Uma criança loira olha atenta e curiosamente para o que o pai acabara de lhe mostrar com animação em tom sarcástico: “Olha filha, um pretinho. Olha outro! Veja quantos eles são!”
Cenas como essa são frequentes quando os cadernos das primeiras aulas de História do Brasil sobre a mescla das três raças estão em branco. Logo a filha aprenderá que a fábula das três raças – a branca, a indígena e a africana – surge no Brasil Império, com pesquisadores naturalistas. No Ensino Médio, a pequena vai estudar Machado de Assis e Artur Azevedo, e ler sobre as diversas caras brasileiras que formam o Brasil. Só depois é que ela vai pensar em respostas a comentários discriminatórios como esse. Quem sabe a resposta seja baseada na Justiça, que condenou o ex-zagueiro Palmeirense Danilo por ofensa racista contra o também zagueiro Manoel, do Atlético.
E tudo estará resolvido sobre a ideia de que a mesma fusão racial trouxe junto uma fusão cultural como parte da cultura brasileira: o vocabulário resultante de palavras afros e indígenas somadas ao idioma oficial da coroa portuguesa; as tradições do vatapá ao chimarrão; os ritmos, as danças, o carnaval. Falando em carnaval, diria Roberto da Matta sobre a inversão temporária de nossas hierarquias quando, no sambódromo, ricos viram pobres e os pobres viram reis: “O patrão dança ao lado do empregado e o branco junto ao preto”. Será?
Na época do vestibular, a menina se depara com o Sistema de Cotas Raciais e vai pesquisar quando se construiu mais uma barreira a separar negros e brancos – mais uma forma de discriminação e diferenciação. E aí ela se dá conta de que, na tentativa de tratar a diversidade com naturalidade, as pessoas acabam por acentuar as diferenças. Afinal, ela não gostaria de ouvir, em tom de deboche, algo assim:
– Olha, mais uma branquinha. Veja em quantos eles são!
Artigo escrito por Andressa Molina, colaboradora do Instituto GRPCOM.
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