Por Instituto Legado
Depois de 17 anos transitando em projetos socioambientais de inúmeras fontes - executores, financiadores e ideias - muitos me perguntam: “como funciona a cabeça do investidor social?”. Talvez essa pergunta esteja naquele rol cuja resposta constitui um dos “segredos do universo”. Brincadeiras à parte, é preciso inicialmente compreender quem é o tal do “investidor social”, já que nesse conceito inserem-se diversos atores, que podem ser empresas, grandes ou pequenos doadores, organizações financiadoras (também chamadas de grantmakers), entre outros.
Inicialmente, o termo “investidor” nos remete àquela pessoa (física ou jurídica) que faz investimentos em determinada oportunidade que fará com que seus recursos sejam aumentados (imóveis, ações, entre outros). Desculpe a obviedade, mas essa explicação é fundamental para entendermos que os últimos anos trouxeram mudanças enormes na forma como esses atores atuam quando decidem repassar recursos para projetos de sustentabilidade.
Enquanto investidor, fico “atormentando” meu gerente quase todas as semanas, para saber como está a performance das modalidades de investimento que escolhi para ter alguma rentabilidade nos meus recursos. Quero saber quanto eles renderam nos últimos 12 meses, 6 meses, mês anterior, projeção para os próximos trimestres, valor de tributos que incidirão sobre os rendimentos, etc. Por que não seria assim com aqueles que se dispõem repassar recursos para projetos?
Obviamente eles vão querer saber o histórico da organização executora, perfil do público-alvo e da região onde as ações serão realizadas, qual é a área do projeto e, ao final, uma análise quantitativa (quantas pessoas foram beneficiadas) e qualitativa (que tipo de transformação houve nos beneficiados), isso de forma bem resumida.
Um grande passo para o conceito de investidor social aconteceu esse ano, com a entrada da legislação que regulamenta o funcionamento de fundos patrimoniais, cujo foco é o fomento a projetos de interesse público, também chamados de Fundos de Endowment. Isso constituiu-se um grande avanço normativo, já que, finalmente, colocou o Brasil entre os países que dispõem de um mecanismo para capitalizar projetos que beneficiem a coletividade.
Digo finalmente porque a primeira estrutura de endowment que se tem conhecimento foi criada na Grécia antiga, por Platão, que, ao falecer, deixou ao seu sobrinho uma fazenda e instruções bastante claras: os rendimentos gerados por ela deveriam ser direcionados à Academia de Atenas, entidade de ensino superior criada por ele.
Depois de muita evolução, especialmente na aplicação do conceito em países europeus e nos EUA, temos números incríveis:
- US$ 1,5 trilhão é o volume total de recursos administrados pelos endowments no mundo todo;
- O maior Fundo de Endowment do mundo é o administrado pela Fundação Bill e Melinda Gates, com US$ 50 bilhões;
- O Fundo de Endowment da Universidade da Harvard foi criado em 1974. Hoje possui US$ 37,1 bilhões em ativos e 12.000 fundos que são administrados pela sua “Asset”, a HMC – Harvard Management Company.
A ideia é simples, mas muito eficiente: investidores aportam recursos no fundo patrimonial e o resultado do rendimento financia projetos de áreas previstas no seu ato constitutivo. Por exemplo, se o fundo patrimonial foi constituído com finalidade de financiar projetos da área ambiental, ele só pode aportar recursos em iniciativas dessa natureza.
Outro regramento básico é que o valor do principal não pode ser depreciado, a não ser em casos bastante específicos, o que garante a perpetuação do financiamento aos projetos. O mecanismo é interessante porque evita que o valor doado seja gasto e haja necessidade de novos aportes. O objetivo é prolongar e potencializar os reflexos da doação, garantindo que muitos projetos sejam beneficiados ao longo do tempo.
Obviamente o fundo patrimonial deve ser muito bem gerido, já que, quanto maior a rentabilidade do principal investidor, maior será o volume de recursos destinado a financiar os projetos. Além disso, o fundo deve ter um excelente captador de recursos, para que o principal seja aumentado e, consequentemente, o resultado dos investimentos seja amplificado a cada ano. É aí que acontece a “mágica” de ver o cinzento e tempestuoso mercado financeiro se aproximar do colorido mundo das organizações da sociedade civil, não é verdade? Cada um na sua área de atuação, mas com conceitos se aproximando em prol da melhoria da qualidade de vida dos mais vulneráveis.
Os Fundos Patrimoniais com Finalidade Filantrópica definitivamente vieram para entender melhor como funciona o raciocínio do investidor social, ou seja, um misto de causa, planejamento, sustentabilidade e resultado.
Empreendedores Sociais, bem-vindos à uma nova era!
*Artigo escrito por Gustavo Gois, advogado atuante no Direito do Terceiro Setor há 18 anos. Assessora organizações de médio e grande porte, em projetos de diversos seguimentos. Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR. O Instituto Legado é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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