Harmonizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, visando a satisfazer as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas.
Nesse norte, a questão da perda da biodiversidade e necessidade de exploração racional de seus elementos é um dos temas mais debatidos na atualidade, em especial em países megadiversos como o Brasil, maior detentor de diversidade biológica do mundo, além de um expressivo número de comunidades locais e populações indígenas, possuidoras de riquíssimos conhecimentos tradicionais sobre os seus habitats e utilização dos recursos da biodiversidade.
Com efeito, biodiversidade, também referida por diversidade biológica, conforme se aduz do artigo 2º da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 2.519 de 1998, significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, englobando ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
Não se pode olvidar, no entanto, encontrar-se a diversidade biológica severamente ameaçada, em especial por conta do crescimento desenfreado e não sustentável do consumo mundial, refletindo a deficiência de controle e regulamentação em prejuízos imensuráveis.
Dentre os processos responsáveis pela perda dos elementos da diversidade biológica, é possível citar a introdução de espécies e doenças exóticas; perda e fragmentação dos habitats; exploração excessiva de espécies de plantas e animais; uso de híbridos e monoculturas na agroindústria, contaminação por poluentes; além das significativas mudanças climáticas, a demandar uma maior conscientização sobre a necessidade de sua proteção.
No plano internacional, a diversidade biológica é tutelada notadamente à Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, de 1992, bem sucedido fruto da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) − a conhecida Rio 92.
Inspirada no comprometimento mundial em ascensão com o desenvolvimento sustentável, representando um visível avanço na luta pela conservação da diversidade biológica, uso racional de seus elementos e repartição justa e equitativa dos benefícios vinculados à utilização de seus recursos, a CDB conta hoje com 193 países-Partes, tendo sido o Brasil um dos primeiros países signatários do diploma.
Em seus enunciados, inauguraram-se as bases das normas internacionais que disciplinam o acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados. Seguindo os moldes de Convenção-Quadro, cuida a CDB do principal documento com vistas ao estabelecimento de quadros legais para o desenvolvimento de atividades econômicas relacionas com a bioprospecção.
Norteando-se pelo intuito-maior de promover o desenvolvimento sustentável das Nações, tem-se que os objetivos da CDB, definidos ao artigo 1º do diploma, são a: i) conservação da diversidade biológica, ii) a utilização sustentável de seus componentes e iii) a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.
Em âmbito interno, por sua vez, destaca-se a Medida Provisória n. 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, que regulamentou o artigo 225, parágrafos 1º e 4º, da Carta Magna, bem como os artigos 1º, 8º, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, itens 3 e 4, da CDB.
Com fulcro no artigo 1º da norma, a Medida Provisória n. 2.186-16/2001 dispõe sobre os bens, os direitos e as obrigações relativos: a) ao acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção; b) ao acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, relevante à conservação da diversidade biológica, à integridade do patrimônio genético do País e à utilização de seus componentes; c) à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado; e d) ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica.
Nesse ponto, comente-se que a Medida Provisória criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN, órgão de caráter deliberativo e normativo, responsável pelas autorizações de acessos e, por conseguinte, pela aplicação de uma justa e equitativa repartição de benefícios, em harmonia para com os preceitos da CDB.
Doutra banda, tem-se que as convenções internacionais, dentre as quais se enquadra a CDB, muito embora efetivamente prevejam princípios e regras gerais, não estipulam prazos, tampouco obrigações específicas aos signatários, cabendo a sua complementação às legislações internas dos Estados e, ainda, à adoção de Protocolos adicionais.
Nesse contexto, a fim de complementar o disposto à CDB em relação ao acesso aos recursos genéticos e à repartição de benefícios, foi adotado o Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Repartição de Benefícios (Access and Benefit Sharing – ABS), durante a Décima Conferência das Partes (COP 10), cujo principal objetivo principal é a distribuição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos.
Tão logo entre em vigor, o Protocolo será uma importante diretriz internacional para auxiliar as partes na formulação de suas legislações nacionais neste tema.
Vale ressaltar ainda que a assinatura do Protocolo de Nagoya possibilita que o Brasil retome as tão aguardadas discussões e consultas públicas nesta matéria, especialmente junto às comunidades detentoras de conhecimento tradicional associado, o que terá o condão de sanar várias ineficiências legislativas e contribuir para a construção de um quadro jurídico claro e adequado, despido da burocracia que hoje desencoraja a regularização das atividades no setor e obsta o efetivo atingimento dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica.
*Artigo escrito por Beatriz Campos Kowalski, advogada colaboradora do Buzaglo Dantas Advogados, parceiro voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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