Em 26 de maio foi publicado o Decreto n.º 8.243, que instituiu a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. Com o expresso objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil, o Decreto cria ferramentas de participação da sociedade civil em todas as etapas das políticas públicas. Exige, ainda, a utilização destas ferramentas pelo gestor público desde a formulação até a avaliação das políticas públicas, comprovada mediante relatórios anuais. E o próprio texto trata de dar a amplitude do que entende por sociedade civil.
As primeiras manifestações a respeito do referido Decreto foram críticas, não poucas atribuindo ao texto a natureza de golpe institucional ao atribuir poder de participação social a movimentos sociais não institucionalizados. O texto estaria, na visão destes críticos, buscando privilegiar coletivos historicamente próximos ao Partido dos Trabalhadores, instaurando um modelo bolivariano anti-democrático. Além disso, as manifestações contrárias ao Decreto o entendem como um desprestígio ao modelo de democracia representativa a ponto de entenderem inconstitucional o seu conteúdo do ponto de vista material.
Conceitualmente, no entanto, discordamos destas manifestações. Deve-se considerar que o conceito de democracia evoluiu sobremaneira em relação àquele formulado quando de sua instituição. Em primeiro momento, o conceito de democracia reveste-se de conteúdo meramente formal, representando tão somente forma de governo na qual o povo detém parcela de participação, mas evolui para uma concepção de técnica de igualdade.
A democracia, portanto, que nasce com ideias formais de participação do povo, tende a encontrar ferramentas de participação efetiva, pressupondo que quanto mais efetiva a participação social, maior legitimidade se dá às ações do Estado e, consequentemente, mais próximo da igualdade material se chega.
Passa-se, então, das ideias de democracia direta, semidireta e representativa, dominantes nos Estados Democráticos até então, à discussão de uma democracia participativa como forma de dar nova roupagem ao instituto da democracia, fortalecendo-a através de instrumentos de efetiva participação dos cidadãos nas decisões políticas da sociedade em que se inserem.
Em sua vertente moderna, a propósito, é chamada por doutrinadores de democracia administrativa (Odete Medauar) com a expressa intenção de desmonopolização do poder do Estado, sobretudo pela constatação de que as noções de democracia precisavam se modernizar para acolher a ideia de que o cidadão deixou de ser súdito perante o Estado.
As concepções modernas consideram que não basta ao cidadão participar do processo eletivo dos seus representantes no poder para que esteja caracterizada a democracia. Não basta também, nesta nova ideia de democracia, assegurar formas de exercício de democracia direta, insuficientes para a democracia participativa. A efetivação desta nova democracia vai além, exigindo instrumentos de legitimação dos cidadãos no exercício do poder, uma verdadeira cidadania ativa (Gregorio Arena).
O conteúdo material do polêmico Decreto editado encontra guarida direta na Constituição, a começar pelo Preâmbulo constitucional, passando pelos seus artigos 1º, II, 3º, II, entre tantos outros. Da análise desses dispositivos pode-se concluir que a República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos a construção de uma sociedade solidária baseada na participação social como expressão do exercício da cidadania e do Estado Democrático em que se constitui.
É de se ressalvar, contudo, que é questionável do ponto de vista jurídico a opção pelo trato da matéria através de Decreto ao invés de Lei formal. Questionável, também, embora não seja claro no Decreto, a atribuição de competência decisória a estas instâncias colegiadas da sociedade civil em matéria de políticas públicas, em substituição aos órgãos legítimos do Poder Executivo.
De qualquer modo, entre críticas e aplausos, deve-se reconhecer que o seu conteúdo enseja o início de rico debate sobre os instrumentos de participação social na Administração Pública brasileira.
*Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP, Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR, sócio do escritório Marins de Souza Advogados (www.marinsdesouza.adv.br), parceiro e colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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