Quando se fala em inovação e pesquisa, não há dúvida de que um dos seus componentes é a insegurança. Afinal, inovar e pesquisar pressupõe arriscar, tentar. Nem sempre o resultado da pesquisa é aquela esperado no início do processo; nem sempre o processo ou o produto inovadores encontram a relevância prática esperada ou a aderência do mercado. Enfim, não se inova sem risco.
Mas a insegurança acima referida, inerente ao processo de pesquisa e inovação, não pode se confundir com a insegurança jurídica. Esta não pode figurar no dia-a-dia do cientista, sob pena de roubar a sua atenção com temática que lhe é secundária. A Ciência deve se preocupar com a produção de Ciência, que gera produção de conhecimento e riqueza, não com entraves legais e burocráticos. A corda-bamba em que caminha a Ciência não pode balançar em razão da legislação; esta deve dar condições de segurança ao pesquisador e seu ecossistema, estrada asfaltada, com várias pistas, sem buracos e bem sinalizada.
Mas infelizmente ainda estamos vivendo um panorama legislativo de bastante insegurança quando se trata de pesquisa e inovação. E quando se fala na relação entre entes ou órgãos públicos e Instituições de Ciência e Tecnologia Privadas (as ICTs privadas, sem fins lucrativos), um dos sintomas causadores desta corda-bamba é um cenário de arrogância legislativa.
No Brasil, nos últimos anos, a legislação passou a ter a pretensão de ser marcante. No tema que estamos tratando não foi diferente: em curto espaço de tempo foram aprovados o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC (Lei n. 13.019/2014) e o Marco Legal da Inovação (Lei n. 13.243/2016). Ambas as leis comungam da mesma pretensão: serem marcantes, fazerem a diferença! Além desta característica, a arrogância legislativa se confirma por outra: as leis não se conversam. Cada uma mais marcante que a outra, simplesmente viram-se as caras como se se bastassem em si.
E isso gera uma série de dúvidas no momento da aplicação prática dos instrumentos de fomento às atividades das ICTs privadas pelos entes públicos, previstos nestas leis, lembrando que este relacionamento passou a ter status constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 85/2015. A partir dela, a Constituição Federal reconhece a finalidade pública da ciência, tecnologia e inovação; legitima a atividade de fomento público-privado, inclusive financeiro e econômico; reconhece a ausência de monopólio estatal na área; e impõe o regime de colaboração entre o público e o privado, inclusive mediante instrumentos de cooperação, na forma da lei.
E a legislação infraconstitucional que regulamenta esta nova ordem constitucional deve ser clara, para pavimentar a estrada por onde irá trafegar o cientista.
O regime geral de fomento introduzido pelo MROSC parece conflitar, em determinada medida, com o regime especial de fomento introduzido pela Lei da Inovação. A nosso ver, a melhor alternativa seria reconhecer a inaplicabilidade do MROSC nas relações decorrentes da Lei da Inovação, o que seria fácil de ser feito mediante alteração da Lei n. 13.019/14 excepcionando a sua aplicação nestes casos.
Assim, quando se deixar a arrogância legislativa de lado e as leis passarem a conversar, talvez a insegurança jurídica seja reduzida e se dê condições para que a corda-bamba da Ciência se limite aos aspectos técnicos.
*Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP, Ex-Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR (2011-2015), sócio do escritório Marins de Souza Advogados (www.marinsdesouza.adv.br), parceiro e colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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