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Franklin Ferreira

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Igreja evangélica, Evangelho, teologia moral, história e cultura. Coluna atualizada às quintas-feiras

Segunda Guerra Mundial

Winston Churchill: o mito, a liderança e o legado

Winston Churchill
Winston Churchill, em foto de 1941. (Foto: Yousuf Karsh/Library and Archives Canada/Domínio público)

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Em 2002, a BBC realizou uma pesquisa que se tornaria um marco cultural, solicitando ao público que votasse nas figuras mais importantes da história britânica para a série televisiva 100 Greatest Britons. Mais de 1,6 milhão de votos foram registrados, e Winston Churchill, o líder britânico da Segunda Guerra Mundial, emergiu como a escolha número um, recebendo quase 457 mil votos. A pesquisa revelou o impacto duradouro de Churchill no imaginário popular. Ao celebrarmos o 150.º aniversário de seu nascimento, em Londres, em 30 de novembro de 1874, é importante refletir sobre seu legado e o impacto duradouro na forma como definimos “grandeza” histórica. Para tanto, resumo os argumentos de David Reynolds, professor emérito de História na Universidade de Cambridge, em seu artigo “Still the greatest?”, publicado na edição de novembro de 2024 da BBC History Magazine.

O desejo de Churchill em ser lembrado como “grande” foi uma constante em sua vida e está no coração de sua história. Mo Mowlam, uma membro do Partido Trabalhista que apoiou a candidatura de Churchill na pesquisa da BBC em 2002, destacou sua coragem e determinação, afirmando que, sem sua liderança, o curso da Segunda Guerra Mundial poderia ter sido muito diferente. Isso levanta a questão: Churchill realmente fez tanta diferença em 1940? E, se sim, de que maneira?

A liderança de 1940 e a determinação de Churchill

A resposta é: sim, Churchill foi crucial em 1940. Sua energia e determinação inabaláveis transformaram o cenário político e militar britânico. Antes mesmo de sua nomeação como primeiro-ministro, o governo já se movia em um ritmo acelerado, especialmente após a invasão alemã da França, em 10 de maio de 1940. No entanto, Churchill trouxe um senso de urgência e propósito que galvanizou a nação. Isso era simbolizado por seus memorandos oficiais, que frequentemente traziam o selo vermelho com as palavras: “AÇÃO IMEDIATA”.

Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, Churchill tomou uma decisão estratégica importante. Consciente da confusão e disputas internas ocorridas na liderança política inglesa na guerra de 1914-18, ele se nomeou ministro da Defesa. Na verdade, não havia um Ministério da Defesa na época – isso só surgiria nos anos 1960. Churchill queria apenas a autoridade para lidar diretamente com os chefes do Estado-Maior, em vez de passar pelos ministros políticos.

Isso lhe permitiu exercer controle direto sobre a estratégia militar, evitando a burocracia que poderia retardar decisões críticas. Ele acreditava que a liderança militar deveria estar centralizada e que a comunicação direta com os chefes do Estado-Maior era essencial. Essa abordagem contrastava fortemente com a de seu antecessor, Neville Chamberlain, e com Lord Halifax, ambos hesitantes em assumir o papel de líderes de guerra. Já Churchill, um soldado por formação, sonhava com isso desde a infância.

A habilidade de comunicação de Churchill foi essencial para manter o moral da população britânica durante os momentos mais sombrios da guerra

Comunicador excepcional e a “guerra do povo”

Churchill também se destacou como um comunicador incomparável. Seus discursos não eram apenas inspiradores; eles desempenhavam um papel crucial na educação pública da nação. Ele via a guerra como um esforço coletivo, algo que chamou de “a guerra do povo”, e seus discursos ajudaram a mobilizar a população britânica. Em 22 de junho de 1941, quando Adolf Hitler invadiu a União Soviética, Churchill fez um discurso no rádio, descrevendo o evento como o “quarto clímax” da guerra, conectando-o a momentos anteriores que haviam moldado o conflito. Os demais “pontos de virada” incluíam a Queda da França, em junho de 1940; e a Batalha da Inglaterra, ocorrida entre julho e outubro de 1940; e a aprovação, nos Estados Unidos, do programa Lend-Lease, em 11 de março de 1941. Churchill percebeu a importância estratégica de a Alemanha abrir uma nova frente no Leste. Ele afirmou: “Se Hitler invadisse o inferno, eu faria pelo menos uma referência favorável ao diabo no Parlamento”.

Churchill passava horas preparando seus discursos, revisando cada palavra para garantir que transmitissem a mensagem correta. Sua habilidade de comunicação foi essencial para manter o moral da população britânica durante os momentos mais sombrios da guerra. Discursos como o famoso “nada tenho a oferecer além de sangue, trabalho árduo, lágrimas e suor”, dito em 13 de maio de 1940, quando assumiu o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido; o “lutaremos nas praias, lutaremos nos campos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos”, feito após a retirada de Dunquerque em 4 de junho de 1940; e “nunca, no campo do conflito humano, tantos deveram tanto a tão poucos”, pronunciado durante os estágios iniciais da Batalha da Inglaterra, em 20 de agosto de 1940, destacando a valentia dos pilotos da Royal Air Force (RAF), tornaram-se icônicos. Esses discursos encapsularam a determinação e a resiliência do povo britânico.

Ciência, tecnologia e inovação militar

Uma das características menos discutidas de Churchill foi seu fascínio por tecnologia e inovação. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que tinham uma educação clássica focada em latim, grego e filosofia, Churchill era apaixonado por ciência e engenhocas. Ele foi um dos primeiros a reconhecer o potencial do Ultra, o projeto de decodificação de mensagens inimigas, e garantiu que Bletchley Park, o centro de operações de inteligência, recebesse os recursos necessários para se tornar decisivo na guerra.

Churchill também apoiou o desenvolvimento de novas tecnologias militares, como o radar, que desempenhou um papel crucial na Batalha da Inglaterra. O sistema Chain Home de estações de radar permitiu que a Royal Air Force (RAF) detectasse ataques aéreos alemães com antecedência, oferecendo uma vantagem estratégica vital. Embora Churchill não estivesse diretamente envolvido no desenvolvimento dessas tecnologias durante os anos 1930 – período em que estava fora do governo –, ele compreendeu seu valor e garantiu seu uso eficaz durante a guerra.

É importante reconhecer que a preparação para a Batalha da Inglaterra começou antes de Winston Churchill assumir o cargo de primeiro-ministro. Durante os anos 1930, o governo britânico tomou decisões cruciais, como o apoio ao desenvolvimento dos caças Supermarine Spitfire e Hawker Hurricane, que salvaram as Ilhas Britânicas da invasão alemã em 1940. Essas inovações, combinadas com o radar, foram fundamentais para pavimentar a vitória britânica. Churchill estava ciente desses desenvolvimentos, mas seu papel foi principalmente o de catalisador e líder inspirador, motivando aqueles ao seu redor a agir com determinação na cadeia de produção para o esforço de guerra.

Churchill teve um papel crucial na criação do Special Operations Executive (SOE) e do Special Air Service (SAS) durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, Churchill ordenou a criação do SOE com o objetivo de realizar sabotagens, espionagem e apoio a movimentos de resistência, essencialmente operando atrás das linhas inimigas. Em 1941, ele também apoiou a formação da SAS, uma unidade de elite especializada em operações de comandos, invasões e ataques rápidos. Churchill reconheceu a importância dessas forças especiais para levar a guerra de maneira mais eficiente ao território inimigo, focando em ações de guerrilha e sabotagem, o que desempenhou um papel decisivo na resistência ao Eixo e ajudou a enfraquecer a ocupação nacional-socialista na Europa.

A importância dos aliados e a estratégia de Churchill

Sobreviver a 1940 foi uma coisa; vencer a guerra foi muito diferente. Três dias após assumir o cargo de primeiro-ministro, Churchill disse aos parlamentares, na Câmara dos Comuns, que seu objetivo era “vitória a qualquer custo”. No entanto, após a França assinar um armistício com a Alemanha, em 22 de junho de 1940, isso soava como fantasia. A França havia sido o principal aliado do Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial, com seu exército sustentando a frente ocidental contra a maré imperial alemã. Agora, o Reino Unido estava sozinho contra a Alemanha – e não havia uma frente ocidental no continente europeu.

O Reino Unido e seu império – do Canadá à Índia, do Caribe à Australásia – fizeram uma grande contribuição para a guerra, mas a eventual vitória sobre Hitler e o Eixo dependia substancialmente da União Soviética e dos Estados Unidos. Simplificando, os soviéticos forneceram a mão de obra; os americanos, o poder de fogo. Entre junho de 1941 e junho de 1944 – da abertura da invasão alemã à União Soviética até o Dia D, a invasão aliada das praias da Normandia – mais de 90% das baixas de batalha do exército alemão foram infligidas pelo Exército Vermelho.

Churchill, no entanto, não foi um espectador passivo. Ele trabalhou incansavelmente para manter a aliança entre o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Soviética. Seu relacionamento com o presidente Franklin D. Roosevelt foi particularmente importante. Churchill realizou diversas viagens aos Estados Unidos durante a guerra, desempenhando um papel fundamental ao convencer o presidente Roosevelt a apoiar os aliados através do programa Lend-Lease. Esse programa permitiu que os Estados Unidos fornecessem armas, suprimentos e assistência financeira ao Reino Unido, União Soviética e outros países aliados, sem exigir pagamento imediato. Além disso, Churchill estreitou laços com Josef Stalin, atuando como mediador entre o Ocidente e o Kremlin, facilitando a cooperação entre as potências aliadas.

Winston Churchill desempenhou um papel significativo na fundação do Estado de Israel devido ao seu apoio consistente ao movimento sionista. Durante seu mandato como secretário de Estado para as Colônias, no início da década de 1920, ele defendeu a “Declaração Balfour”, que prometia um lar nacional judeu na Palestina, então sob mandato britânico. Churchill acreditava que o retorno dos judeus à sua terra ancestral era uma causa justa e viu o sionismo como uma oportunidade de desenvolvimento econômico e estabilidade na região. Mesmo após a Segunda Guerra Mundial, ele continuou a apoiar a criação de um Estado judeu independente, considerando isso uma reparação moral pelo Holocausto e uma forma de proteger os direitos do povo judeu. Seu apoio foi fundamental para legitimar a causa sionista nos círculos políticos britânicos e internacionais.

No marco dos 150 anos de seu nascimento, Winston Churchill continua a ser um símbolo de liderança em tempos de crise

Churchill, o escritor e o mito

Após a guerra, Winston Churchill dedicou-se a escrever suas memórias, publicadas em seis volumes sob o título A Segunda Guerra Mundial. Essas obras moldaram a percepção pública sobre a guerra, apresentando Churchill como o herói central do conflito. Ele sabia que controlar a narrativa era fundamental e teve acesso privilegiado a documentos oficiais para escrever sua versão dos eventos. Como escreveu Reynolds:

“Churchill conseguiu publicar rapidamente e com um nível impressionante de detalhes [A Segunda Guerra Mundial], determinado a moldar a narrativa pública antes que outros o fizessem. Ele foi cuidadoso ao afirmar que sua obra não era propriamente uma história, mas ‘uma contribuição para a história que será útil para o futuro’, contada principalmente a partir da [sua] perspectiva. [...] A escolha do título – A Segunda Guerra Mundial, em vez de Memórias de Guerra – reforçou ainda mais a ideia de que a história pessoal de Churchill abrangia todo o conflito global. A edição em capa dura vendeu 2 milhões de cópias no Reino Unido e um número semelhante nos Estados Unidos. Além disso, a visão de Churchill sobre a guerra alcançou públicos ainda maiores ao redor do mundo por meio de traduções do livro e publicações seriadas em jornais.”

Winston Churchill ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1953 por sua obra A Segunda Guerra Mundial e outros escritos históricos e discursos. O prêmio foi concedido não apenas pelos seis volumes sobre o conflito, mas também por sua contribuição ao gênero da biografia e à oratória. A Academia Sueca destacou a “maestria em descrição histórica e biográfica” e “a brilhante defesa dos valores humanos”. Assim, Churchill foi reconhecido por seu estilo literário poderoso e por ter moldado a narrativa histórica de um dos períodos mais cruciais do século 20.

Reynolds complementa: “Representações cinematográficas e televisivas [...] também mantiveram Churchill em destaque, começando com [Simon Ward em Young Winston (As garras do leão), de 1972, e] Robert Hardy na série da ITV Winston Churchill: The Wilderness Years, de 1981 [...]. Representações posteriores incluíram Albert Finney (The Gathering Storm [O homem que mudou o mundo], 2002), Brendan Gleeson (Into the Storm [Tempos de tormenta], 2009) e Gary Oldman (Darkest Hour [O destino de uma nação], 2017). Biografias populares seguiram o mesmo caminho, como exemplificado pela contribuição envolvente de Boris Johnson, O fator Churchill: como um homem fez história (2014)”.

Churchill também comissionou uma biografia oficial antes de sua morte, assegurando que seu legado fosse cuidadosamente moldado. Essa biografia, escrita por seu filho, Randolph Churchill, e posteriormente por Martin Gilbert, professor de História na Universidade de Oxford, reforçou sua imagem de estadista e líder visionário. Em português, as melhores biografias disponíveis são as de Roy Jenkins (Churchill), Paul Johnson (Churchill), Martin Gilbert (Churchill: uma vida) e Andrew Roberts (Churchill: caminhando com o destino).

As críticas ao legado de Churchill

Nos últimos anos, o legado de Churchill passou por um escrutínio mais intenso. Críticas surgiram em relação ao seu papel durante a Fome de Bengala, em 1943, e suas opiniões sobre o Império Britânico e a Índia. Muitos argumentam que suas decisões contribuíram para a crise humanitária que resultou na morte de 3 milhões de pessoas na província. Além disso, suas declarações sobre raça e colonialismo geraram debates sobre sua visão de mundo e seu lugar na história moderna. De acordo com Reynolds:

“O debate foi reavivado pelo movimento [esquerdista] Black Lives Matter nos Estados Unidos e no Reino Unido após 2019. Acusações de genocídio foram direcionadas a Churchill, e sua estátua na Praça do Parlamento em Londres foi pichada com ‘era um racista’ [em novembro de 2024 a estátua permanecia cercada para protegê-la de ataques de vândalos]. Os partidários de Churchill ofereceram uma defesa robusta [contra as acusações], mas as polêmicas anti-Churchill – muitas vezes baseadas na ignorância da história detalhada – nos lembram de que heróis podem facilmente ser transformados em vilões à medida que as perspectivas [políticas] mudam.”

Apesar das críticas, o legado de Winston Churchill na Segunda Guerra Mundial permanece amplamente reconhecido. Segundo Clement Attlee, membro do Partido Trabalhista e seu sucessor como primeiro-ministro no pós-guerra, Churchill foi o maior líder de guerra do Reino Unido, não apenas por suas habilidades militares, mas por sua habilidade em equilibrar as demandas de líderes civis e militares.

Churchill e a grandeza

Churchill foi um líder inspirador, estrategista militar e comunicador brilhante, mas também um homem cujas opiniões e decisões refletiam, em muitos aspectos, as atitudes de sua época. Seu desejo de ser lembrado como “grande” foi alcançado, embora a definição de grandeza tenha evoluído ao longo do tempo. Ele foi, sem dúvida, um dos grandes líderes do século 20, mas sua trajetória nos lembra que a grandeza histórica é um mosaico de triunfos e controvérsias. Como destaca Reynolds: “não tenho dúvida de que, na sua ‘melhor hora’, Winston Churchill conquistou a imortalidade que tanto desejava”. Assim, ele permanece uma figura central na história britânica, não apenas por suas ações durante a guerra, mas pelo debate contínuo sobre liderança, poder e responsabilidade.

No marco dos 150 anos de seu nascimento, Winston Churchill continua a ser um símbolo de liderança em tempos de crise. Sua habilidade em galvanizar nações, tomar decisões sob pressão e transmitir esperança em meio ao desespero o coloca entre os grandes estadistas da história. Em um mundo que enfrenta desafios complexos e exige novos padrões de liderança, seu legado inspira reflexões sobre coragem, resiliência e o preço do poder. Mais do que uma figura do passado, Churchill é um ponto de partida para debates atuais sobre como equilibrar princípios, pragmatismo e responsabilidade moral.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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