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Durante os últimos anos, fomos bombardeados com histórias de empreendedores quase heroicos que, num momento de coragem (que mais parecia loucura), criaram um negócio disruptivo e inovador. Líderes arrojados que se transformaram em verdadeiros avatares para uma nova geração, ávida por exemplos de como se chegar ao protagonismo num piscar de olhos.
As famosas empresas de garagem e as histórias de empreendedores como Bill Gates ou Steve Jobs parecem se multiplicar nos últimos anos, enquanto uma nova geração de jovens ansiosos se pergunta: afinal, o que devo fazer para ser protagonista?
Em contrapartida, vai para debaixo dos panos qualquer detalhe menos glamouroso, que possa colocar em xeque a imaculada imagem de rebeldia do líder que fez diferente e chegou lá. Anos de estudos e trabalho, o ônus da responsabilidade, tão clássica para gerações passadas, parecem ser questões esquecidas por muitos que ingressam em um mercado em real transformação.
Ao analisar as novas lideranças, é impossível não criar um contraponto com as gerações passadas – que a bem da verdade ainda estão à frente de muitos negócios, especialmente os mais consolidados, lidando com a tradição de gestão e se adequando a novas tecnologias.
Não há, no entanto, uma substituição de gestores baby boomers por millennials sem pontos de ruptura cada vez mais evidentes. E é preciso analisar estes dois perfis para que possamos entender melhor a nossa maneira de liderar, alinhando expectativas de empresas e profissionais para garantir a continuidade de negócios e o surgimento de uma nova geração de líderes.
Quem são e o que pensam os novos profissionais?
Quando destaco no título deste artigo a palavra ansiedade, não é por acaso. Além da minha rotina profissional, pesquisas dão respaldo à percepção que construí sobre os jovens líderes. A Catho, por exemplo, em um estudo com mais de 500 recrutadores, classificou os millennials como intensos, urgentes e inconstantes. Características estas que dificultam, muitas vezes, a construção de carreiras de sucesso – que não nascem da noite para o dia, exceto em casos isolados, muito distantes da utopia das empresas de garagem do Vale do Silício.
Ainda de acordo com este levantamento, a rápida frustração dos jovens quando os problemas e a rotina de trabalho chegam com intensidade, minam a manutenção e o crescimento de bons profissionais no ambiente corporativo. A pressa para crescer, apontada por 67% dos recrutadores, é outro revés.
Aparentemente, a exposição de histórias profissionais de sucesso criou uma cortina de fumaça que não nos deixa enxergar a verdade por trás desse cenário. E a recente pesquisa da Dataminer com 42 startups brasileiras desmistifica o avatar do líder rebelde e errante que de uma hora para outra chegou ao topo: todos os fundadores (mais de 100 ouvidos pelo estudo) têm mais de 30 anos e ao menos uma graduação, 57% possui pós-graduação e 73% continua trabalhando na empresa que fundou. Escolas de renome no currículo e pertencimento à classe média ou média-alta também são fatores que compõem a lista.
Ou seja: criamos um avatar do gestor perfeito, inteligente, rápido, eclético, saudável, carismático, excêntrico, bem-sucedido, workaholic, onipresente e com uma história incrível e digna de um filme. E, na maioria dos casos, ele só existe na ficção. Boa parte dos jovens que estão no mercado e que se comparam com o avatar do sucesso, percebem que estão aquém do modelo ideal e talvez leve um tempo muito grande para tentar chegar próximo a ele.
E aqui chamo atenção para um fato preponderante: não podemos nutrir e fomentar uma geração de órfãos da liderança.
Aprender com a geração prateada vai nos ajudar a quebrar o mito do líder perfeito
Enquanto os millennials sofrem com a própria ansiedade, tentando acertar em meio ao caos de um mercado em plena evolução, com tecnologias sendo alteradas a todo momento, os baby boomers seguem ativos. Eles, que passaram por tantas mudanças, por cenários econômicos fragilizados, diferentes moedas e formatos de atuação, podem contribuir para a formação de uma nova geração de líderes bem-sucedidos.
Segundo dados da ONU, o mundo conta com 962 milhões de pessoas com mais de 60 anos e esse número só deve aumentar. Com a expectativa de vida aumentando (no Brasil, segundo o IBGE, subiu 30 anos nas últimas sete décadas e chega a 76 anos), é cada vez mais normal ver gestores em plena vivacidade aos 60. Eles continuam à frente dos negócios e trazem uma ampla bagagem para contribuir com a formação das novas lideranças. Sabem das dificuldades de se gerir uma empresa e não cultivam a ansiedade típica de quem chegou ao mundo nos anos 1990 e 2000.
Se estamos perdendo lideranças por conta do novo perfil que chega às organizações, talvez a solução seja aprender com quem tanto já fez.
Há um caminho: equilíbrio
Está na hora de refletirmos sobre este movimento em torno da gestão. Somos frutos de nossas escolhas, convicções, crenças e habilidades. Estamos perdendo as lideranças, neutralizando aqueles que se destacariam por conta de uma ansiedade extrema. Já é o momento de aceitarmos que o sucesso e os resultados podem vir por diferentes formas. Equilibrar os anseios de uma nova geração com as receitas de sucesso (que sempre unem muito trabalho e estudo – não há fórmula mágica) será a solução para evitarmos a evasão de líderes e as cadeiras vazias por conta da falta de interessados em conciliar o status com o revés da gestão. Liderança é exemplo, postura, atitude e coragem para assumir posições e tomar decisões. E continuamos precisando de mais líderes e menos avatares.
*Roberto Vilela é especialista nas áreas de gestão e estratégias comerciais. Atua em todo o Brasil com clientes de médio e grande porte, realizando palestras, consultoria comercial e treinamentos vivenciais. É autor dos livros Em Busca do Ritmo Perfeito, em que traça um paralelo entre as lições do universo das corridas para a rotina de trabalho, e Caçador de Negócios, com dicas para performances de excelência profissional. Produz ainda séries de podcasts sobre estes assuntos, disponíveis nas plataformas Spotify e Itunes. E-books, artigos, áudios e vídeos.