Se anos atrás o autoritarismo era o modelo padrão para educar os filhos, com pouco espaço para diálogo e poder de convencimento baseado em severidade e rigidez, hoje o jogo mudou – e para melhor, eu diria. Pais e mães têm se esforçado para aprender e aplicar formas melhores de lidar com os desafios da criação dos filhos, e parte disso se deve à chamada educação positiva.
Essa abordagem, que veio da psicologia positiva e tem sido aplicada à exaustão nas casas e escolas, baseia-se em reduzir conflitos e punições para criar um ambiente mais harmonioso, onde a criança encontre segurança para se expressar e se desenvolver.
Mas como tudo na vida, quando falta equilíbrio o que é bom pode se tornar um problema. E esse é o caso da aplicação sem critérios da educação positiva pelos pais, o que pode trazer uma série de consequências aos filhos.
As diversas técnicas de educação positiva que tomaram as redes sociais repetidas por influenciadores passaram recentemente a dar lugar a desabafos sobre os reais efeitos de negligenciar ensinamentos preciosos aos filhos, como o estabelecimento de limites.
Um caso recente que furou a bolha e ganhou muita relevância nas redes sociais foi o desabafo de Evelyn Faoth, que após aplicar as técnicas passou a questionar os reais efeitos de uma abordagem desequilibrada no futuro das crianças.
“Minha filha está para fazer 5 anos, e a gente já começou a sentir que acabamos dando muito poder de fala para ela. Não tem nenhum momento que ela respeite o que falamos. É uma briga enorme agora, porque tudo o que falamos, que sabemos que é para o bem, ela não aceita e vai tentar rebater e debater até o último”, diz a mãe, que foi chamada na escola por causa da indisciplina da filha.
Em sua fala, que somou quase três milhões de visualizações, ela se queixa da dificuldade da filha em obedecer a autoridades e diz que apesar dos pontos favoráveis, a educação positiva pode se tornar uma “educação permissiva”, com consequências difíceis de serem revertidas.
O alto preço de se evitar desconforto a todo custo com a educação positiva
A verdade é que colocar o filho em poder de escolha a todo momento, permitir que regras sejam sempre negociáveis e evitar conflitos e frustrações a todo custo criará dificuldades para essa criança no futuro.
E essas consequências não têm a ver somente com a dificuldade de acatar ordens e obedecer a autoridades – o que impactará a vida acadêmica e profissional do futuro adulto – mas também com questões emocionais.
Frustrações controladas são oportunidades importantes para ensinar à criança resiliência e perseverança. Deixar sistematicamente de lado as repreensões ou criar distrações sempre que houver um iminente aborrecimento da criança impede que ela aprenda a enfrentar desafios e a lidar com dificuldades.
Em um importante estudo da Academia Americana de Pediatria publicado em 1996, a médica pediatra Barbara J. Howard já mostrava que crianças criadas em ambientes onde faltam limites apresentam maior probabilidade de desenvolver problemas comportamentais, como agressividade e dificuldade de adaptação às normas sociais. Quase 30 anos depois, a situação aparentemente piorou.
Um outro ponto que tenho notado é que pais que recorrem a abordagens exageradamente positivas também contribuem para que os filhos muitas vezes sejam mal vistos por outras crianças e por adultos – e, claro, sofram com isso. É óbvio: ninguém gosta de lidar com crianças mal educadas, sem limites, que não seguem regras nem obedecem a autoridades.
Fuja dos extremos: nem omisso, nem autoritário
Tudo isso não significa que é preciso ser um pai autoritário e inflexível, que exerce um controle rígido, ditatorial e abusivo dos filhos. O outro extremo da omissão é o autoritarismo, que é igualmente perigoso.
Se o grande problema de uma visão desequilibrada da educação positiva está em evitar conflitos ou desconfortos emocionais todo o tempo, a saída é desenvolver a capacidade de aplicar abordagens mais pragmáticas quando necessário.
Abrindo um parêntese, apesar de não ser uma regra, é mais natural que o pai tenha mais facilidade em repreender o filho do que a mãe. E a aplicação imprudente da educação positiva tem gerado um problema curioso dentro das casas: mães que repreendem o pai que está corrigindo o filho – e isso na frente da criança, criando uma confusão ainda maior na cabeça dos pequenos.
Abordagens podem variar: o segredo é a flexibilidade
Lembro que algumas das vezes que repreendi meu filho com mais contundência foi a partir dos dois anos e meio de idade, quando ele começou a dar tapas no rosto da minha esposa quando algo o desagradava.
Foram poucas vezes que vi isso, e quando aconteceu houve repreensão imediata, logicamente proporcional à idade dele. Depois de algumas chamadas de atenção nunca mais houve nenhum tapa no rosto da mãe.
Acho interessante que hoje quando brinco com ele de lutinha, volta e meia ele acerta alguns golpes em mim, mas em qualquer brincadeira com a mãe ele naturalmente “vira a chave” e muda a postura para não machucá-la.
Isso porque aprendeu desde cedo que há consequências quando se fere o direito de outra pessoa, e que agressões a mulheres, principalmente a mãe dele, não seriam toleradas aqui em casa.
Logicamente há abordagens muito diferentes nos conflitos normais que surgem quando ele não quer ir para a escola, ou quando teima que quer comer um prato de chocolate na hora do almoço, por exemplo. Nessas horas realmente a educação positiva pode ser uma importante aliada.
Na paternidade há o risco de confundir autoridade com autoritarismo, mas é preciso entender que um pai e uma mãe são autoridade dentro de casa, e vez ou outra será preciso disciplinar os filhos e permitir que sejam expostos a situações temporariamente desagradáveis.
Imaginar uma vida em que absolutamente tudo pode ser resolvido com plena harmonia é uma ingenuidade que vai cobrar um preço alto lá na frente.
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