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À medida que a discussão pública acerca do Queermuseu começou a orbitar em torno da questão da liberdade de expressão, o foco do debate oscilou entre o boicote à mostra – se se tratava ou não de censura e se isso era compatível com, por assim dizer, um “espírito democrático” –, e o que é e o que não é arte – porque isso resolveria o impasse sobre determinadas obras expostas, se elas faziam, de fato, apologia à pedofilia e à zoofilia, e se isso deve ou não constituir um limite à atividade artística. São temas relevantes, sem dúvida, mas extremamente espinhosos, sem respostas óbvias, que exigem uma análise cuidadosa. Em compensação, algo que estava evidente, que não demanda esforço para ser compreendido, e que é também um escândalo, não recebeu a devida atenção da maior parte dos jornais: o crime inequívoco de vilipêndio a objeto de culto cometido por Antônio Obá, um dos artistas, que pegou uma caixa de madeira e a encheu de hóstias, nas quais escreveu (isso por si só já é profanação) baixarias, e cinicamente chamou isso de obra de arte. Quando essa (por falta de nome chamemos de “peça”) peça foi exibida no Queermuseu, o curador Gaudêncio Fidelis e o banco Santander se tornaram co-autores do crime. Consultem o artigo 208 do Código Penal: (…)” vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa”. Uma lei como essa está inserida no âmbito maior tanto do respeito ao credo alheio, quanto da própria liberdade de culto; ou seja, salvaguardando-a, está-se observando os princípios da liberdade e da igualdade (estes que gostam tanto de colocar em oposição) simultaneamente! A pena é branda, mas ao menos é pedagógica. E o mais importante seria poder imputar legalmente a responsabilidade pela prática de um crime de ofensa grave a toda uma coletividade, digna de anti-semitas, racistas e homofóbicos. O valor simbólico disso é muito maior do que o da pena. O boicote pode, por si só, ter causado esse efeito? Talvez, mas sem o devido processo legal e a chancela do Judiciário – o que rendeu ao MBL e aos que protestaram contra a mostra a pecha de arbitrários, autoritários etc. Infelizmente, essa questão passou batida quando se diluiu na enxurrada de acusações (fundadas ou infundadas, não sei) de “apologia à pedofilia”.
Renata Ramos tratou, em artigo para a revista Amálgama, da questão do boicote versus liberdade de expressão, dando uma solução elegante e conciliadora para o problema: o anúncio de uma classificação etária para a mostra; e frisando o papel das leis na estabilização da sociedade e na preservação da democracia. “Não é à toa que as sociedades mais prósperas, conhecidas também por sociedades de confiança, são aquelas em que os indivíduos possuem certeza de que as regras que seguem hoje não serão alteradas amanhã”, diz a autora. Ela destaca isso com propósitos que não coincidem exatamente com os meus, mas não deixa de ser um reflexão pertinente.

O MBL e o boicote

Tratemos da questão do momento: boicotes e pressão da sociedade são meios legítimos de se fazer democracia? No texto que indiquei acima, Renata Ramos traz duas respostas a essa pergunta vindas de dois ícones do liberalismo: John Stuart Mill e Friedrich Hayek. O primeiro entende que não, que para preservar a liberdade é necessário que os indivíduos aprendam a tolerar o que difere dos seus pontos de vista, justamente para que eles também sejam preservados da ingerência de terceiros. Já o segundo não desaprova os boicotes, porque a expressão de desaprovação também integra o rol das liberdades, e ainda são uma opção não violenta de se fazer ouvir.
Mas não podemos nos esquecer do seguinte: boicotes são um dos instrumentos de pressão favoritos da esquerda, e funcionam porque há militância organizada que está disposta a, quando acionada por suas lideranças, parar a vida para colocar a boca no trombone. Vilma Gryzinski mostra diversos casos em que grupos resolveram implicar com alguma coisa, inclusive com arte, que não se enquadrava na moral deles: o politicamente correto. E, nesses casos, o terreno para a ausência de bom senso é fértil!
O MBL também é um grupo militante que está aprendendo a se articular. Talvez seja pelo momento histórico em que vivemos, mas o fato que eles estão mais ou menos em sintonia com o que a maior parte da população almeja para o país, o que se pode observar pelo amplo apoio de que desfrutam entre pessoas que estão distantes da política. Muitos argumentaram que sua adesão e incentivo ao boicote do Santander não foi uma decisão de matiz liberal, mas sem dúvida correspondia ao sentimento de indignação do povo perante a exposição. Mas é prudente que não caiam na tentação de agir como a militância esquerdista, só que com o sinal trocado. Do contrário, suas ações serão facilmente contestadas por seus oponentes.

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Liberdade de expressão na América
O editorial da última edição da New Criterion falou sobre liberdade de expressão. Nos EUA estamos vendo a mesma discussão que travamos nos últimos dias aqui no Brasil, só que lá é a esquerda que está a policiar o que pode e o que não pode. O caso da remoção da estátua do general confederado Robert Lee tornou-se o mais conhecido internacionalmente, pela repercussão dos protestos, mas há muito mais do que isso acontecendo por lá. Palestrantes de direita que são proibidos de entrar no auditório onde falariam, obras literárias de autores caucasianos, como Shakespeare, que querem tirar do currículo das universidades, entre outras pérolas da militância esquerdista, estão realmente colocando em cheque a liberdade de expressão no país que tradicionalmente goza de um ambiente de efervescência cultural, e que está vendo seu legado em risco.