual todas as diferenças são niveladas por mecanismos de controle social. Essa “igualdade” não é uma celebração da diversidade, mas um esforço para apagar identidades e associações que não se alinham com os ideais progressistas.

A implementação desse projeto não se limita a imposições legais. Ela também ocorre por meio da cultura, como na indústria do entretenimento, e da educação. Crianças são doutrinadas desde cedo com valores que contradizem os ensinamentos cristãos, enquanto pais que tentam educá-los de acordo com suas convicções são retratados como antiquados ou prejudiciais ao progresso.

Os valores cristãos são especialmente visados pelo progressismo, que os enxerga como um obstáculo para a transformação social pretendida

A fé cristã como resistência

De uma perspectiva cristã, o totalitarismo cívico é uma afronta direta à ordem divina e à dignidade humana. A Bíblia ensina que cada indivíduo foi criado à imagem de Deus (Gênesis 1,27), o que implica um valor intrínseco e uma liberdade que transcendem as estruturas do Estado. Quando o governo tenta usurpar esse papel, torna-se uma força opressora que precisa ser confrontada.

O cristianismo não é apenas uma crença privada, mas uma força cultural, política e moral que molda sociedades saudáveis. Ele promove valores como a compaixão, a justiça e a liberdade, que são essenciais para o florescimento humano. Ao atacar esses valores, o totalitarismo cívico não apenas viola os direitos dos cristãos, mas também desestabiliza a base moral da sociedade.

Os cristãos têm um papel crucial como agentes de resistência moral. Assim como os primeiros cristãos enfrentaram perseguições sob regimes autoritários e totalitários, os cristãos de hoje são chamados a defender a verdade com coragem e integridade. Essa resistência não significa hostilidade, mas um compromisso firme com os princípios bíblicos, mesmo diante de pressões culturais e perseguições políticas.

A alternativa cristã

Em vez de ceder ao totalitarismo cívico, a sociedade deve adotar um “pluralismo confiante”, que reconhece a importância das diferenças religiosas e culturais enquanto promove um ambiente de respeito mútuo. Esse modelo baseia-se na ideia de que a verdade transcende o Estado e que a diversidade de convicções enriquece a sociedade.

O pluralismo confiante rejeita a noção de que a religião cristã é uma ameaça ao bem comum. Pelo contrário, ele reconhece que a fé desempenha um papel vital na promoção da moralidade e da coesão social. Em uma sociedade pluralista, o governo não deve impor uma visão homogênea de valores, mas permitir que diferentes perspectivas coexistam em harmonia.

A alternativa cristã também envolve uma educação que valorize a verdade e a virtude, capacitando as novas gerações a discernirem entre justiça autêntica e ideologias manipuladoras. Escolas, universidades e, sobretudo, igrejas têm a responsabilidade de fomentar um ambiente onde a fé não apenas sobreviva, mas cresça e prospere.

Resgatando a ordem moral

Para resistir ao totalitarismo progressista, é crucial recuperar a visão cristã de ordem moral, que vê a família, a Igreja e o Estado como instituições distintas, mas complementares e cooperadoras. Essa visão enfatiza que o governo tem limites e que sua função principal é proteger a liberdade, não a controlar.

Além disso, é essencial cultivar uma comunidade cristã vibrante e engajada, que seja capaz de articular seus valores e influenciar a cultura de maneira positiva. A defesa da liberdade religiosa não é apenas uma questão de autopreservação, mas uma contribuição ao bem comum, pois garante que todas as vozes da sociedade sejam ouvidas.

O cristianismo não é apenas uma crença privada, mas uma força cultural, política e moral que molda sociedades saudáveis

As igrejas precisam ser tanto fortalezas espirituais quanto centros de ação cultural. Devem promover uma visão abrangente de justiça, que inclua o cuidado com os pobres e oprimidos, mas que também denuncie os pecados e as injustiças cometidas em nome do progressismo.

“Fazei-nos fortes na tribulação, firmes na verdade, e inabaláveis na vossa justiça”

Assim, a resposta cristã ao totalitarismo cívico não é apenas uma necessidade prática, mas uma convocação espiritual. A coragem de resistir a este movimento, inspirada nas Escrituras Sagradas e nos exemplos dos Pais da Igreja, como Inácio de Antioquia, Cipriano de Cartago e Agostinho de Hipona, revela a profundidade da fé cristã em tempos de provação. Quando pensamos nos Pais da Igreja, eles nos lembram que a fidelidade a Deus não apenas sustenta o indivíduo em momentos de perseguição, mas também oferece uma visão alternativa e mais elevada de sociedade – uma sociedade fundamentada na dignidade, na verdade e na liberdade autêntica.

Ao enfrentarmos as pressões de um Estado que tenta moldar a verdade segundo suas próprias conveniências, os cristãos são chamados a viver com o mesmo fervor daqueles que vieram antes de nós. Tal como Inácio, que encarou seu martírio com esperança, entendendo que sua luta era por uma vida verdadeira, os cristãos de hoje são convocados a afirmar com coragem uma moralidade transcendental que sobrepuje os caprichos e anseios de poder humano.

Por meio de orações como as de Cipriano, que clamam por fortaleza diante das forças do mal, e das reflexões de Agostinho, que nos encorajam a confiar na justiça divina, encontramos a força para resistir ao conformismo que ameaça a fé e os valores que sustentam a civilização ocidental. Essas orações e reflexões não são meros relicários de tempos passados, mas uma força viva que continua a nos animar, oferecendo direção para resistir ao totalitarismo sem ódio, mas com amor, esperança e um compromisso inabalável com a verdade.

A luta contra o totalitarismo cívico é, acima de tudo, uma batalha espiritual. Ela requer de cada cristão a disposição de ser, como escreveu Inácio, “moído como trigo”, se necessário, para que a liberdade e a verdade prevaleçam. É uma resistência que se fundamenta na confiança em Deus, no amor ao próximo e na rejeição de toda tirania que tente suprimir a dignidade humana. Como testemunhas de uma fé viva, os cristãos são chamados não apenas a resistir, mas a transformar a sociedade pelo poder do evangelho, honrando a Deus e promovendo o bem comum. Como Agostinho escreveu, “que o nosso coração se fortaleça no Senhor e não desfaleça diante das ameaças humanas”.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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