Após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário n. 566.622, em conjunto com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621, em março de 2017, passou-se a divulgar a desnecessidade do CEBAS para que as Organizações da Sociedade Civil usufruam da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social (cota patronal, PIS, COFINS, RAT e CSLL).
Isto porque o STF entendeu que os requisitos para a fruição da imunidade hão de estar previstos em lei complementar, e como a Lei n. 12.101/09 (que regulamenta o CEBAS) é lei ordinária, seria incompetente para regular a imunidade. Porém, além de o próprio julgado do STF conter contradições e dúvidas interpretativas, ainda está pendente de julgamento de recurso de embargos de declaração, sendo precipitada a sentença de morte do CEBAS.
Confirmando esta preocupação, recentemente (12/04/2018) foi julgada pelo mesmo STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.802, cuja decisão contém o seguinte trecho: “A orientação prevalecente no recente julgamento das ADIs nº 2.028/DF, 2.036/DF, 2.228/DF e 2.621/DF é no sentido de que os artigos de lei ordinária que dispõem sobre o modo beneficente (no caso de assistência e educação) de atuação das entidades acobertadas pela imunidade, especialmente aqueles que criaram contrapartidas a serem observadas pelas entidades, padecem de vício formal, por invadir competência reservada a lei complementar. Os aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais da regra de imunidade, tais como as referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo, continuam passíveis de definição por lei ordinária”. Traduzindo: entende-se que normas procedimentais referentes à certificação podem ser editadas por lei ordinária, como a Lei n. 12.101/09 (Lei do CEBAS).
Por conta deste panorama, temos recomendado que as Organizações da Sociedade Civil mantenham os procedimentos relacionados à concessão e à renovação do CEBAS, pelo menos até que haja mais clareza quanto a eventual declaração de inconstitucionalidade do Certificado. Porém, algumas Organizações da Sociedade Civil têm enfrentado problemas históricos para a obtenção do CEBAS por conta das mudanças legislativas que ocorreram na última década no ambiente regulatório do Terceiro Setor. E uma das atividades que tem enfrentado na pele esta dificuldade é a das Comunidades Terapêuticas.
Para quem não sabe do que se trata, em breves palavras as Comunidades Terapêuticas são unidades de acolhimento voluntário e atendimento de pessoas com transtornos decorrentes de uso e abuso de substâncias psicoativas, ou seja, dependentes de álcool e outras drogas, cuja finalidade é proporcionar aos acolhidos reinserção familiar e social.
Embora a Política Nacional da Assistência Social – PNAS (Resolução CNAS n. 145/2004) faça expressa menção ao público vulnerável em razão do uso de substâncias psicoativas como alvo da assistência social no âmbito dos Serviços de Proteção Especial de Alta Complexidade (Serviço de Acolhimento Institucional), a partir da Tipificação Nacional da Assistência Social (Resolução CNAS n. 109/2009) o Conselho Nacional da Assistência Social – CNAS e o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS passaram a entender – equivocadamente em nossa opinião – que as Comunidades Terapêuticas não fariam mais parte da política pública de assistência social.
Exemplo deste entendimento consta do Parecer Técnico n. 1267/2012/CGCEB/DRSP/SNAS/MDS, emitido no âmbito do Processo n. 71000.076626/2009-81, referente à renovação do CEBAS da Comunidade Reviver, de Belo Horizonte, bem como da Nota Técnica sobre a inscrição das comunidades terapêuticas nos Conselhos Municipais de Assistência Social – CMAS, emitido pelo Conselho Estadual de Assistência Social do Estado do Paraná – CEAS/PR (disponível em: http://www.ceas.pr.gov.br/arquivos/File/inscricao_cnas/04_Nota_tecnica_Comunidades_Terapeuticas.pdf).
E a partir de então as Comunidades Terapêuticas ficaram no limbo, sem reconhecimento da política pública de assistência social e das demais políticas públicas, inclusive para fins de obtenção do CEBAS, conforme exemplo acima citado.
Após muita discussão, foi promovida alteração na Lei n. 12.101/09 pela Lei n. 12.868/13, para passar a contemplar as Comunidades Terapêuticas como entidades beneficentes de assistência social na área da saúde (artigos 7º-A e 8º-B, da Lei n. 12.101/09), e, portanto, conseguirem obter o CEBAS e os benefícios dele decorrentes.
Ocorre que para obter o CEBAS na área da saúde é preciso vínculo com o SUS. E para isso, necessária a inscrição no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde – CNES, mas não havia código de atividade específico no sistema do CNES para os serviços realizados pelas Comunidades Terapêuticas. Isto veio a ocorrer somente em 2016, através da Portaria SAS/MS n. 1.482/2016, que incluiu na Tabela de Tipos de Estabelecimentos de Saúde do CNES o Tipo 83 – Polo de Prevenção de Doenças e Agravos de Promoção da Saúde, estabelecendo expressamente que as Comunidades Terapêuticas fazem parte deste tipo de estabelecimento.
Superado este obstáculo, bastava às Comunidades Terapêuticas obter o vínculo com o SUS, através de ajuste, contrato, convênio ou outro instrumento com o Gestor Local do SUS, ou mesmo manifestação de ausência de interesse do Gestor Local quanto aos serviços prestados pela Comunidade Terapêutica. E este, hoje, tem sido o grande desafio: obter o reconhecimento da política pública de saúde, com a manifestação do Gestor Local do SUS.
Voltando ao início deste artigo, dissemos que as Organizações da Sociedade Civil, em nossa opinião, devem continuar perseguindo o CEBAS até que o cenário jurídico fique mais seguro quanto a eventual desnecessidade do Certificado para fins de fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social. O mesmo deve ser dito para as Comunidades Terapêuticas, que devem perseguir o CEBAS mediante: i) ajuste do seu Estatuto às exigências da Lei n. 12.101/09, com as alterações da Lei n. 12.868/13; ii) obtenção de inscrição no CNES, no Tipo 83; iii) ajuste com o Gestor Local do SUS; e iv) envio dos documentos exigidos pela Lei n. 12.101/09 ao Ministério da Saúde.
Ocorre que as Comunidades Terapêuticas continuam enfrentando dificuldades sensíveis no momento de obtenção destes documentos, sobretudo em razão da resistência, em alguns municípios, do reconhecimento das atividades por elas desenvolvidas como parte da política pública de saúde. E nestas situações, o direito das Comunidades Terapêuticas à fruição da imunidade tributária a contribuição para a seguridade social está sendo suprimido, cabendo o ajuizamento de medida judicial para fazer valer este direito.
*Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP, sócio do escritório Marins de Souza, Leal e Olivari Advogados (www.marinsdesouza.com.br), especializado em Terceiro Setor, parceiro e colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
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