A questão dos estudos técnicos necessários para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia hidrelétrica ainda é uma das principais discussões entre os órgãos públicos competentes, Ministério Público, empreendedores e o Poder Judiciário. A dúvida basilar é se basta o licenciamento ambiental do empreendimento para autorizar a construção de um projeto, ou se ainda são necessários outros estudos mais amplos como a Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Ambiental Estratégica.
Não há dúvidas de que é necessária a elaboração de estudos específicos para o licenciamento ambiental de um empreendimento de geração de energia hidrelétrica. Embora passível de questionamentos, pode-se afirmar que, em regra, é necessária a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório (EIA/RIMA) para projetos com capacidade instalada superior a 10 MW e de estudos simplificados para o licenciamento de empreendimentos com capacidade para gerar menos de 10 MW. A exigência desses estudos está prevista em diversos diplomas legais há bastante tempo e já foi incorporada à práxis das empresas de geração de energia.
Entretanto, alguns entes legitimados para a ação civil pública, especialmente o Ministério Público, seja o Federal, seja o Estadual, consideram que, além dos estudos específicos para o licenciamento de um empreendimento hidrelétrico, elaborados a nível de projeto (EIA/RIMA ou estudos simplificados), é indispensável a elaboração, de estudos com maior abrangência, que ultrapassam os limites de um único empreendimento, como a Avaliação Ambiental Integrada e a Avaliação Ambiental Estratégica.
A Avaliação Ambiental Integrada (AAI) é um mecanismo para avaliar os impactos ambientais de um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos em uma determinada bacia hidrográfica. A primeira AAI, em âmbito federal, foi realizada pela Empresa de Pesquisa Energética em 2007 como resultado de Termo de Compromisso relacionado à UHE Barra Grande, para avaliar os aproveitamentos hidrelétricos localizados na Bacia do Rio Uruguai.
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), figura prevista em outros países, como Dinamarca e Alemanha, mas não prevista no ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, constitui um instrumento de coordenação, que, dentro dos diferentes níveis das atividades de planejamento governamentais, oferece um conjunto de alternativas de escala, de localização, de prazos e de tecnologias, por exemplo, uma vez que se situa no nível do planejamento de políticas, planos e programas – e não de um projeto especificamente considerado.
Assim, enquanto a AAE proporciona uma análise antecipada e integrada das políticas, planos e programas que afetam o meio ambiente, a nível governamental, a AAI proporciona uma análise conjunta de impactos socioambientais, de forma a facilitar uma definição estratégica quanto à instalação de novos empreendimentos. Ambas são realizadas de forma independente do licenciamento ambiental, e facilitam a tomada de decisões estratégicas. A AAI, porém, tem um escopo mais limitado, sendo executada por órgãos setoriais.
É inquestionável que tanto a AAI, quanto a AAE são mecanismos importantes de planejamento, que podem auxiliar sobremaneira as decisões do poder público em relação a políticas, planos e programas de governo quanto aos impactos sobre o meio ambiente. Contudo, apesar de sua importância, é fundamental destacar que a legislação federal em vigor não prevê a realização desses procedimentos, de modo que não se pode exigir que o empreendedor os faça. Ou, então, impedir a instalação de um empreendimento hidrelétrico em razão de a AAI ou AAE não terem sido elaborados, sob pena de se violar o princípio da legalidade.
Exatamente nesse sentido foi o que decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento n. 0005872.20.2013.4.03.0000/MS, julgado em 03/05/2013. Nessa demanda, a relatora do acórdão, Desembargadora Federal Marli Ferreira, deferiu o pleito de antecipação de tutela recursal formulado pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (ABRAGEL), suspendendo a decisão do juízo de primeiro grau, que havia proibido a concessão de licenças ambientais prévias e de instalação até que fosse concluída a AAE da bacia do Alto Paraguai. A relatora, para afastar a exigência da AAE, entendeu que “não é dado ao Ministério Público e muito menos ao Judiciário impor obrigações às partes que não decorrem da análise de lei vigente no ordenamento jurídico”. Além disso, afirmou que “decretar-se a invalidade de licenciamento ambiental exercido dentro das determinações legais com foco na preservação do meio ambiente pantaneiro é afastar a competência administrativa do Poder Público e dos órgãos licenciadores”.
Porém, mesmo que não se conheça nenhuma decisão que tenha exigido a elaboração da AAE, não se pode descuidar que existem decisões em sentido diametralmente oposto, em que exigem a elaboração de AAI como pré-requisito para a concessão de licença ambiental para a construção de novas hidrelétricas – mesmo sem haver previsão expressa no ordenamento jurídico vigente. Nessa linha, há casos julgados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Há que se levar em conta, ainda, que há Estados que, no âmbito de sua competência legislativa, suplementaram a legislação federal prevendo hipóteses em que a AAI é obrigatória, como Minas Gerais, Bahia e Santa Catarina.
Apesar disso, vale destacar, que a ausência de AAI ou de AAE não afasta a análise dos impactos ambientais cumulativos e sinérgicos de determinado empreendimento e não implica no fracionamento do licenciamento ambiental ou na subavaliação dos impactos ambientais. Isso porque, no âmbito do próprio EIA/RIMA, é necessária a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando, entre outros, suas propriedades cumulativas e sinérgicas. Essa é a expressa redação do art. 6º, II, da Resolução CONAMA n. 01/86. Portanto, mesmo não sendo elaborados AAI e AAE, de forma alguma o meio ambiente deixará de ser resguardado, pois deverá ser feito um estudo específico, como o EIA/RIMA, que avaliará todos os impactos aos meios físico, biótico e socioeconômico, inclusive quanto aos impactos cumulativos e sinérgicos.
*Artigo escrito por Bruno de Andrade Christofoli, advogado do Buzaglo Dantas Advogados, escritório que é parceiro voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.
**Quer saber mais sobre cidadania, responsabilidade social, sustentabilidade e terceiro setor? Acesse nosso site! Siga o Instituto GRPCOM também no twitter: @institutogrpcom.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS