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Há alguns meses decidi fazer um retiro na igreja que participo, o que há muito tempo não fazia. Era um retiro exclusivo para homens, com o silêncio como regra. A conversa uns com os outros era limitada ao essencial para que todos conseguissem se conectar melhor e aproveitar ao máximo o que Deus tinha para cada um.
Fomos recepcionados na noite de sexta-feira com um lanche no salão da igreja. Já de início, a lei do silêncio estava valendo. Cada um escolhia uma mesa e sentava ao lado de outros homens, quase todos desconhecidos. Apenas um cumprimento de cabeça e cada um fazia sua refeição ao som apenas dos talheres.
Colocar no mesmo ambiente vários homens que tenham algo em comum, ainda que sejam desconhecidos, é praticamente garantia de boas risadas, porque qualquer coisa vira motivo para piada. As piadas, aliás, nem precisam ser tão boas – temos uma facilidade única para nos divertir com pouco.
Mas isso depende de uma coisa: comunicação, o que não havia no momento. Então o clima foi de seriedade a maior parte do tempo. Isso durou até que chegasse o tema da paternidade, focada no relacionamento de cada um com seu pai.
“Levante a mão quem já teve a oportunidade de sentar com seu pai para conversar sobre o que significa ser um homem”, perguntou o preletor. Seis levantaram a mão... entre sessenta homens.
Ao final da excelente pregação, quase todos, sérios e durões, agora estavam com lágrimas nos olhos. Alguns choraram alto – um choro amargo, como um soco no peito. Permissão para chorar concedida. Ali não havia máscaras, cada um conhecia bem a dor que os outros estavam sentindo.
Por que o relacionamento com o pai é tão importante para um homem
O relacionamento com o pai é muito caro para um homem. A verdade é que a maioria de nós não teve uma relação paterna como gostaria, e por mais que evitemos falar sobre o assunto, quase sempre há ali alguma ferida, em maior ou menor grau. Esquivamos do assunto justamente para manter essa vulnerabilidade escondida apenas para nós mesmos.
Essa dor tem um nome: ausência paterna. Para alguns pode ter sido por abandono ou falecimento (como é o meu caso), mas na maioria das vezes a dor vem de um mau relacionamento com pais vivos.
Uma infância marcada pela falta de conversa e pelo excesso de rigidez, com pouco afeto e muita severidade. Repetidas palavras duras demais para a pouca idade, raras demonstrações de carinho e quase nenhum momento de lazer entre pai e filho... Um menino que cresce sem se sentir amado e valorizado pelo seu pai carrega no peito uma frustração crônica.
Voltando ao episódio do retiro, há ainda um outro motivo – mais raro – para aquele choro: alguns poucos felizardos que desfrutaram da companhia de um pai maravilhoso que já não estava mais presente.
O pai é o herói que todo homem sonha ter. Quando esse herói parte dessa vida muito cedo ou, pior, abandona sua capa e decide que não há problemas em agir como o vilão da história, há consequências ao filho que podem durar toda uma vida. Essas consequências são cientificamente comprovadas, como mostrei no meu livro Entre Lobos e Cães Pastores – O Poder da Paternidade.
Por outro lado, quando o pai é bom e falece, o vazio que fica é impossível de ser preenchido.
A verdade é que quase todo homem, por mais “casca-grossa” que seja, carrega uma sensibilidade emocional maior quando se trata do seu pai. Em momentos como aquele retiro, essa ferida pode vir à tona — e isso não é algo ruim. A boa notícia é que há um caminho para lidar com ela e começar a curá-la.
Superando as dores da ausência paterna
O termo "calcanhar de Aquiles" vem da mitologia grega: Aquiles era um herói quase invencível; sua única vulnerabilidade era o calcanhar. Para muitos, a relação com seu pai costuma ser o ponto fraco, vulnerável.
Mas esse calcanhar de Aquiles aparentemente inevitável pode ser amenizado. Cada um que viveu à sombra da ausência paterna lida com isso de uma forma diferente, mas por experiência própria e pelo que tenho visto com muitos outros homens, uma das formas mais poderosas de curar uma ferida relacionada à paternidade é com os próprios filhos.
Isso tem a ver com ser o pai que você sempre sonhou ter.
Proporcionar aos seus filhos o relacionamento que você nunca teve com seu pai significa tratar dos próprios ferimentos. E mais: é decidir consertar a história e criar um legado em que as próximas gerações terão um rumo diferente do que teriam se não houvesse essa decisão.
O problema é que muitos de nós não vivemos com profundidade esse processo de cura. Alguns optam por não ter filhos por mero egoísmo. Outros até têm, mas vivem como se não tivessem: não mudam nada em suas vidas para que os filhos recebam o que precisam.
Com frequência esses pais estão reproduzindo o que receberam. Ou seja, nada – nenhum afeto, nenhum amor, nenhum tempo disponível. Para piorar, às vezes descontam nos filhos suas frustrações.
Mas há um caminho muito mais honroso: decidir mudar completamente o rumo da sua vida para dar aos seus filhos o que você não teve. Isso tem a ver com cumprir bem as quatro funções essenciais de um pai de excelência: amar, prover, proteger e orientar.
É vivendo esse processo dia após dia que você vai aos poucos transformando a dor da ausência paterna em preenchimento e satisfação. Ser um bom pai é maravilhoso para os filhos, mas melhor ainda para nós mesmos. Se entregue a isso com afinco e veja o milagre acontecer.
“Que o amor e a fidelidade jamais o abandonem; prenda-os ao redor do seu pescoço, escreva-os na tábua do seu coração” (Provérbios 3:3)