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Reunião na escola com os responsáveis, mães, pais, diretora, coordenadora pedagógica, professoras e professores. A professora de matemática apresentou sua exposição com o intuito de demonstrar como será sua abordagem para o próximo ano, já que, segundo ela, sua disciplina “é o ‘bicho papão’ das matérias e precisamos estimular as alunas e os alunos com estratégias atrativas”.

Após sua fala, uma das mães presente dá uma risada e faz um comentário, referindo-se à professora: “Como uma moça tão nova, bonita e ainda por cima loira escolhe fazer matemática?” O comentário é seguido pela conivente risada de algumas pessoas ali presentes, inclusive da equipe pedagógica.

O relato aconteceu recentemente em uma escola de Curitiba e expressa fatos verídicos.

Situações rotineiras como essa são fortes exemplos de como algumas noções e crenças sobre os papéis de gênero estão naturalizadas. Se podem, neste caso, aparentar “apenas” uma brincadeira, carregam preconceitos e grande violência. A presença de mulheres em determinadas áreas de trabalho, por exemplo, ainda persiste com intensa resistência. Por isso, ainda precisamos debater a valorização da mulher e a igualdade de gênero, preconizadas pelo ODM 3.

Num ambiente escolar ou, ainda, na área da educação, por ser um espaço dominado por mulheres, seria um ambiente no qual este tipo de segregação não ocorre, certo? Errado. Na educação podemos perceber a perpetuação de certos valores pautados no machismo e em um modelo patriarcal recorrente, que mesmo com a presença em sua grande maioria de mulheres como professoras, diretoras, pedagogas e atuantes nos serviços de manutenção escolar, esse espaço ainda é atravessado por questões que limitam as mulheres e se mostra opressor, incentivando várias formas de violência, não só a física, mas a psicológica e a moral, formas  aparentemente sutis e veladas, mas de danos profundos às mulheres.

Ninguém problematizou abertamente a fala daquela mãe na reunião. Nenhuma profissional mulher presente naquele momento se posicionou no sentido de questionar aquela pergunta que pretendia ser uma piada. E se a filha desta pessoa desejar seguir, ainda jovem, uma carreira como professora de matemática? Ou de engenheira? E se ela der o “azar” de que a estética de seu corpo corresponda aos padrões de beleza vigentes? E se, ainda por cima, tiver a cor de seus cabelos loiros?

São vários estigmas e estereótipos que determinam o lugar de cada pessoa nos espaços sociais. Qual é lugar de uma moça nova, considerada bonita e loira? E se, essa moça fosse negra? Qual seria o estereótipo acionado?

Não se trata, evidentemente, de culpar as mulheres profissionais da educação, quanto menos a mãe. Todas estas mulheres estão expressando o que aprendemos socialmente e cotidianamente, reproduzindo um discurso violento que delimita papéis sociais para homens e mulheres. Se, ainda por cima, no ambiente social encontram-se pessoas que vivem de acordo com outras formas de ser – como qualquer pessoa que tenha uma escolha por um gênero diferente daquele que lhe foi designado em seu nascimento ou uma orientação sexual que diverge daquelas pautadas pela heteronormatividade – seu risco de sofrer discriminação, invisibilidade e violência se acentua radicalmente.

Esta passagem aqui relatada é um exemplo, entre tantos outros factíveis no cotidiano escolar, de que as questões relativas a gênero e sexualidade estão sempre presentes na escola, não existe escolha, elas são reais e atuantes.  A escolha que existe é problematizá-las, refletir criticamente sobre estas questões e abrir espaço para a conscientização e para o debate. Enquanto deixarmos que aos meninos seja permitido apenas atividades como jogar bola e às meninas brincar de boneca, estaremos reafirmando estigmatizações e preconceitos. Privando às crianças de encontrarem as atividades que gostam de realizar, não apenas aquelas que lhe são impostas. Assim poderão escolher vivenciar outras formas de brincar e ser.

Recentemente, durante a votação dos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Educação (2014 -2024), calorosas discussões envolvendo a inserção das discussões relativas a gênero e orientação sexual ganharam destaque, tornando-se alvo de críticas e mobilização de alguns grupos para impedir a inserção da temática. Essa atitude evidencia o quanto ainda existe resistências por parte de uma ala conservadora, frequentemente alicerçadas em enfoques fundamentalistas, que se pronunciam quando existe a tentativa de alavancar mudanças que desafiem seus princípios. O Plano, no seu formato final, perdeu a oportunidade de visibilizar as desigualdades, cedendo aos apelos daqueles que não (re)conhecem a realidade e as necessidades do ambiente escolar. Este retrocesso contribui para a manutenção de sistemas que por vezes mostra-se perverso, seja em relação a gênero, sexualidade, regionalidade ou raça/etnia.

Estas pequenas e aparentemente sutis atitudes e condutas no/e sobre o ambiente escolar reproduzem e reforçam um discurso e uma prática social, nutrindo e sustentando uma série de violências que, principalmente, as mulheres são submetidas. Qualquer desvio às normas sociais de gênero e sexualidade, qualquer desencaixe ou borramento nas fronteiras de como um homem ou uma mulher deve se portar, significa ameaça a um status quo. Significa um abalo ao sistema sustentado historicamente pelo patriarcado.

Guacira Lopes Louro (2014) argumenta que para pensar em qualquer intervenção na escola é importante primeiro reconhecer que há diferenças e desigualdades instituídas. Desta forma, almeja-se, com urgência, uma sociedade que reconheça as diferenças e labute para aumentar o acesso à igualdade de direitos e oportunidades.

O combate à violência contra as mulheres tem na escola um ambiente fértil, no qual meninos e meninas, professoras e professores podem estabelecer espaços de debates que priorizem temas sobre o respeito às diferenças e a solidariedade. Assim poderemos construir oportunidades de diálogo e convivência mais democráticos, pois lugar de gente é onde a pessoa desejar estar, sem que seja ameaçada em sua integridade nas suas dimensões física, mental, emocional e espiritual.

*Artigo escrito por Daniela Isabel Kuhn e Kaciane Daniella de Almeida, doutorandas do PPGTE/UTFPR e integrantes do Movimento Nós Podemos Paraná, articulado pelo SESI-PR, parceiro voluntário do blog Giro Sustentável.

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