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Depois do ocorrido em Charlottesville, a narrativa que mais circulou jornais mundo afora foi a de que, durante protesto de um grupo de extrema-direita formado por racistas, KKK, neonazistas, supremacistas brancos e, last not least, trumpistas – todos colocados no mesmo balaio de gato –, manifestantes anti-racistas e anti-fascistas foram agredidos e uma pessoa chegou a morrer atropelada. Por pouco não colocaram a culpa pela tragédia no próprio Donald Trump, por ele ser o Hitler do século XXI incitando a violência entre seus apoiadores (quer dizer, nem precisava, porque comparações dessa natureza já circulam faz tempo na mídia…). Acontece que o que se sucedeu na pequena cidade da Virginia foi bem diferente dessa versão trumpistas-racistas-violentos-do mal partindo para cima de manifestantes do bem. E junto a essa versão bastante seletiva – quem nem bem explicou quem são esses grupos que estavam no contra-protesto, os supremacistas negros do Black Lives Matter e os radicais de esquerda do Antifa –, toda uma confusão conceitual se seguiu nos comentários sobre o episódio, que teciam críticas à direita, chamavam nazistas e neonazistas de extrema-direita, apoiadores de Trump da “alt-right” de supremacistas brancos, e alertavam para o perigo do retorno do autoritarismo de direita. É de deixar qualquer pessoa que não acompanhe a mídia alternativa americana (coisa que muito poucos fazem) extremamente confusa. Para ajudar a explicar em maiores detalhes o que se passou em Charlottesville e qual a origem e o perfil dos grupos envolvidos, indico artigo de Marcelo de Paulos; e sobre o nazismo ser de esquerda ou de direita, fiquem com podcast de Flávio Morgenstern.

“Alt-right”: what the hell is that?
Donald Trump foi eleito por praticamente metade da população americana. Imaginar que todo seu eleitorado, ou mesmo a maioria dele, constitua-se de homens e mulheres racistas, xenófobos e odientos não é só impreciso como é uma caricatura grotesca da realidade. Entre seus apoiadores mais entusiasmados encontra-se o pessoal a que se convencionou chamar de “alt-right”, abreviação de alternative right. Como o próprio nome sugere, a definição do grupo se dá pela negativa. Todos aqueles que não se enquadram muito bem no perfil da direita tradicional americana – aquele jeitão republicano típico, menos incisivo, mais Fox News de ser – eventualmente acabam sendo classificados como “alt-right”. Isso pode soar esquisitíssimo para brasileiros, a quem toda a “nova direita” soa alternativa, uma “contracultura”, mas lembremo-nos de que nos EUA nunca deixou de existir direita na política, no jornalismo e na cultura de um modo geral.
A direita tipicamente republicana abrandou o discurso contra a oposição democrata e contra as pautas dos “liberals”, sustenta aquela postura de “isentona”, pende para as políticas intervencionistas, diz que o “America first” é populismo. “Alt-right” é quem contraria uma ou mais dessas características, o que torna o grupo bem heterogêneo. São incluídos na “alt-right” Alex Jones e Paul Joseph Watson, do canal Infowars, que trombetearam as informações sobre Hillary Clinton trazidas à tona pelo Wikileaks, e até se posicionaram contra Trump quando este bombardeou a Síria, isolacionistas, críticos ferrenhos do multiculturalismo e do globalismo; Milo Yiannopoulos, ex-editor do site Breitbart, famoso por suas declarações politicamente incorretas, homossexual e conservador – odiado por neonazistas e curiosamente rotulado pela esquerda de “supremacista branco”; Michael Voris, católico tradicional, defensor da Doutrina da Igreja, criador do canal “Church Militant”; além de alguns libertários, neomonarquistas, fãs do Putin, neonazistas, entre outros. Na alt-right cabe tudo, de malucos a mentes brilhantes, mas todos outsiders. Não se trata de um clubinho unívoco em que os integrantes aderiram a um conjunto de convicções específico. São pessoas com visões de mundo muito diferentes, mas que têm em comum se posicionarem sem eufemismos contra o establishment. E o Tea Party? O Tea Party é o meio do caminho entre a direita republicana e a “alt-right”. Agora, dizer que a “alt-right”, como divulgou a Folha, é um grupo de ódio que desumaniza as pessoas é injusto, para dizer o mínimo. É tomar a exceção por regra, só porque uns idiotas neonazis e da KKK sentaram na janelinha do bonde da “alt-right”. Assim como nas manifestações de rua de 2015 e 2016 em que os que pediam intervenção militar eram uma minoria, mas que sempre saia na capa dos jornais, a “alt-right” não deve ser noticiada como um movimento supremacista branco. Vejamos no vídeo a seguir a resposta de Milo a um jovem que fez essa acusação a ele, e aqui um artigo em que ele tenta definir o que é alt-right.

Antifa: black blocs on steroids
Antifa – abreviação de anti-fascistas – é outro grupo que esteve presente no ocorrido em Charlottesville. Esse sim é organizado, violento, criminoso. São uma espécie de black blocs on steroids, porque já causaram mais confusão e terror por onde passaram do que os mascarados brasileiros e europeus, impedindo que grupos de republicanos se reunissem, espancando e esfaqueando pessoas, além de todas aquelas coisas que já vimos os black blocs fazerem. Em companhia do Black Lives Matter, foram ao protesto contra a retirada da estátua do general Lee só para causar confusão. E conseguiram. O rótulo que estão tentando colar na “alt-right”, com o sinal trocado, seria muito mais adequado ao Antifa. Donald Trump bem observou isso, quando alfinetou a imprensa que cobria o caso, ao perguntar “O que acontece com a ‘alt-left’, que atacou o que estão chamando de ‘alt-right’? Têm alguma culpa?”. Ah, mas essa fala de Trump já virou manchete como “a ‘alt-left’ cidata por Trump não existe nos EUA”. É evidente que ele estava falando do Antifa e do BLM, e não nomeando um grupo inexistente. “Alt-left” é um neologismo, colegas jornalistas, e dos bons, porque carregado de ironia. Confira o artigo de Peter Beinart, para a revista esquerdista The Atlantic, “The rise of the violent left”, em que ele conta o surgimento do Antifa. O autor ressalta que a esquerda americana em peso considera o presidente Trump uma ameaça humanitária, e lança a pergunta: “até onde a esquerda estaria disposta a ir para lutar contra ele e seus apoiadores?”. É a pergunta que a maioria dos democratas deve estar se fazendo; e, como resposta, vimos um crescimento estrondoso do Antifa. Pergunto eu, emprestando comentário feito pelo filósofo Olavo de Carvalho, “se há tantos nazistas vivos à solta, por que é preciso lutar contra estátuas?”. Enfim, o autor cita a justificativa de um membro do Antifa que disse “o trumpismo fascista não foi bem combatido ou contido pelos princípios ‘liberals’, que apelam à razão. A esquerda radical oferece respostas práticas e sérias neste momento político.” O curioso é que Beinart, ainda que repudie os métodos dessa esquerda violenta, compartilha de sua revolta, praticamente colocando em Trump a culpa pela existência do Antifa! “À medida que o presidente ridiculariza e subverte as normas democráticas liberais, os progressistas enfrentam uma escolha (…) A revolta, o medo e o ódio são compreensíveis”, afirma. Ainda trago uma matéria da CNN – da CNN, vejam bem! – que entrou num QG de Antifas e os entrevistou.

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